Brasil: Uma polêmica contra o oportunismo e o burocratismo no movimento estudantil
Antonio Soler e Rosi Santos*
Desde 2008, a realidade mundial vem sendo marcada pela crise econômica. Apesar do processo de recuperação econômica do grupo de países chamado de BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), que cumprem o papel de contrapesar a crise mundial, a recuperação tem se demonstrado limitada e parcial. Do ponto de vista social isso se manifesta nos altos índices de desemprego (principalmente entre a juventude) e no setor econômico-financeiro, por meio do endividamento do setor público (gerado pelas políticas “anticíclicas”, medidas tomadas pelos governos para combater a eminente depressão que assolava a economia mundial e de muitos países). Agora, estes mesmos estados, depois de utilizarem massivamente verbas públicas para salvar os capitalistas de uma catástrofe total, vêm tomando medidas de “saneamento” das contas públicas (leia-se redução de salários, ou de gastos com previdência, educação etc.) com conseqüências políticas explosivas, vide o que ocorre na Grécia e Norte da África.
Passamos por intensos processos de mobilização em várias partes do mundo em 2011, passando pelas mobilizações em alguns países da América Latina, como no Chile e Colômbia, até as mobilizações contra os pacotes de ajuste por toda a Europa. Não obstante o aviltamento destes processos contínuos, reflexo, aliás, do momento de atual crise econômica e do sistema capitalista, é necessária a percepção de que as diversas lutas se dão segundo conjunturas políticas e lutas muito distintas. Por outro lado, é evidente que estamos num contexto grave de repressões e de ataques à classe trabalhadora mundial e aos lutadores de maneira geral. Nesse sentido, não podemos perder de vista que as lutas dos trabalhadores por salário, terra, moradia, educação e outras reivindicações têm sido duramente reprimidas e criminalizadas.
A crise econômica tem sido um dos elementos centrais para uma onda histórica de rebeliões em todo o planeta. Assistimos a um processo político com uma intensidade não vista há décadas. Processo esse, que é composto principalmente por revoltas de jovens (Inglaterra e Espanha), movimentos de desempregados e indignados de forma geral (“Ocupar Wall Street”), rebeliões populares contra regimes e governos (Primavera Árabe) e contra pacotes econômicos (Grécia, Itália, Espanha, Portugal) que acabam muitas vezes na queda de governos ou pela substituição de outros com um perfil mais “tecnocrático”. Essa onda de resistência apresenta limites (ausência da classe operária como vanguarda social organizada na frente das mobilizações, organizações sindicais e políticas anticapitalistas com influência de massas, partidos revolucionários e consciência generalizada entre a classe trabalhadora e a juventude da necessidade de lutar até o final, não só contra os efeitos, mas contra o capitalismo até o final) que se não forem superados, não podem refutar a brutal ofensiva imperialista para salvar o sistema da maior crise econômica desde o crash da década de 1930.
Apesar destas dificuldades político-ideológicas, a situação aberta pela crise econômica apresenta uma realidade muito mais favorável para a revolução em termos internacionais. Há décadas não assistimos uma polarização tão generalizada na luta de classes, com guerras civis, greves gerais unificadas entre trabalhadores e estudantes, rebeliões populares… Tudo isso apesar do freio/sabotagem das burocracias sindicais e estudantis, dos dirigentes e partidos nacionalistas e da ainda pouca presença de direções revolucionárias em escala mundial.
Se por um lado é verdade que a burguesia e o imperialismo estão hoje na ofensiva contra os trabalhadores para lhes transferir o custo das políticas anticíclicas, por outro lado, também não é menos verdade que estas políticas vêm enfrentando uma resistência que ainda não foi derrotada. E mais, a profundidade da crise vai continuar exigindo que novas medidas de “ajuste” sejam tomadas, realimentando assim novos enfrentamentos em vários países. O que nos põe a possibilidade de um prolongamento da polarização entre as classes, a crítica ideológica, e novos processos de mobilização que podem colocar patamares superiores de enfrentamento contra o sistema. Esse “caldo de cultura política”, certamente, cria melhores condições para o desenvolvimento da consciência socialista revolucionária e para a construção de partidos revolucionários que possam cumprir um importante papel na luta de classes através de sua influência sobre as massas trabalhadoras.
A crise volta a ameaçar a estabilidade econômica e política brasileira
Como não poderia deixar de ser, o cenário econômico e político nacional, desde 2008, sofre com a crise mundial. Evidentemente que as políticas anticíclicas desenvolvidas pelo governo têm mediado os seus efeitos. Essas políticas são baseadas na isenção de impostos para o grande capital, em políticas de financiamento de linhas de crédito e no investimento nas obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse projeto se baseia em obras públicas em parceria com o grande capital e sem nenhum risco para este, pois, as verbas estatais dão garantia de lucratividade para as construtoras e demais empresas envolvidas. Para financiar essas políticas, o governo já fez cortes e contingenciamentos no orçamento público que atingem R$ 60 bilhões. Cortes estes, que atingem diretamente o investimento no setor público e nas condições reais de vida dos trabalhadores. Além do mais, a crise econômica tem servido também para estabelecer um padrão de exploração ainda maior: redução de salários, aumento e intensificação da jornada de trabalho e terceirização são só alguns exemplos.
A redução de impostos para o grande capital, as linhas de crédito e o endividamento das famílias possibilitou, do ponto de vista do mercado interno, por um período, a manutenção do consumo de massas. Em relação ao mercado externo, as dificuldades na recuperação dos países centrais têm demonstrado que as exportações de commodities não podem garantir a manutenção ad eternum do crescimento do PIB. Nesse cenário, o investimento público na economia cumpre papel de grande desgaste, só que para isso, é necessário fazer cortes sistemáticos no orçamento destinado a saúde e educação.
Apesar de o Brasil ainda manter certa estabilidade econômica, no segundo semestre de 2011 a economia deu novamente claros sinais de que não é imune a situação mundial com uma drástica redução do PIB durante todo um trimestre. Isto, somado às condições terríveis de existência da ampla maioria dos trabalhadores – o que leva, por sua vez, a centenas de processos de ocupações rurais e urbanas, lutas operárias localizadas, degradação social e mobilizações estudantis – faz com que o estado, de forma preventiva, tenha a estratégia de desmantelar toda e qualquer forma de resistência e organização independente.
Apoiando-se em um aparato repressivo gigantesco e em uma legislação que não rompeu totalmente com a ditadura militar, o estado tem reprimido violentamente qualquer ação de enfrentamento com a propriedade privada ou a “ordem pública”, mas, não o faz se apoiando apenas em seus mecanismos repressivos diretos. A partir do governo Lula, as principais organizações do movimento social passaram a se posicionar de forma muito mais subserviente. O que era de início uma burocracia que encaminhava determinadas lutas, em alguns momentos pressionada pela situação objetiva ou pela pressão dos trabalhadores (claro que sempre submetidas à institucionalidade), passou a inviabilizar qualquer enfrentamento com os patrões ou governo. Isso acaba fazendo com que os trabalhadores e a juventude fiquem praticamente sem nenhuma estrutura político-organizativa para se apoiar ou unificar suas ações, facilitando assim, ainda mais o trabalho da repressão.
A classe dominante sabe que, com a extensão da crise econômica mundial e nacional em 2012, a situação política tende a se tornar cada vez mais aguda, gerando processos de enfrentamentos que ameaçam diretamente governos, instituições, e a propriedade privada, que escapam ao controle do Estado. Por isso, esta classe vem tomando medidas preventivas, ou seja, reprimindo violentamente com a força policial e criminalizando amplamente ativistas e lideranças. Além das inúmeras repressões que ocorreram dentro da USP, vimos recentemente, neste ano, o episódio da higienização dos usuários de drogas e mendigos da Cracolândia, além da reintegração de posse à força da ocupação de Pinheirinhos. Ambas realizadas pela polícia militar a mando do Governo do Estado de São Paulo e de seu governador, Geraldo Alckmin.
Se na América Latina observamos dezenas de lutas contra os efeitos das políticas neoliberais, percebemos também no Brasil, lutas contra todo o processo de precarização do ensino superior e contra o império da burocracia universitária. Tais protestos, inclusive, apesar de apresentarem aspectos distintos dos processos globais que ainda estão em curso, inscrevem-se dentro do mesmo cenário mundial de crise econômica que, de forma desigual, atinge principalmente a juventude trabalhadora.
A educação superior no Brasil: qualidade e caráter público do ensino sempre estiveram em disputa
No Brasil, o ensino superior público sempre foi norteado por idéias elitistas. Não obstante isso, observamos diariamente inúmeras respostas por parte dos setores combativos das universidades a esta lógica que privilegia os ricos. Assistimos, desde o início do governo do PT, a uma expansão das universidades federais sem qualquer investimento que garanta a sua mínima qualidade. A educação superior enfrenta políticas neoliberais orquestradas tanto em âmbito estadual, quanto em âmbito federal e, deste modo, a cada dia perde-se mais o seu caráter público. No interior das universidades, é reproduzida a lógica produtivista em que a educação, assim como qualquer atividade, deve ser valorizada mercadologicamente, o que por outro lado, anuncia a perversão do “quanto menor o custo, melhor”, e assim, atrela diretamente o ensino às metas estipuladas pelo Banco Mundial e aos interesses do capital transnacional.
Para impor esta lógica, então, foi desenvolvido um processo de redução constante do que havia de autonomia e democracia no interior dessas universidades, além de levar à precarização do ensino nos campi de expansão das universidades federais e do trabalho dos servidores. Esse fenômeno é assistido a olho nu com a aplicação do REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) pelas reitorias atreladas ao governo federal, que aderiram ao programa e têm de cumprir rigorosamente as famosas “metas de expansão”. É parte desse processo, obviamente, a preocupação com um programa de “produtividade” que é implantado em detrimento da qualidade do ensino e de pesquisa. Isto se manifesta concretamente no avanço do trabalho terceirizado, no crescimento do poder das fundações de apoio de direito privado no interior das universidades, na falta de professores, nas salas de aula lotadas, na ausência total ou existência precária de laboratórios, de moradia, de políticas de assistência e permanência estudantil.
Toda essa combinação foi o que tornou possível que o segundo semestre de 2011 se iniciasse em vermelho para juventude e para os trabalhadores da educação superior, com greves, ocupações de diversas reitorias de universidades públicas como a Universidade Estadual do Paraná, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do Espírito Santo, Universidade Federal Santa Catarina), em sua maioria universidades federais (para saber das demandas específicas de cada uma das universidades, vide a matéria “Onda de Ocupações de Reitorias em Todo País” de nosso jornal Práxis, de Setembro de 2011). Essa mobilização nacional se iniciou com a greve dos trabalhadores técnico-administrativos e, em seguida, ganhou corpo com as ocupações de reitorias em apoio à greve e pelo atendimento das reivindicações dos trabalhadores e dos próprios estudantes.1 A Universidade de São Paulo, apesar de seu papel histórico de combatividade e peso no movimento estudantil nacional, neste período contava em seu interior, principalmente no campus central, com algumas iniciativas de luta, mas nada ainda orgânico.
Universidade de São Paulo: da fundação aos dias atuais
A criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, tem na Revolução Constitucionalista de 1932 e sua derrota para as tropas federais, um dos fatores para sua fundação. Esta relação conturbada entre poderes federais e estaduais deu vazão ao Movimento de 32, ou melhor dizendo, da luta política entre os tenentes ligados à ditadura getulista e a elite intelectual paulista, segue-se que esta última teria sido derrotada. A partir disso, então, a situação gerada foi a de uma maior centralização do Estado brasileiro, que se fez através de uma intensa repressão e controle dos movimentos sociais, e este, grosso modo, foi o pano de fundo que permitiu o acordo entre o governo federal e o governo paulista para a criação da USP.
Porém, partindo de análise mais pormenorizada da relação entre a Revolução Constitucionalista de 32 e a criação da instituição, apontamos que não se tratava apenas de um confronto entre as classes dominantes paulistas e o governo federal, mas também do estabelecimento de mecanismos de conciliação e compromisso entre ambos, mecanismos estes que tornaram possível a concretização de um grande projeto elitista de ensino superior no Estado de São Paulo, forjado na necessidade de suprir a falta de quadros dirigentes neste Estado e no país como um todo.
A Missão Francesa
Com a preocupação distorcida sobre a qualidade do ensino nesta nova instituição, o governo brasileiro deu provas de sua subserviência e da falta de uma identidade nacional pré-concebida, dando início na Universidade de São Paulo a uma nova Missão Francesa no Brasil. O uso da palavra missão não é algo recente para intitular o processo de migração de professores vindos da França para lecionar no Brasil. Na verdade, assim era chamado oficialmente este processo desde aquele período. Entendemos que o uso dessa palavra está longe de ser um problema apenas conceitual, mas, de outro modo, apontamos o seu emprego como algo que não muito se diferenciou do que foi o processo colonizatório dos portugueses no Brasil, e evidentemente, mostra novamente que éramos vistos como um povo aculturado.
Contrariando aqueles que reivindicam esta missão como algo extremamente valioso para a cultura nacional, já que faziam parte dessa missão professores de altíssima qualidade como Lévi-Strauss, Braudel, Roger Bastide, Paul Arbousse-Bastide Pierre Monbeig etc (…) contamos um pouco do que se sabe deste processo. Ao contrário do que se pensa e diz, esses pensadores não foram escolhidos a dedo para lecionar no Brasil; não houve sob hipótese alguma esta preocupação. Esses autores, embora consagrados hoje, não tinham nenhuma autoridade no meio científico e reconhecimento intelectual na época de sua vinda ao país, contudo, eram extremamente jovens e recém-formados, e na vida acadêmica brasileira fizeram suas escolas, e não o contrário. O que de forma alguma desprestigia esses autores, muito pelo contrário, não restam dúvidas de suas contribuições teóricas para formação do pensamento político, filosófico e científico como um todo. Mas, sua presença denota, por outro lado, que nosso país pode sim formar pensadores e que, a partir deles, surgiram grandes pesquisadores.
A intenção, com isto, é de esclarecer o marco em que se deu o processo citado acima. Quando selecionados, não eram e nem se esperava que se tornassem “famosos”. Segundo Fernando Novais, quando Braudel veio para São Paulo, por exemplo, não tinha sequer publicado sua tese ainda (Novaes, Fernando. Estudos avançados revista eletrônica, vol.8 No 22, São Paulo, Sept./Dec.1994). A seleção desses professores, aliás, foi totalmente sem critério e totalmente aleatória. Lévi-Strauss conta, no primeiro capítulo de Tristes trópicos, que era formado em filosofia, mas que desejava ser antropólogo. Sobre sua vinda ao Brasil, diz ainda que, num certo dia, recebeu um telefonema de seu professor de filosofia perguntando se continuava com a idéia de estudar índios. Diante da confirmação, esse professor teria dito que ele precisaria falar com Georges Dumas, o mentor mais importante da política cultural francesa no Brasil, pois ele estava organizando uma missão que iria para uma Universidade recém-criada em São Paulo e nos arredores dessa cidade era possível estudar índios. Esse foi o critério para a escolha de Lévi-Strauss para vir ao Brasil.
O Brasil se inseria em um conjunto de países que considerava a França como uma espécie de “madrinha universitária” que auxiliava na fundação de instituições de ensino através de incentivo financeiro, e que, em contrapartida, tinha sua cultura disseminada e o know-how de formadora de cultura e opinião. Outro elemento para análise, era que o mercado de trabalho para os professores franceses dos anos trinta era restrito. Em 1935, por exemplo, somente 723, dos 1775 que haviam obtido o grau de licenciatura em ensino superior, obtiveram uma colocação no ensino público (Karady 1986, p. 353). Além disso, para os franceses o envio de professores para outros países tratava-se de uma política de profissionalização docente e, para o país, uma tarefa de suma importância para as relações internacionais. Além disso, no âmbito da formação de seus professores era fundamental o conhecimento de uma língua estrangeira. Mas, no caso do Brasil, esta competência lingüística não adquiriu tanta importância, ao contrário, os cursos e conferências eram ministrados em francês, mesmo se fossem abertos a um público maior. Isto faz parte da estratégia geral da política cultural centrada na difusão da língua francesa e de aculturamento de países ainda não “desenvolvidos”.
O projeto de criação da USP não surgiu de um clamor social, ao contrário, surgiu de um desejo de altos grupos da elite paulistana, na década de 1920. O principal deles e mais influente no processo, foi o grupo do jornal O Estado de São Paulo, através de figuras como Júlio de Mesquita Filho (secretário do jornal e redator), e Armando de Salles Oliveira (um dos diretores desse grupo e posteriormente presidente do jornal).
Em 25 de janeiro de 1934, Armando de Salles Oliveira, representante da classe dominante paulista, por estar à frente do jornal Estado de S. Paulo, e apesar de desejoso em manter a hegemonia paulista ou mineira na presidência do Brasil, lançava mão de duras críticas ao presidente Getúlio Vargas que, sendo gaúcho, quebrou a dinastia mineira e paulista na presidência e, depois da derrota de 32, trocou as críticas ao governo pelo cargo de governador de São Paulo, nomeado por Getúlio. Ele, então, assina o decreto que origina a USP com a concepção de que somente a elite paulistana, devidamente formada, teria condições de propor um projeto ideal para o país. Assim, ainda hoje na USP, Júlio de Mesquita Filho, e Armando de Salles Oliveira, são amplamente reverenciados e homenageados na universidade. Armando Sales, inclusive, dá nome à Cidade Universitária, chamada: Campus Cidade Universitária Armando Sales.
Apesar do processo de descentralização encabeçado pela atual gestão da universidade, a USP atualmente é formada por 36 unidades de pesquisa e ensino, das quais 24 se localizam em São Paulo. O Campus Butantã, localizado na região oeste da capital, na Cidade Universitária, possui mais de oito milhões de metros quadrados, além de um grande centro de práticas esportivas (o maior da América Latina), 4 museus, 2 hospitais, o Centro Universitário “Maria Antônia”, além de diversos outros órgãos especializados. Os vários outros campi – com as exceções da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, da Faculdade de Direito, da Faculdade de Medicina, da Escola de Enfermagem, da Faculdade de Saúde Pública e o campus da Zona Leste de São Paulo – estão espalhados pelo interior paulista e também se vinculam à universidade, para fins de ensino, pesquisa e extensão, além de diversos outros órgãos públicos do estado.
Toda esta estrutura demonstra não só o quanto esta universidade é importante, mas o quanto é alvo de disputas políticas e econômicas, por parte dos magnatas e especuladores do ensino, dos ideólogos da burguesia, do governo estadual e federal. Neste cenário, o povo não está presente e sequer se vê representado no interior desta universidade.
A USP e sua trajetória
A história da USP, desde o seu início até hoje, sempre foi marcada pela elitização e perseguição ideológica. O golpe militar de 1964 alterou totalmente a estrutura política do país e afetou também a estrutura de poder da universidade. O reitor desse período era Luís Antonio da Gama e Silva, bajulador do regime ditatorial (que chegou a ocupar provisoriamente as pastas do ministério da justiça e da educação) e que, com intuito de se incorporar ao novo governo, mantinha relações tão estreitas com regime, que implantou dentro da USP uma espécie de sucursal da ditadura militar. Esse reitor atuou na USP como porta voz deste regime nefasto, e não por coincidência, em meio ao ano de 2011, chegou a ser chamado de revolucionário pela atual reitoria.2. Luís Antonio da Gama e Silva, quando reitor da USP e Ministro da Justiça, foi mentor do perverso Ato Institucional número 5, chamado AI-5, que instaurou o pior período de repressão na ditadura. Por meio deste ato, fechou-se o Congresso Nacional e caçaram-se os direitos políticos dos cidadãos brasileiros. Gama e Silva ainda teve a audácia de anunciar, em rede nacional, seu feito que retirou todos os direitos de expressão dos civis.
A partir disso então, a repressão policial tomou conta da universidade com o total aval da reitoria e as prisões violentas de professores e estudantes não sofreram o mais leve reparo por parte do reitor: “a ação repressiva externa pôde agir livremente na universidade e criar uma atmosfera de temor generalizado provocada pelos atos de violência e pela ameaça permanente de prisões e detenções arbitrária.” (ADUSP, 2004. p. 13), a citação anterior faz parte da obra O controle ideológico na USP (1962-1978), de professores da USP, que é uma espécie de dossiê sobre como a Ditadura Militar não só interferiu na USP, mas, como foi reproduzida no seu interior pelos próprios órgãos universitários.
Com efeito, o reitor Gama e Silva, não contente em ver a atuação da ditadura na universidade, criou uma comissão secreta de serviço de inteligência para investigar opositores ao regime vigente e, é claro, seu opositores internos: “Uma comissão especial para investigar atividades ‘subversivas’ na USP formada por professores (…) representantes das grandes escolas, [Medicina e Politécnica] eram todos elementos de confiança do Reitor” (ibídem, p. 17). Não tardou para que a existência dessa comissão fosse denunciada à imprensa por professores indignados com sua existência. Vejamos trechos de algumas das denúncias: “Há forte indícios, infelizmente fortes, de que pelo menos em certos núcleos da Universidade de São Paulo a política do ‘dedo duro’ (…) visando de maneira particular alguns elementos mais brilhantes daquela corporação que alegadamente em nome de ideais da revolução [leia-se o regime militar] (…). Na decisão de concursos já estaria pesando a suposta ideologia dos candidatos, suposta porque são apenas alegada, soprada (…). Sabemos que trabalha na Universidade uma comissão destinada a aplicar dentro dela, o ato Institucional [ AI-5]”. (26 de Julho de 1964, a Folha de São Paulo)
A matéria prossegue em tom de cobrança dizendo que na Universidade de Minas Gerais (UMG) “aonde de uma hora pra outra se instalara um interventor militar”, este não durou dois dias dentro da universidade por que houve antes uma legítima reação da comunidade acadêmica e o presidente Castelo Branco se viu forçado a restituir a corporação científica e docente da universidade. Na USP, ao contrário, não se via ainda “partir nenhuma advertência quanto à perseguição de alguns de seus mestres e, em particular, quanto à maneira pela qual têm sido eles detidos (…)”. Durante muito tempo, apesar de denúncias, esta comissão pôde agir livremente na universidade. Inaugura-se assim, o início de toda perseguição através de vigilância, censura e terrorismo ideológico na USP, vigente até os dias de hoje, em menor escala, mas, com o mesmo intuito: expurgar da universidade aqueles que se colocam contra a lógica vertical da universidade estabelecida.
Em Outubro de 1964, veio a lume um relatório assinado que pedia a suspensão da universidade e de direitos políticos a mais de 50 pessoas, entre elas, a maior parte eram professores, os demais eram estudantes e trabalhadores. O pedido de expurgo se baseava na justificativa de que era “realmente impressionante a infiltração de idéias marxistas nos vários setores universitários” e que deviam ser retirados da universidade estes que eram os “doutrinadores e os agentes dos processos subversivos” (ibídem, p. 18). Esta lista de expulsão continha nomes como: Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Hildebrando, Mário Schenberg, entre outros.
O primeiro a ser expulso foi o professor Mário Schenberg, um dos maiores físicos brasileiros, da Faculdade de Filosofia, obviamente pelo fato de “sempre ter se declarado abertamente comunista, mas do qual nunca se poderia dizer, que este lecionasse uma Mecânica Racional (…) de inspiração marxista e, existisse tal coisa, seria justo que a lecionasse”, em seguida, foram Fernando Henrique, Florestan Fernandes e Nuno Fidelino de Figuerodo, este último sequer poderia dizer que era de esquerda e João Cruz Costa, da Faculdade de Filosofia, que militava contra as influências do catolicismo tradicional nos estudos filosóficos no Brasil, é acusado também. O estudante Fuad Daher Saad tem até os dias de hoje “seu prontuário retido no Instituto de Física” (ibídem, p. 22), apesar de absolvido.
Florestan Fernandes desabafa em carta enviada em 9 de Setembro de 1964 ao Tenente da Polícia Militar que diz o seguinte: “Há quase vinte anos venho dando o melhor do meu esforço para ajudar a construir em São Paulo um núcleo de estudos universitários dignos desse nome (…) esse objetivo constituiu o principal alvo de minha vida. Por isso foi com indispensável desencanto e com indignação que vi as escolas e os institutos da Universidade de São Paulo serem incluídos na rede de investigação sumária, de caráter policial-militar (…); não somos um bando de malfeitores (…) o ensino em nosso país, só fornece ônus e pesados encargos, oferecendo escassos atrativos para os honestos. Vendo as coisas desse ângulo e não me parece haver outro, recebi a convocação para ser inquirido ‘policial-militarmente’ como uma injúria que afronta (…) a mentalidade científica, afetando-me portanto, tanto pessoalmente, quanto na condição de docente, (…) e foi com surpresa que vislumbrei a indiferença da alta administração universitária [reitoria] diante dessa inovação, que estabelece nova tutela sobre a nossa atividade intelectual” (Transcrito de A Sociologia no Brasil, Florestan Fernandes, Ed. Vozes, Petrópolis, 1977, pp. 209-212)
Na Faculdade de Direito, além de vários estudantes, Caio Prado Junior, devido ao teor contestador de sua obra em relação ao desenvolvimento da história econômica brasileira, era tido como personagem incômodo naquela faculdade e dela deveria ser excluído. Entretanto, foi a faculdade de medicina a mais atingida. A predileção repressiva a esta escola tinha um apelo pessoal para o Reitor Gama, outra justificativa não seria possível, pois é difícil acreditar “que a faculdade de medicina abrigasse um número maior de “subversivos” do que as escolas de humanidades ou outras.
Segundo a ADUSP, para o Reitor Gama e Silva, além de tentar garantir que não houvesse oposições ao governo militar, era necessário garantir que seus próprios opositores fossem extirpados, e a Faculdade de Medicina era a escola onde havia a maior concentração de apoiadores da antiga gestão da universidade Ulhôa Cintra, que tinha uma política progressista e inspirava a ideia da reforma universitária. Contudo, esta comissão para além de resolver desafetos do Reitor buscava conservar a USP sob a égide dos ideais da “revolução”, pois, “todos os relatórios elaborados pela comissão eram encaminhados, diretamente aos órgãos de repressão” assim, a idéia de reforma universitária não era bem vista, na medida, que poderia significar maior autonomia e democratização da universidade.
As demissões na USP ocorriam antes mesmo dos indiciamentos externos o que denota um rigor muitas vezes maior por parte da reitoria do que pelos próprios agentes repressivos do regime ditatorial. Vários professores foram absolvidos por falta de provas no inquérito policial-militar, mas condenados dentro da universidade, seja por demissões sumárias ou aposentadorias compulsórias. Na Folha de São Paulo de 10 de fevereiro de 1966, citamos textualmente alguns trechos que tratam das sentenças, ressaltam, que os próprios promotores da polícia-militar pediam mais provas a USP contra os acusados e na ausência das mesmas, pediam a “absolvição” de todos acusados, em razões finais. Em trecho arrazoado diz: “E as provas? Elas não aparecem. E não aparecerão. São subjetivas as apreciações”. Em outro trecho diz que houve “um esforço inaudito da Douta Promotoria em provar que alguns denunciados se reuniam no departamento de Parasitologia, em conciliábulos secretos para fins escusos, (…) [como] restabelecer o Partido Comunista” o que se demonstrou infundável e que o teor das reuniões tinham apenas interesses acadêmicos. Deste modo, faz-se necessário frisar que quando as acusações foram remetidas à Justiça Militar, foi possível uma defesa dos acusados e talvez uma demonstração da improcedência e má fé das denúncias, enquanto no momento em que a investigação ainda estava dentro da USP não era reservado o direito de defesa ou qualquer representação.
Os anos são outros, mas a anatomia repressiva é a mesma
Na USP dos dias atuais, estudantes, professores e trabalhadores não docentes revivem o mesmo regime dos anos de chumbo; muitos são expulsos, processados, demitidos através de relatórios, imagens, produzidos pela própria universidade, de modo que são julgados pelas suas ações pelo mesmo sensor que os acusam. Não obstante, em Abril de 2010 o professor do Instituto de Ciência Biomédicas (ICB), Rui Curi, foi processado pela reitoria e afastado de suas atividades por denunciar as irregularidades no armazenamento dos corpos do instituto. Corpos e orgãos humanos eram armazenados em baldes comuns de plásticos como roupas sujas, além do descarte de produtos químicos em esgoto comum. As denúncias se comprovaram e foram encaminhadas ao Ministério Público, mas, isto não bastou e o professor seguiu processado, perseguido, e assediado, com incentivo da reitoria, por setores mais reacionários do departamento de Medicina.
Em 08 de Dezembro de 2008, Claudinor Brandão, trabalhador da USP, foi demitido por justa causa, ou melhor, por uma causa justa, pois, Claudionor Brandão foi demitido por sua participação na greve de trabalhadores de 2005. Várias foram as irregularidades no processo, assim como foram várias as tentativas de negociar a readmissão do funcionário junto a USP, e todas vãs. Claudionor era e ainda é militante ativo no Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) e por isso sofre tanta resistência da reitoria em reincorporá-lo ao quadro de funcionários. O SINTUSP é alvo de ataques freqüente por parte da reitoria e são inúmeras as denúncias de perseguição, de sabotagem, de espionagem a entidade e seus membros. Magno Carvalho, diretor do sindicato, em reportagem a revista Forum 106, de Janeiro de 2012, em matéria intitulada “Arapongagem na USP”, fala de uma reunião em que somente estava presente a diretoria, que discutia sobre a possibilidade de greve da categoria, ou seja, tinha um caráter restrito, era fechada, e que, todavia, documentos posteriormente encontrados na reitoria dão conta de toda discussão desta reunião. Ainda segundo Magno, tal acontecimento alerta para a possibilidade de uso de escutas plantadas nas dependências do sindicato. O mesmo ocorreu no Conjunto Residencial da USP, o CRUSP, onde deliberações de assembléia dos moradores e nomes de seus participantes foram parar na mão da reitoria, o que resultou na eliminação de 8 estudantes.
Na moradia estudantil, o CRUSP, em março de 2010, houve uma ocupação de um espaço destinado à moradia e que até aquele momento vinha sendo utilizado pela burocracia. Dias após a ocupação do espaço, estudantes foram processados e, em 2011, foram eliminados durante as férias da universidade. A acusação é sustentada por relatórios de agentes de segurança da universidade. A prova do “crime”: alguns nomes indicados por agentes de segurança que alegam os ter visto ocupando o espaço, entre estes nomes foram incluídas pessoas que sequer estiveram presentes no momento da ação, mas, que por serem do movimento estudantil, foram adicionados à lista. A base jurídica da acusação: Decretos da ditadura militar que ainda vigoram na USP para prender e processar pessoas que participam de atividades políticas consideradas de esquerda. Estes decretos dão conta que são passíveis de punições – como expulsões, demissões e afastamentos – atividades de cunho político, religioso, além de fazerem parte das atribuições dos membros da comunidade universitária preservar a ordem, os bons costumes e o nome da instituição, assim como são passíveis de punição atos que incentivem manifestações ou greves.
Falar em Ditadura na USP não é um exagero de polêmica
A USP carrega em seu conteúdo vários elementos da cultura herdada da Ditadura de 1964: decretos do regime, vigilância, controle, perseguição, punição e um controle ostensivo da vida particular e política das pessoas. Em papéis oficiais timbrados com nome da universidade, assinados por representantes da mesma, e encontrados no CRUSP e na reitoria, foi possível dar vistas a documentos que relatavam reuniões e assembléias dos estudantes e trabalhadores, assim como controle de freqüência de visita dos moradores, troca de informações detalhadas sobre o movimento sindical e estudantil, uma infração gravíssima a privacidade e liberdade das pessoas. A USP não passou pelo processo de “democratização” vivida pelo país na pós-ditadura.
Vários elementos permanecem e remetem aos tempos de exceção. A começar pela estrutura de poder, que retrata uma espécie de dinastia do Governo Estadual dentro da universidade. Assim como Gama e Silva, que em 1964, no auge da ditadura, foi eleito pelo regime, contando com apoio interno de apenas uma escola, ainda hoje a escolha dos reitores é decidida pelo governador do Estado. O atual reitor, eleito em 2010, não foi o mais votado no interior da universidade pelos professores titulares e mesmo assim, foi o escolhido pelo governador, o que revela os interesses que ele representa dentro USP. Gama e Silva foi o principal redator AI-5 e Rodas o atual reitor defendeu os militares da ditadura militar. Além disso, existem cargos extra-oficiais dentro da universidade destinados à vigilância de atividades políticas. E enfim, o coordenador da Assistência Social da USP foi tenente durante o regime militar, como se não bastasse Rodas já foi condecorado por oficiais da reserva do Exército, defensores da “Revolução de 64”. Enquanto diretor da Faculdade de Direito, Rodas foi o primeiro administrador do Largo São Francisco, e é considerado hoje, por toda a Faculdade, “persona non grata”.
A direção atual da universidade: suas ligações e interesses (Quando uma mão lava a outra, e as duas lavam uma cara)
João Grandino Rodas, atual reitor da Universidade de São Paulo, começou a carreira pública na Faculdade de Direito da USP (SANFRAN) e a dirigiu durante algum tempo. Após isto, mesmo sendo denunciado por prevaricação e dano ao patrimônio público3 naquela escola, foi eleito como reitor da USP. Rodas tornou-se famoso quando ficou conhecido por ser um daqueles que inocentaram vários militares/torturadores da ditadura. Quando fez parte da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) de 1995 a 2002, ele votava contra a culpabilidade do Estado pela morte e desaparecimento de vários presos políticos, sendo que o caso mais famoso fora o de Zuzu Angel. Rodas era jurista e foi escolhido pelo ex-presidente Fernando Henrique para exercer tal função, além disso, não por coincidência Rodas foi escolhido pelo mesmo partido de FHC à frente do Governo do Estado de São Paulo, o PSDB, para reitoria da USP. Deixando claro que uma mão lava a outra.
A USP sempre foi um pólo de resistência e, principalmente, desde a batalha da Maria Antonia, em 1968, (conflito entre estudantes de direita do Mackzencie – apoiadores do regime militar – e os estudantes da USP considerados de esquerda e contrários ao regime). A luta contra ditadura que os estudantes, professores e trabalhadores da USP encamparam foi decisiva para o processo de maior radicalização do movimento de esquerda naquele período, em contrapartida, a repressão no interior da universidade também foi bastante ofensiva. Sobre a USP sempre pesou, desde sua criação até os dias atuais, a interferência política e econômica externa com apoio interno dos gestores da instituição. Os governos e diversos setores da burguesia sempre tiveram interesse em mantê-la sob controle, ou melhor, sob o seu controle, com intuito de agir livremente dentro da universidade. Assim, vemos reitores indicados por governos como prestadores de serviços dentro da universidade a seus beneficiadores, assim como, governos concedendo cargos e privilégios para seus indicados. A reitoria da USP é e sempre foi cargo de confiança concedido pelo estado a seus aliados da burguesia para garantir a ação mercantilista, neoliberal dentro da universidade.
A modernização conservadora na Universidade de São Paulo (USP)
À frente do estado de São Paulo há quase vinte anos, o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) desenvolve uma ampla política neoliberal em todos os setores da administração pública. Essa política significou um intenso processo de privatização das estatais paulistas, a imposição do arrocho salarial com base e justificativa na lei de responsabilidade fiscal, a precarização dos setores sociais como saúde e educação.
Desde 2007, em que os decretos que imputavam o fim da autonomia universitária4 encontraram uma impactante resistência do movimento através da ocupação da reitoria pelos estudantes e trabalhadores, ganhando assim grande repercussão nacional, há uma intensa queda de braço entre a burocracia universitária a serviço do neoliberalismo e do movimento em defesa da universidade a serviço dos trabalhadores. A universidade nos moldes atuais, mesmo que historicamente elitista, já não atende totalmente aos interesses da classe dominante, e esta tem por objetivo a constituição de uma universidade exclusivamente ligada aos interesses mercadológicos. A finalidade, portanto, deste projeto é “refundar” a universidade de São Paulo e é evidente que não se trata de torná-la acessível e voltada aos interesses da maioria. É claro que da parte dos trabalhadores não há um movimento ideologicamente homogêneo. No seu interior existe um conjunto de posições que oscilam do oportunismo mais deslavado ao sectarismo. E nessa queda de braço com a Reitoria, o PSDB vem tratando de ajustar as táticas de acordo com a força do movimento e da política de sua direção.
Em 2007, trabalhadores e estudantes da USP enfrentaram uma ofensiva global contra o caráter público da universidade e contra a organização independente dos estudantes e trabalhadores. A mobilização massiva e a ocupação da reitoria por estudantes e funcionários permitiram uma vitória parcial diante da política de aprofundar o controle governamental sobre a universidade. Após o recuo do governo com o decreto declaratório publicado durante a ocupação da reitoria de 2007, a estratégia mudou e passou a ser a de avançar nas “reformas” através de pacotes menores de maldade, e sem, contudo, alterar a totalidade do projeto de avançar no processo de privatização da universidade.
O que em 2007 era uma tentativa de “refundar” a universidade no atacado – o que foi repelido pelo movimento -, tomou nos anos seguintes a forma de um conjunto de medidas pontuais, mas que guardam a mesma lógica interna do projeto de 2007. Essa estratégia passa por extirpar a resistências dos trabalhadores e dos estudantes. Parte decisiva dessa estratégia são os processos administrativos e inquéritos criminais que são instaurados com a evidente intenção de retaliar dirigentes, ativistas sindicais e estudantes.
Nos primeiros anos que se seguiram após a ocupação de 2007, José Serra (então governando pelo PSDB) realiza, de forma combinada, uma série de ataques aos ativistas. O primeiro foi a demissão de Claudionor Brandão (dirigente sindical que, mesmo tendo estabilidade por lei, foi demitido em um processo administrativo claramente político durante a gestão da reitora Suely Vilela). Logo em seguida, a reitoria tomou o hábito de processar aqueles que se colocavam em seu caminho. E quando os processos administrativos não foram suficientes para extirpar seus inimigos, foi necessária ajuda externa para punir os lutadores.
Militarização da universidade e resistência: A militarização como forma de garantir a privatização da universidade
Ainda no governo de José Serra começaram a ser criadas as condições favoráveis, através de várias decisões político-administrativas, com o objetivo de impor a presença da polícia no interior da universidade, o que culminou com a assinatura do convênio da USP com a Polícia Militar em 2011.
Em 2009, funcionários e professores se rebelaram diante da truculência da reitoria calcada na demissão, precarização e perseguição de lideranças dos trabalhadores e dos estudantes, além das políticas de privatização do ensino como a Universidade Virtual de São Paulo (UNIVESP), criada em outubro de 2008, que prevê a formação de estudantes sem aulas presenciais e via internet. Para resistir a esta contra-ofensiva governamental, os funcionários, seguidos por estudantes e professores, organizaram em 2009 uma greve unificada. Nesse momento, não era apenas a USP que se mobilizava, havia também uma forte agitação em outras universidades estaduais, como na UNESP de Marília, onde os estudantes entraram em greve com ocupação de salas de aula reivindicando moradia estudantil.
Em maio de 2009 foi realizada uma importante assembléia de estudantes, com mais de 300 companheiros, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Já havia um processo de mobilização de estudantes e professores devido às intervenções no prédio – símbolo internacional da arquitetura – sem nenhuma consulta à comunidade acadêmica. Apesar de uma parcela importante dos estudantes demonstrarem uma crescente disposição de luta, a assembléia se limitou a votar por mais uma Assembléia, na semana seguinte, devido principalmente à intervenção vacilante da direção (PSTU, apoiado pelo PSOL) do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Era possível votar uma proposta concreta de paralisação e outras atividades (atos, passeatas) em solidariedade aos funcionários, em greve há 5 dias, e pelos eixos comuns, tirados entre funcionários, professores e estudantes, e específicos dos estudantes. As resoluções desta assembléia, pela política claramente de antimobilização da direção do DCE, não apontaram para lugar algum. O problema é que predominou – e irá predominar em outros momentos – um cálculo mesquinho, ligado a interesses estranhos aos da luta, o que fez com que os estudantes não saíssem armados com uma data de início da greve estudantil, bem como com um calendário de luta que possibilitasse aos estudantes da USP, em conjunto com os demais estudantes das estaduais paulistas, enfrentarem os ataques da reitoria e do governo Serra.
Por sua vez, um importante setor encabeçado pelo Movimento Negação da Negação (MNN) sustentou durante toda assembléia uma posição sectária, isto é, que a greve deveria ser votada naquele momento, sem demonstrar nenhuma preocupação com a sua preparação. Também nos chamou atenção a passividade dos companheiros do grupo A Plenos Pulmões (LER-QI), sobretudo se levarmos em conta sua responsabilidade como codireção do SINTUSP. Suas intervenções giraram em torno de questões gerais, abstendo-se de uma luta direta para a votação de uma data concreta para o início da greve. Ante a passividade burocrática do PSTU e ao sectarismo do MNN que, ao invés de proporem a greve a partir da semana seguinte, abstiveram-se na principal votação da assembléia, isto é: a de iniciar a greve ou não.
Devido à tendência crescente de mobilização e enfrentamento dos estudantes, o vazio político deixado pela direção do DCE causou uma perigosa fragmentação do movimento frente aos enormes desafios colocados pela truculência de José Serra (governador do Estado de São Paulo pelo PSDB) e Suely Vilela (reitora da USP naquele momento). Assim, diante da truculência da reitora, que não permitiu a entrada de Brandão (líder sindical demitido por perseguição política) na negociação no dia 25 de maio e da ausência – inclusive física – da direção do DCE, um setor dos estudantes que participou do Ato, ao não ter qualquer orientação para lutar, realizou uma ocupação parcial da reitoria. A ausência política da direção do DCE, e de outros setores que devem ter responsabilidade efetiva na direção do movimento, e a política sectária (MNN e outros), levou os estudantes à divisão frente a esta ação. Para coroar a sua ação de antimobilização, a direção do DCE se ausentou politicamente da cena e, logo após a ocupação da reitoria e da divisão notória entre os estudantes, aparece e convoca uma plenária para “organizar” os estudantes em uma plenária que acabou votando pela retirada das dependências da reitoria.
Na assembléia do dia 28 de maio, a direção do DCE não mudou de postura política e continuou com a tática de adiar o movimento grevista dos estudantes. Agora a proposta da direção do DCE (PSTU apoiado pelo PSOL) era a de um “indicativo de greve para discutir nos cursos”, ou seja, mais uma vez apostaram nas tendências contrárias à luta. Outros setores (MNN e cia.) propunham a “greve imediata com radicalização” e a LER-QI “greve a partir do dia 4 de abril”. A formulação a nosso ver, que captava melhor a dinâmica ascendente da mobilização era a da “greve imediata” tendo claro que a dinâmica e as necessidades do movimento são as que definem melhor as táticas a serem adotadas no decorrer da luta. A assembléia votou pelo indicativo de greve.
A partir desse momento, a direção do DCE apresentou uma proposta escandalosa, a de fazer a próxima assembléia apenas no dia 10 de junho, véspera de feriado e do Congresso Nacional dos Estudantes. Esta proposta, caso passasse, colocaria o movimento na geladeira durante duas semanas, sendo que os enfrentamentos com a reitoria já indicavam uma radicalização do processo. Sendo esta derrotada, a assembléia seguinte foi marcada para o dia 4 de junho.
Alertamos na assembléia esta manobra apresentada pelo PSOL e apoiada pelo PSTU que, apesar da universidade estar em uma conjuntura de luta favorável, estavam preocupados com o congresso. Nossa denúncia, porém, impossibilitou a postergação da assembléia para o dia 10, vinte dias depois daquela assembléia, passando a proposta de assembléia para o dia 4. Entretanto, no dia 1 de junho, a “força tática” da polícia militar do Estado de São Paulo, sob as ordens da reitoria e do governo Serra, atentou contra o direito democrático de livre organização sindical dos funcionários da USP, dispersando os grevistas que realizavam piquete (método histórico, e legítimo de efetivação da vontade da maioria dos trabalhadores em luta) em frente à Reitoria.
O ponto alto da greve de 2009 se deu após o dia 9 de junho. Em uma manifestação em frente à portaria central (P1), contra a PM no interior da universidade, foi montada uma provocação operada pela PM com o objetivo de reprimir a crescente mobilização da comunidade acadêmica. Estudantes e funcionários foram perseguidos, atacados com bombas e balas de borracha. Após os ataques da tropa de choque, parte dos alunos se refugiou no interior do prédio da História e Geografia, e outra parte tomou a avenida em frente aos prédios da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) para realizar uma assembléia/vigília para exigir a libertação dos presos políticos e organizar o enfrentamento com a polícia. Mesmo com a maioria dos estudantes a favor de realizar uma assembléia na avenida ocupada, a direção do DCE (na época dirigida pelo PSTU), após discussões no interior do prédio da história, não encaminhou a vontade da maioria. Um membro de DCE/PSTU autoritariamente impediu que estudantes falassem ao microfone para encaminhar a proposta vitoriosa de realizar a assembléia na avenida. Quando perceberam que não seria possível manobrar, novamente o PSTU tentou implodir a assembléia e, ao se retirar, levou a caixa de som, em uma tentativa desesperada de inviabilizar a assembléia, fato que não ocorreu. Após isto, foi instalada prontamente uma mesa de coordenação dos trabalhos. Passados vários minutos do início da assembléia, membros do DCE/PSTU, quando viram que a assembléia ia acontecer, sim ou sim, tentam uma manobra para estabelecer burocraticamente a direção da assembléia. Após um encaminhamento tumultuado, a maioria dos estudantes repudiou a proposta que os membros da direção do DCE assumissem a mesa da assembléia. Temos, aqui, mais um exemplo do modus operandi desta “direção”. É impressionante a regularidade da conduta burocrática desta corrente estudantil, pois durante todo o processo nunca procurou desenvolver políticas que fossem pontes para impulsionar a mobilização dos estudantes, pelo contrário, se dedicaram a serem os porta-vozes do atraso e os dirigentes da vontade de não lutar. Houve, inclusive, assembléias em que impuseram o expediente do decurso de prazo impondo o fim da assembléia com uma série de questões importantes a serem discutidas e votadas.
A assembléia do dia 4 de junho já se deu em um patamar totalmente distinto de mobilização, pois, a ação da tropa de choque sob as ordens da reitoria fez o pêndulo se voltar para a proposta de greve. A assembléia foi fundamental, pois acabou votando pela greve dos estudantes, o que colocava em outro patamar a mobilização pela derrubada da reitora, pelas eleições diretas, pelo fim da UNIVESP, pela reincorporação de Brandão e pelo atendimento a todas as pautas econômicas dos funcionários.
O DCE (dirigido pelo PSTU/PSOL) tratou de frear a crescente necessidade e vontade de lutar dos estudantes, fatores que atrasaram de forma criminosa a unificação com os professores e os funcionários, os últimos que, já em greve por reivindicações decisivas para o conjunto da comunidade, questionavam a estrutura de poder no interior da universidade e a política privatista e elitista do governo Serra. Por força da mobilização e graças à indignação diante da repressão policial aos piquetes, estudantes e professores entraram em greve. Com a greve instaurada em todos os setores e ganhando apoio da opinião pública e dentro da comunidade acadêmica, o governo Serra intensificou sua política repressiva, o que gerou mais indignação e radicalização da luta. Na semana seguinte foi realizado um grande ato na Avenida Paulista com aproximadamente sete mil pessoas, o que demonstrou grande força e potencial da mobilização. Qual fator explica que uma crescente mobilização tenha refluído de forma tão abrupta? Para nós, o elemento fundamental foi a política da direção deste movimento. Primeiro, por ter aceitado negociar com a reitoria – reconhecendo sua autoridade (como se pode sentar para negociar com inimigo que se quer a cabeça em um momento que é possível continuar lutando?) – e por suspender os piquetes da greve. Segundo, porque, após a passeata dos sete mil, não houve mais nenhuma iniciativa política para aglutinar em uma ação conjunta todos os setores (possuíamos uma proposta concreta no sentido de realizar um acampamento em frete à reitoria, pois acreditávamos que essa medida aglutinaria os estudantes, funcionários e professores durante a greve). Desta forma, nenhuma das reivindicações importantes foi atendida e, o que é pior, em um momento em que ainda existiam possibilidades de enfrentamento.
Apesar de respeitar a combatividade do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP), não podemos nos furtar ao debate franco que a luta de classes exige e, neste sentido, avaliarmos que medidas políticas como negociar com Suely e suspender os piquetes foram equivocadas. Não concordamos em absoluto, por todos os motivos expostos acima, com a avaliação da greve na USP, no primeiro semestre, realizada pelas correntes (PSTU, PSOL, LER-QI) e pelo SINTUSP, que afirmam que houve uma vitória do movimento no primeiro semestre. Neste sentido, essa metodologia se aproxima a dos setores burocráticos, que colocam o prestígio pessoal na frente de qualquer análise concreta da realidade. Não é isso o que nos legou o melhor da tradição revolucionária de Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo, pelo contrário, sempre se coloca a necessidade de tirar todas as lições do passado, independentemente do que possa advir disso.
Infelizmente, a direção do SINTUSP não fugiu desta lógica. No jornal do Sintusp de agosto de 2009, dedicado ao balanço da greve, afirma-se que “a greve dos trabalhadores da USP teve como subproduto três conquistas extremamente importantes, para além das conquistas econômicas parciais…” dentre estas conquistas são elencados: o “exemplo de como se deve lutar para resistir aos ataques que serão descarregados sobre a classe trabalhadora frente aos impactos da crise econômica mundial”; o “exemplo de como os trabalhadores podem e devem levantar as demandas dos demais setores explorados e colocou em evidência o caráter oligárquico e reacionário da estrutura de poder e das camarilhas que governam a universidade”. Aceitar retirar os piquetes (instrumento legítimo de luta em defesa da existência real da greve decidida por maioria) em um momento em que havia uma intensificação da luta, foi outro equívoco que desarmou o movimento e acabou com uma importante atividade de aglutinação da vanguarda.
Como se pode ver, o exemplo citado acima torna explícito o que afirmamos em relação aos perigos de transformar derrotas em vitórias. Não podemos negar que a luta dos funcionários do primeiro semestre de 2009 colocou em evidência uma série de problemas políticos e estruturais da universidade e que a força da sua mobilização praticamente empurrou os demais setores da universidade ao processo de unificação do movimento grevista, todavia, não se pode medir o resultado de uma luta pelas intenções do movimento, é necessário verificar objetivamente quais foram os resultados políticos e econômicos dessa luta. A construção de toda forma de justificação ideológica trata de apresentar parcialmente a realidade, separar mecanicamente causas e efeitos e naturalizar o que é histórico. O marxismo procura fazer o caminho inverso, buscando explicações/avaliações totalizantes, históricas e dialéticas. No que pese a disputa entre as organizações políticas que atuam nas várias frentes de luta dos trabalhadores e da juventude, o esforço para realizar avaliações objetivas das lutas e das condições que derivam delas é decisiva para orientar os próximos passos do movimento. Infelizmente, a prática rotineira de não se fazer análise concreta da realidade somada a outros fatores, não contribui para a luta dos trabalhadores, ao contrário, tem desarmado subjetivamente vários setores.
2010: Greve dos trabalhadores e ocupação reitoria
Em 2010, o novo reitor (João Grandino Rodas), conhecido direitista a serviço da repressão aos lutadores – responsável pela resolução do Conselho Universitário que recomenda a intervenção policial no interior da universidade – foi antidemocraticamente eleito. Já em sua posse foi responsável pela repressão de uma manifestação estudantil que resultou em agressões policiais e na prisão de três estudantes.
Rodas, desde sua posse e ainda hoje, é praticamente um interventor do governo do Estado de São Paulo com o objetivo de aprofundar a política tucana de desmonte da universidade pública. Um claro exemplo disso é a assinatura da UNIVESP, um dos itens fundamentais que levou a mobilização estudantil em 2009. Logo no início do ano letivo na USP, o novo reitor tratou de aprovar a medida e vem aplicando-a desde sua posse, além de outras para reprimir, perseguir, expulsar e demitir os lutadores da Universidade de São Paulo e, também, para estabelecer condições favoráveis para impor o projeto privatista do governo do Estado (PSDB).
Em relação especificamente à assinatura da UNIVESP, aliás, vale dizer que com ela se instituiu um novo patamar de ataques à universidade pública, pois seus cursos são voltados para a formação de profissionais para atender ao ensino público de nível básico. Instituem-se, pois, no interior da universidade dois níveis de formação – presencial e à distância – que acabam por gerar um processo ainda maior de diferenciação profissional já existente anteriormente entre cursos tradicionais, como Direito, Engenharia e Medicina, de um lado, e os cursos de humanidades e Licenciatura, de outro. Tudo isso sob o marketing de que o acesso à universidade pública está sendo ampliado.
Além desse quadro, outro muito parecido ao controle ideológico exercido nos tempos de ditadura irrompe-se. Além da ocupação do bloco G, para fins de moradia estudantil, o fato de os funcionários, após uma série de tentativas frustradas, terem suas reivindicações atendidas pela reitoria, e entrarem em greve em 5 de maio.
Desde a campanha salarial dos funcionários de 2010, culminada pela greve dos trabalhadores da USP e da UNICAMP,5 os trabalhadores da USP foram surpreendidos com a política de reposição salarial diferenciada, quebrando acordos anteriores que garantiam isonomia salarial entre professores e funcionários técnicos administrativos. A isonomia salarial foi quebrada quando o Conselho de Reitores das Universidades de São Paulo (CRUESP) concedeu aos professores das instituições a princípio um aumento de 6%, além de bonificação de R$ 500,00 e depois, pelas costas dos trabalhadores, concedeu mais 6% totalizado 12%, no qual o mesmo não foi estendido aos demais funcionários das universidades, em uma clara estratégia de dividir a unidade dos trabalhadores – estratégia que passa pela demissão e perseguição de lideranças sindicais, controle dos espaços estudantis, policiamento da vida no interior da universidade, de cooptação etc. – para continuar aplicando as políticas privatizantes dos sucessivos governos do PSDB no Estado de São Paulo.
Diante disso, a categoria desenvolveu uma greve que durou 57 dias e que, diante dos cortes dos salários de mil trabalhadores e da intransigência da reitoria, teve como tática final a ocupação da reitoria. Sob o isolamento interno – e externo – em que se encontrou o movimento grevista dos funcionários técnicos-administrativos e da tática de, por um lado, manter a quebra da isonomia salarial e não ceder às demais reivindicações e, por outro, de não reprimir diretamente o movimento pela força policial pela reitoria – mesmo com a ocupação da reitoria – fez-se um acordo que acabou com a greve. Nesse acordo se estabeleceu o pagamento dos dias parados, um reajuste de 6,57%, a abertura de negociação por uma referência salarial de 5% e a não punição de nenhum trabalhador. Bem, está óbvio que as principais reivindicações como a garantia da isonomia e reintegração de Brandão não foram conquistadas.
O ano do recrudescimento e da radicalização contra o projeto privatista
O início de 2011 é marcado pela demissão de 270 trabalhadores.6 Estas demissões demonstraram claramente a relação da burocracia universitária com os trabalhadores, que dedicaram parte importante de suas vidas à construção da universidade, em muitos casos trabalhadores com mais de trinta anos de serviço à USP. Além de não terem reconhecido seu papel, receberam como prêmio a demissão e foram descartados como objetos obsoletos.
Assim ocorreu com a funcionária Vera Soares, que na época, fora surpreendida às oito da manhã com a notícia de que: “deverá fazer o seu exame (demissional)” (todas as falas da docente foram extraídas de seu depoimento à ADUSP, Associação de Docentes da USP, do dia 14 de outubro de 2011).A Técnica da Cecae, que trabalhava na USP desde 1986 no regime celetista, descreveu à ADUSP com muita precisão o que significavam aquelas demissões: “Foi sem justificativa, não houve nenhum processo de avaliação”. Ainda sem poder acreditar na sua demissão disse, “minha sensação é de que essas demissões não são um ato isolado, só fazem sentido como parte de um plano geral. Falta de recurso não é”. A USP tem um orçamento de 3,6 bilhões de reais que, ao depender de Rodas, não será utilizado para possibilitar melhores condições de trabalho e ensino, mas para projetos que tem a finalidade de gerar lucro para os fundos de pesquisa e para empresas privadas, como o banco Santander, que atua ativamente na universidade inclusive com uma sala privativa dentro do espaço do bloco G, onde os estudantes vieram a ocupar, para fins de moradia, devolvendo o caracter público ao espaço.7
Apesar deste início de ano marcado por demissões e refluxo do movimento estudantil, o fato que realmente manteve as mobilizações na USP neste período foi outro. No primeiro semestre de 2011, a principal mobilização vivida na universidade de São Paulo foi a greve das trabalhadoras e trabalhadores terceirizadas/dos da limpeza. Estas trabalhadoras e trabalhadores estavam submetidos a um regime de escravidão ao trabalharem e não receberem seus salários, e além da super-exploração, estes trabalhadores normalmente ficam desassistidos sindicalmente, uma vez que os sindicatos destas categorias são cooptados pela patronal. Essa situação é comum para os trabalhadores terceirizados da USP.
As trabalhadoras e trabalhadores da empresa União, prestavam serviço de limpeza à USP e entraram em greve pelo absurdo atraso de pagamentos de dois meses.8. Como se não bastasse todas as mazelas da terceirização, como salários de fome, condições de trabalho precárias e discriminação, o que colocava objetivamente em risco a sobrevivência desses trabalhadores e de suas famílias. Várias manifestações ocorreram durante a greve na universidade e contaram com a solidariedade de centenas de estudantes. Podemos notar o grau de insatisfação desses trabalhadores, pela sua radicalidade; as trabalhadoras e trabalhadores pegaram os lixos dos banheiros e espalharam pelo pátio, e ainda, as latas de lixos viraram tambores.
Houve então, uma assembléia dos estudantes no vão da História e Geografia. Nesta assembléia, além da pauta de fechamentos de cursos da EACH, outro grande ataque que a universidade sofria naquele momento, pautamos a questão dos terceirizados.9 Defendemos o apoio urgente e irrestrito aos trabalhadores por meio de atos unificados com o Sintusp e ampla participação dos estudantes nos piquetes e paralisação na semana seguinte, tendo em vista que os trabalhadores já estavam em greve há dias e a mobilização corria risco de dispersar, se não houvesse um apoio imediato. Infelizmente, medidas como estas não passaram nesta assembléia, primeiro pelo direitismo da direção do DCE (PSOL), presente principalmente na ala dirigida pela corrente MES e, segundo, pelo oportunismo de organizações como PSTU e LER-QI, que buscaram postergar a luta, indicando um ato a respeito das reformas do vestibular com paralisação para o dia 28/4. Nossa posição era que na assembléia geral – realizada no dia 14/4 – este fato político da greve dos trabalhadores terceirizados fosse “aproveitado” pelo movimento, sendo um agente mobilizador para a reorganização do movimento estudantil. Essa reorganização, acreditávamos, passava primeiramente pela defesa destes trabalhadores para que recebessem seus salários, tendo como objetivo maior a contratação dos mesmos ao quadro de efetivos da USP10 e, a partir disto, barrar outras mazelas que a universidade vinha sofrendo (e ainda vem) como fechamento de cursos, demissões, mudanças de grade curricular, fechamento de espaços como o Núcleo de Consciência Negra, perseguição aos lutadores, Univesp, etc., mas estes setores não se deram conta disto. Assim, graças aquela pressão espontânea dos estudantes, estes trabalhadores receberam seus salários atrasados. Mas, devido ao economicismo das correntes citadas acima, não houve um movimento forte o suficiente para garantir melhores condições de trabalho e contratação efetiva desses trabalhadores.
Militarização do Campus e repressão policial é estopim para radicalização e greve no segundo semestre
Para a reitoria não basta mais a utilização dos mecanismos de repressão judiciais e administrativos – lembramos que a USP ainda é regida por um estatuto instituído durante a vigência do AI 5 – para aprofundar a privatização e a elitização da universidade. O governo do estado (Alckmin) e a reitoria têm claro que essa estratégia, para ser posta em prática, depende da intensificação dos mecanismos de repressão policial, e para isso foi assinado o convênio entre a Secretaria de Segurança Pública e a USP. Rodas, depois de fazer uma campanha brutal de criminalização do movimento de trabalhadores e estudantes, passando pela demissão política de sindicalistas de destaque do movimento, aproveitou-se do incidente trágico com um estudante da Faculdade de Economia e Administração (FEA), morto após um assalto, para justificar a entrada da PM na universidade através de um convênio com a Secretaria de Segurança Pública do Estado para implementar bases fixas da PM no campus durante 5 anos.11
No dia 8 de setembro, foi assinado o convênio com Secretaria de Segurança Pública que implementou bases da Polícia Militar dentro do campus. De nossa parte, fomos os primeiros a tratar de fazer a denúncia e pautar a discussão sobre o tema rapidamente no interior do movimento, em seguida, vieram o MNN e o POR, a partir de um material conjunto.
Encarávamos esta questão como muita agravidade, na medida em que se tratava da presença definitiva da mesma polícia que, em 2009, violentamente reprimiu a greve dos estudantes e funcionários, chegando inclusive, a jogar gás pimenta em professores que apoiavam os estudantes. Agora esta corporação voltava a USP, e com carta branca para atuar dentro da Universidade. Entendemos portanto que, desde aquele momento, o que está por trás de adotar o convênio é a “regulamentação” da atuação PM no campus. Esta medida tem por objetivo reprimir qualquer forma independente de organização do movimento estudantil e dos trabalhadores e, por conseguinte, deixar o caminho mais fácil para dar continuidade à privatização e precarização da universidade. O convênio reacionário estabelecido entre USP e a Secretaria de Segurança Pública do Estado, o qual permite ação diária da Polícia Militar (PM) dentro da universidade, vem no sentido de afrontar e intimidar cotidianamente trabalhadores, estudantes e a comunidade em geral, que devem ter acesso irrestrito às dependências da universidade. Ao contrário do que Rodas tenta falsear, a polícia sob nenhum aspecto é sinônimo de segurança. Acompanhamos recentemente nos jornais de grande circulação e TV diversos escândalos e denúncias contra a ação corrupta, mercenária e bárbara da polícia.
Bastava uma fagulha
A avaliação da atual gestão do DCE (PSOL) era de que o movimento estudantil na USP estava derrotado, apostando assim, na sua desmobilização. Diziam que era necessário antes de tudo, construir um movimento, e em contrapartida, foi uma gestão silenciosa diante do que estava sendo feito, pois não só não chamaram espontaneamente uma assembléia para discutir e tomar medidas de luta contra a assinatura do convênio, como tentaram barrar qualquer iniciativa nesse sentido. Entretanto, fatos ocorridos no dia 27 de outubro, mudaram completamente o cenário, e o DCE estava prestes a ser atropelado pelo movimento que colocou a resistência ao avanço do processo de privatização e elitização da USP em patamar totalmente distinto. O problema adicional é que a questão da segurança no campus na verdade foi agravada com a presença da PM, fato comprovado pelo episódio do dia 27 de outubro, pelas constantes blitz a estudantes, funcionários e professores e, posteriormente na violência e racismo impingidos a um estudante negro da EACH (campus localizado na zone leste da capital).
No episódio em questão, com a prisão de três estudantes na FFLCH, no dia 27 de Outubro, pelo suposto porte de drogas, a polícia militar deu uma amostra cabal para quem quisesse ver, sobre qual é o seu verdadeiro papel no interior do campus, aliás, como é em qualquer outro lugar. A PM não tardou em demonstrar a que veio. A resistência espontânea de centenas de estudantes diante desse ataque gerou uma mudança significativa na situação política no interior da universidade. E ficou clara para centenas de estudantes a posição diretista do PSOL, que fez cordão de isolamento ao redor dos 3 estudantes, isolando-os dos outros e (que estavam indignados com a ação da polícia) prontificando-se, desta forma, em levá-los para a delegacia para prestar esclarecimentos a polícia. Após isso, em uma assembléia os estudantes resolveram ocupar a sede administrativa da FFLCH.12 Nessa assembléia, haviam três propostas: ocupar a sede administrativa da FFLCH, ocupar a reitoria e adiar qualquer ação concreta, a última defendida, é claro, pelo PSTU.
Durante a ocupação se iniciou um intenso debate sobre a continuidade do movimento e sobre os eixos da mobilização onde o bloco do PSTU/PSOL se enfrentou constantemente com o conjunto do bloco formado pelos setores mais combativos da universidade. O tema central girou em torno da questão do convênio PM-USP, sendo que o bloco PSTU/PSOL tentou o tempo todo desviar o foco do fim do convênio/fora PM com a formulação de um plano de segurança alternativo, uma polícia mais humana, com policiais mulheres etc… Essa formulação tinha como preocupação não a evidente necessidade de se investir em iluminação, mais linhas de ônibus ou de espaços de convivência, mas tinha, de fato, como principal foco desviar a atenção da luta contra o convênio para construir uma proposta de negociação mais palatável para a burocracia universitária.
Uma aposta na desmobilização
Na assembléia do dia 1 de novembro, quando com a presença de mais de mil estudantes em um momento em que o movimento crescia, o bloco PSTU/PSOL apresentou a proposta de suspender a ocupação da sede administrativa da FFLCH em nome da construção de um processo mais amplo de mobilização. Esse argumento constitui-se em um contra-senso absoluto, pois não se tratava de um movimento que perdia força e nem apoio por um lado, e por outro, não havia nenhuma garantia que com a desocupação os estudantes não sofreriam penalidades. Ou seja, a proposta de desocupação naquele momento poderia levar um movimento em ascenso a ser derrotado, não por falta de força, mas por uma política entreguista do bloco PSTU/PSOL. Certamente uma preocupação eleitoreira, pois as eleições para o DCE se aproximavam e realizá-las em meio a uma ocupação era visto por esse setor como algo perigoso para a manutenção de sua hegemonia a frente da entidade.
Ora, a proposta de desocupar a reitoria foi levada à votação e contou com uma margem de cem votos em uma assembléia de mil estudantes. Para surpresa dos setores que queriam acabar com a mobilização, havia sido encaminhada para a mesa da assembléia uma proposta de ocupar a reitoria. A mesa composta por representantes do bloco PSTU/PSOL tentou manipular a assembléia encaminhando essa proposta para o final, mas nós, do Práxis, apoiados por outros setores, mantivemos o encaminhamento de que a proposta de ocupar a reitoria deveria preceder qualquer outra proposta, inclusive o calendário de atividades como propunha a mesa. Foram levadas à votação as duas propostas de encaminhamento e por um claro contraste visual, o encaminhamento de apreciar primeiro a proposta de ocupar a reitoria foi vitorioso. Em meio à votação, uma militante do PSOL propôs que a assembléia terminasse devido ao fim do teto do horário da assembléia, mais uma manobra pra não se reconhecer que a maioria dos estudantes queria sim, continuar na assembléia para discutir todas as propostas e, inclusive, a que propunha ocupar a reitoria. Após um instante de consulta interna ao bloco, a mesa, simplesmente em meio ao processo de votação, declarou a assembléia encerrada, se retirando e tentando retirar o equipamento de som, ação digna dos piores burocratas. Como dissemos anteriormente, práticas repetidas por esse setor em outras ocasiões. Após momentos de confusão, mesmo com essa funesta tentativa de implosão e sem a militância desses setores golpistas, a assembléia se manteve e deu continuidade aos trabalhos. Com a assembléia restituída e, com a presença de mais de quinhentos estudantes, a votação sobre o encaminhamento, enfim, foi realizada. Por unanimidade foi votado apreciar a proposta de ocupar a reitoria, e esta, do mesmo modo, foi aprovada de forma unânime. A partir daí a ocupação foi realizada na madrugada do dia 2 de novembro.
A reintegração de posse da reitoria
A postura da direção do DCE (PSOL), acompanhada pelo seu fiel escudeiro (juventude do PSTU) e por uma parte significativa dos professores contribuiu de forma decisiva para que a mídia de massa fizesse uma campanha para colocar a opinião pública contra o movimento de ocupação. Mas, mesmo contra a burocracia do movimento estudantil, sem o apoio efetivo dos setores alternativos a CUT e a UNE, o movimento estava conseguindo furar o cerco e a cada dia que se passava, ganhava mais apoio. A cada assembléia que se realizava em frente à reitoria ocupada, mais cursos davam informes do seu apoio ao movimento. Para que o movimento não se estendesse e ganhasse cada vez mais proporções e apoio entre os estudantes e na sociedade, como ocorreu em 2007, a reitoria não tardou em entrar com liminar de justiça reclamando a reintegração de posse do prédio, que inclusive em tempos passados era parte do complexo do CRUSP (bloco K e L).
Aceitar essa intimidação da reitoria é o mesmo que propor que uma categoria em greve suspenda a greve, para depois negociar o salário. Qualquer movimento que cai nessa manobra é derrotado da pior forma, ou seja, rendendo-se mesmo sem que se esgotem as possibilidades da luta. Ficou bastante evidente que a reitoria não estava disposta em negociar com os estudantes. Apesar disso, muitos acreditavam que não haveria reintegração, com o argumento de que criaria um desgaste muito grande para o governo de estado de São Paulo e para a reitoria, a exemplo do que ocorreu em 2007.
Em nenhum momento concordamos com a avaliação essa avaliação. Em primeiro lugar, por considerar que estávamos e, permanecemos, em um momento totalmente distinto, em que há uma decisão política para se levar até o final o projeto de privatização da universidade. Essa decisão política se apóia em uma onda de processos administrativos com cunho político e no convênio com a policia militar, que cumpre o papel de segurança da reitoria para que esta ataque diretamente o movimento. Isso ficou bem claro com o fechamento do espaço estudantil, caso que comentaremos mais abaixo. Em segundo lugar, diferentemente de 2007, em que havia um movimento unificado dos setores que compõem a universidade, e mesmo no interior da burocracia havia desacordo em relação ao decreto sobre a autonomia universitária. Na última ocupação da reitoria, apesar do crescente apoio que os estudantes recebiam, ainda estavam isolados, inclusive de forma criminosa pela sua própria entidade.
O ponto alto da escalada de repressão
Como era de se esperar, a reintegração de posse ocorreu no dia 8 de novembro, de madrugada. A operação contou com um efetivo de 400 soldados, cavalaria e 4 helicópteros. Esse foi um operativo militar superior ao empregado na invasão da universidade pelo exército em 1968 para prender todos os estudantes do CRUSP. O resultado dessa operação foi a prisão de 73 estudantes, agressão física e tortura psicológica. Inclusive é importante salientar que do total de presos, 4 estavam fora do prédio, durante a ação policial e foram arbitrariamente detidos. Essa ação truculenta não foi apenas responsabilidade da reitoria, do governo do Estado de São Paulo, da justiça estadual e da polícia militar, mas contou também com a cumplicidade do governo federal que, como em outros casos de reintegração, poderia ter intercedido de várias formas a favor dos estudantes e nada fez. A ação policial inclusive lançou várias bombas no CRUSP para que os estudantes não descessem em solidariedade aos presos, o que não se demonstrou efetivo, pois mesmo sob a ameaça policial, centenas de estudantes desceram em apoio aos presos. Ainda pela manhã, com a universidade sitiada pelas forças repressivas, foram realizadas assembléias em várias unidades e decidiu-se pela imediata paralisação. Após um ato em frente à reitoria, em passeata, 200 estudantes foram até a 74ª delegacia de polícia para exigir a soltura dos presos. Durante a noite, então, houve uma imensa assembléia que contou com a presença de 3000 estudantes – a maior assembléia desde 2007 – e votou-se pela paralisação até que os estudantes estivessem libertos, pelo fim dos processos e pelo atendimento a todas as reivindicações. Enfim, o convênio PM-USP ganhava todos os seus contornos, ficava explícito qual era a intenção e ela era, obviamente, a de impor a presença ostensiva da polícia no interior do campus.
A ação policial e a reação dos estudantes da universidade ganharam repercussão internacional. O uso da força policial para resolver uma contenda interna foi notícia e alvo de crítica por todo o globo. Toda a tradição da autonomia universitária e do diálogo interno para se resolver as questões pertinentes à universidade foi ignorada, abrindo assim, um precedente nefasto e que na verdade serve para medir, pelo meio empregado, a que se destina a atual gestão da universidade. Em outras palavras, um projeto de universidade que não atenda ao interesse da maioria só pode mesmo ser implantado com o uso da força. É nesse sentido que a atual gestão vem atuando.
A greve
Com a greve, a conjuntura que já havia se alterado a partir do conflito com a polícia no dia 27 de outubro, radicalizou-se ainda mais. Aqueles que colocavam em dúvida a viabilidade do movimento e de seus legítimos métodos (greve, passeatas, piquetes) não perceberam que, como não poderia deixar de ser, cedo ou tarde o Brasil iria se ligar à onda de lutas radicalizadas que caracteriza a atual situação mundial, deixando claro que a lógica dos setores que dirigem o DCE e de vários CAs, além de grande parte dos professores, é de aparato, ou seja, de indiferença às demandas concretas da luta.
Até o final do ano, vários cursos se mantêm em greve. Mesmo cursos que haviam resolvido suspender a greve, como o Curso de Letras, diante da força da mobilização e disposição dos estudantes deste curso, voltam a se incorporar ao movimento, deixando muito claro que a disposição de seguir lutando até derrotar o projeto de Rodas/Alckmin, além de se manter, é crescente. Além de todas as reivindicações de antes da desocupação da reitoria, surge a luta contra a prisão e o processo contra estes companheiros.
No dia 24/11, a assembléia realizada no Biênio da POLI, composta por um número massivo de estudantes (cerca de 2000), vota a continuidade quase unânime da greve. Além disso, com relação aos eixos do movimento, houve um ajuste que unificou dois eixos, isto é, a revogação do convênio PM-USP e o Plano de segurança, sendo que, após esta última assembléia, deliberou-se que para haver um plano de segurança, era condição que o convênio fosse revogado. Essa resolução foi um avanço na estruturação do eixo da greve, pois deixou claro qual é a hierarquia entre as reivindicações da greve, priorizando claramente a revogação do convênio, para que não reste nenhuma dúvida sobre o que é central, não permitindo que manobras sejam feitas pela atual gestão do DCE novamente. Outra votação importante foi a de se o comando de greve deveria organizar a calourada. Tendo em vista a grande mobilização em que estávamos (e estamos) e a importância da criação de um instrumento democrático que vise atender às demandas do movimento estudantil, o comando foi instituído na assembléia geral do dia 8 e até agora é composto por representantes eleitos diretamente nas assembléias dos cursos.
Na última assembléia geral do ano o PSOL/PSTU, com o argumento de que o movimento estava se esvaziando, propunham que a greve fosse suspensa para que entrássemos em um “estado de greve” (uma verdadeira manobra burocrática contra o movimento), proposta defendida pelo CCA (Dirigido também pelo PSOL e PSTU). Aprovar esta proposta significava recuar (em um momento onde a greve, mesmo no final do ano, e com dificuldades pelo seu isolamento em relação aos demais setores da universidade) de levar a luta até o final e quiçá derrotar o projeto privatista e elitista de universidade. Também significaria a perda de todo acúmulo de força e da combatividade acumulada desde o dia 27 de outubro, e, também, a dispersão das pautas do nosso movimento. O bloco PSOL/PSTU antes de ser derrotado na assembléia da ECA, tentou votar o “estado de greve” na maioria das assembléias de curso, a fim de retomar, para aqueles dois partidos, o controle da organização da calourada. Foram derrotados na maioria dessas assembléias, pois ficou evidente que o verdadeiro propósito era retomar o controle burocrático sobre o movimento.
Após isto, e em meio às férias, Rodas elimina oito estudantes da universidade, impõe o fechamento do espaço estudantil e a desocupação da Moradia Retomada do bloco G. É neste cenário, com efeito, que temos a notícia de mais este brutal ataque ao movimento estudantil e ao direito de livre organização por parte da reitoria. No dia 17 de dezembro de 2011, foi publicado em Diário Oficial da União a notícia da expulsão de oito estudantes da universidade pelo REItor João Grandino Rodas. Essa “eliminação” foi resultado da Comissão Processante, cuja decisão se apóia em decretos de 1972, decretos estes que regulamentaram o AI5 no Brasil durante o regime militar. Desta forma, mesmo depois da Reforma Constitucional de 1988, absurdamente o AI5 ainda está em pleno vigor na USP. Dentre suas normas figura a proibição de atividade política no interior da universidade.
Segundo a reitoria, os estudantes foram expulsos por que desrespeitaram os artigos 5º, 6º, 21 e 22 do Código de Ética da universidade que fala da preservação as normas aos “bons costumes, preceitos morais, valorização do nome e imagem da USP, moralidade, integridade acadêmica (…)”. Estas expulsões, como todos os outros ataques da reitoria, são de cunho totalmente político, pois foram aplicadas contra estudantes que participam da luta pela permanência estudantil na universidade e vinham sendo processados pela ocupação de parte do Bloco G da moradia estudantil. Assim, além da óbvia medida legal, impetrando um mandato de segurança contra a eliminação desses estudantes, era necessário dar uma resposta política à altura ainda este ano. Diante de medidas fascistas como essa, é necessária a mais ampla denúncia e a unidade de ação. Para isso era preciso combinar a denúncia política e a construção de ações com todos os setores da comunidade acadêmica, e fora dela, que defendem a universidade pública e democrática. Neste sentido, a reunião emergencial realizada na moradia estudantil (CRUSP) (já que a maioria dos estudantes expulsos vive ali) tirou medidas fundamentais para dar uma resposta imediata do movimento a mais um brutal ataque. Dentre essas medidas foi convocado um Ato no dia 19 de dezembro em resposta à eliminação dos seis estudantes e uma reunião para reunir ativistas, o Comando de Greve, o SINTUSP, a ADUSP e demais entidades combativas de dentro e de fora da universidade.
Já no dia 6 de janeiro os estudantes sofreram mais um ataque de Rodas, que tentou fechar o Espaço de Vivência estudantil, espaço histórico e legítimo dos estudantes, que vem sendo utilizado desde a década de 70, localizado ao lado do restaurante central. Por volta das duas horas da tarde, a guarda do campus, escoltada pela polícia militar, invadiu este espaço e decidiu fechá-lo, obstruindo suas laterais para que ninguém pudesse ter acesso ao lugar. O local só não foi tomado por inteiro, porque vários estudantes resistiram à ofensiva da polícia, impedindo que a guarda universitária e os diversos policiais da PM ocupassem uma de suas entradas, a única que ainda não havia sido obstruída. Após este acontecimento os estudantes decidiram resistir durante o final de semana inteiro para prevenir qualquer nova investida da guarda e da PM. Foi só na segunda, dia 9, porém, que a ambas retornaram e, desta vez, utilizando-se de sua tradicional abordagem, o esculacho. Ainda na segunda, depois de a guarda e a PM tentarem invadir e tomar posse mais uma vez do espaço estudantil, obtendo, por sua vez, a resistência pacífica dos estudantes como resposta, o oficial responsável pela operação agrediu fisicamente um estudante. A vítima do ataque, aliás, como foi amplamente divulgado pela mídia e pela internet, era nada mais do que um rapaz negro, de dreads, e que, segundo a lógica racista e preconceituosa do policial, parecia não ser um aluno da USP. No entanto, ainda que ele não fosse, nada justificaria a abordagem truculenta do policial que, ao se deparar com o rapaz, não hesitou sequer um momento em evitar a violência contra ele, mas, ao invés disso, empurrou-o com extrema agressividade e à base de tapas, além de apontar-lhe a arma, ameaçando-o.
Cabe lembrar ainda que, anteriormente, no dia 6, a polícia já havia sido chamada para retirar os estudantes do seu próprio espaço, porém, naquela ocasião a agressão foi desferida aos estudantes unicamente pela guarda universitária, apesar de contar com o apoio e cumplicidade da polícia militar. A diferença, entretanto, daquela data para esta, é que na segunda-feira, ocasião em que mais uma vez a polícia foi chamada para intervir, a decisão da reitoria e da PM foi estritamente a de que a retirada dos estudantes fosse levada a cabo, de maneira inexpugnável.
Não bastasse a torpeza destes acontecimentos, o que impressionou ainda mais foi ver o cinismo da PM com relação à violência empregada contra os oprimidos de forma geral, como no caso do massacre perpetrado na região de São Paulo denominada Cracolândia. Aliás, sob este ponto de vista ainda, foi risível o argumento da PM ao declarar que o sargento estava tomado por um “desequilíbrio emocional”, mesmo porque as imagens divulgadas não revelavam nenhum acontecimento que pudesse, porventura, justificar qualquer alteração emocional no policial. Isto confirmou, assim, que a atitude do policial não se tratou de uma alteração emocional, e sim do esculacho, do amedrontamento e da violência física, práticas cotidianas da PM e que, na ocasião, foram exercidas contra o movimento e o estudante. Mais risível ainda foi afirmar que, como o fez o Coronel Wellington Venezian ao jornal Estado de São Paulo, “a atitude dos policiais, nesse momento, não recomenda que eles tenham perfil para tratar com esse tipo de público”, referindo-se aos estudantes da USP. Ora, o que se depreendeu deste argumento foi que a polícia deveria ter atitudes diferentes conforme o status social a quem se destina sua ação. Ou, dito de outra forma, de que a polícia deveria empregar todos os meios brutais de que dispõe para impor o terror, como por exemplo, na Cracolândia, mas, que quando o “público-alvo” se tratava dos estudantes da USP, o perfil da repressão deveria ser diferenciado.
O argumento do Coronel Wellington, deste modo, deixou claro qual é a mentalidade da instituição policial e o quão abstrata é a norma liberal de igualdade perante a lei. Nesta concepção, a igualdade só existe para os que guardam a mesma relação com a propriedade, ou seja, só existe igualdade, de fato, no interior da mesma classe social. E é baseada nessa percepção que a polícia atua cotidianamente. Ou seja, para a população pobre/negra um tratamento, para a população rica/branca outro. Isto ficou mais do que explícito na abordagem do sargento, pois, ao aluno negar-se a se identificar, e sendo estudante universitário – o que poderia, por sua vez, segundo a lógica do policial, configurá-lo dentro de uma abordagem diferenciada -, simplesmente pelo fato de ser negro e usar dreads, não poderia ser um aluno, e, por isto, recebeu o tratamento que a polícia confere aos pobres/negros dos bairros periféricos da cidade.
Núcleo de Consciência Negra
O Núcleo de Consciência Negra (NCN) foi criado em 1987 por funcionários, docentes e estudantes da graduação e pós-graduação da USP. Desde sua origem buscou como objetivo “construir, pautar e provocar a discussão étnico-racial”, principalmente no interior da Universidade, onde estas questões não eram e não são contempladas pelos órgãos da administração da universidade de maneira a criar políticas que visem a trazer à tona a importância histórica da luta contra a opressão e exploração da população negra ao longo dos séculos. Desde sua fundação, portanto, o NCN se responsabilizou pela organização de debates, seminários e palestras sobre a questão racial, no intuito não apenas de resgatar a importância do debate histórico da situação da população negra no Brasil desde seus primórdios (que atualmente representa mais de 50% da população do país) até sua situação atual, mas, sobretudo, para efetivar iniciativas de inclusão, principalmente dentro do espaço universitário.
Por volta de 1994, então, com o objetivo de ampliar ainda mais o seu campo de ação, o NCN ocupa o bloco 3 da área situada atrás da FEA (área dos barracões). Neste local e desde então, o NCN realiza inúmeras atividades que vão desde um curso pré-vestibular universitário para alunos de baixa renda, até um centro de estudos de idiomas (CEI) e uma Oficina de Teatro e Atividades, todas estas atividades sem fins lucrativos. A ocupação permitiu ainda uma ampliação mais efetiva de atuação frente a organizações do Movimento Negro, além de inúmeros Movimentos Sociais. Esta proximidade com movimentos sociais e a atuação que aprecia a população oprimida, por si só já seria um motivo para um ataque da reitoria, não apenas tendo em vista o passado “oligárquico” da USP (constituída desde suas origens para atender uma pequena elite do estado de São Paulo)13, mas, também observando o atual momento, em que Rodas ataca não apenas os diversos espaços de resistência dentro da universidade (Moradia Retomada, Sintusp, etc.) como, além disso, busca implementar junto ao governo tucano (PSDB) do estado de São Paulo, um projeto para “reurbanizar” (leia-se, higienizar) a São Remo, Carmine Lourenço e o Morro da USP, comunidades vizinhas a universidade e avessas ao projeto elitista de modernização da USP, visado pelo reitor. Consta no boletim da reitoria, USP Destaques No. 40 que “Esta situação [das comunidades], efetivamente, não é compatível com a importância que tem a Universidade de São Paulo, com tudo que ela significa para o Estado e para o país …”, disto é fácil concluir que semelhante à desocupação de Pinheirinhos ou da higienização da Cracolândia, o que a reitoria quer não é criar uma melhor condição de vida para estas comunidades, mas sim, desalojar o terreno para afastar da USP as pessoas que ali moram, e para favorecer possivelmente a especulação financeira de tal terreno.
Dentro do ataque ainda não só a estas comunidades, mas ao livre acesso à USP pela população, cabe incluir também a privatização pela burocracia acadêmica da linha de ônibus provida pela universidade e da emissão de um bilhete restrito apenas para funcionários e alunos para o uso dos circulares (lembrando que a linha antes era gratuita e que, até então, atendia toda a população que transitava pela USP). Mas, com este atual projeto, cria um abismo ainda maior na relação entre a população de fora da universidade e a comunidade acadêmica, criando privilégios para esta última, isolando ainda mais o acesso e circulação dentro do espaço físico e público da universidade e aprofundando o conflito de classe já presente entre a população e a comunidade acadêmica. Assim, nesta perspectiva de uma ofensiva conservadora da reitoria, um espaço autônomo e ideologicamente contrário aos interesses privatistas do reitor, que pauta, por exemplo, a questão do acesso à população excluída de maneira geral, porém, sobretudo dentro do âmbito acadêmico (lembrando que hoje a soma de alunos negros da USP atinge o inexpressivo índice de 10% do total da universidade), como é o caso do NCN, só poderia, segundo a atual lógica de retaliação adotada pela burocracia universitária, sofrer um ataque, tanto de ordem legalista, quanto no que se refere ao uso de seu espaço físico (os dados tanto da porcentagem da população negra do país, bem como da sua presença dentro da USP foram extraídos do boletim do Comitê Pró-Ações Afirmativas nas Universidades Paulistas: “Os 100 Títulos de Pós-Graduação da USP são praticamente unicolores”).
Desta forma, apesar das inúmeras tentativas do Núcleo, ao longo de anos, de estabelecer um convênio com a USP que preservasse, contudo, a sua lídima autonomia, a reitoria nunca se mostrou favorável à presença deste espaço. Dentre as inúmeras tentativas de diálogo, aliás, a posição da reitoria foi irredutível com relação à autonomia do espaço, sendo que, inclusive, ela se valeu de mentiras – como afirmando que os problemas da regularidade do núcleo de consciência dependiam de seus dirigentes, ou que os diversos cursos gratuitos oferecidos pelo NCN eram, na verdade, pagos – ou de argumentos legalistas14 que visam deslegitimar o funcionamento orgânico do Núcleo, que resiste ao controle que a burocracia busca adquirir (através do aliciamento dos espaços de resistência)15 para calar qualquer entidade que possua um discurso politicamente opositor ao seu projeto de modernização elitista.
Não bastasse isso, o NCN vem sofrendo ataques constantes a sua estrutura física (o barracão 3), correndo o risco de perder o seu espaço de atuação. Desde Setembro de 2009, segundo um boletim do NCN (“O Núcleo de Consciência Negra [NCN] na USP vive, resiste e continuará a lutar pela legitimidade de seu espaço”), a burocracia vem declarando uma ordem de despejo ao NCN. Em 2009 ainda, a COESF (Coordenadoria do Espaço Físico da USP) mandara um ofício à entidade informando que ela possuía apenas 15 dias para a desocupação do espaço. Já em 2010, sem ter sido avisado ou mesmo consultado (como é de praxe dentro das “práticas modernizadoras” exercidas pela burocracia acadêmica), o NCN soube, por publicações oficiais da reitoria, sobre a demolição prevista para seu espaço, visando substituí-lo por mais um dos empreendimentos da reitoria, a “Nova ECA” (Escola de Comunicação e Artes).
O projeto “Nova ECA” foi planejado pela reitoria no intuito de “reformular a antiga “Barracolândia”, para retirá-la, segundo discurso da reitoria, de seu estado de degradação.” A reitoria afirmou também que, após a “reformulação”, os setores instalados nos barracões receberiam “novos espaços definitivos na mesma área”, no entanto, pelas poucas informações divulgadas sobre o assunto, a área, na realidade, deverá servir para a implementação de um Centro de Difusão Internacional e da nova sede da ECA. Cabe frisar, no entanto, que a verdadeira face deste projeto é a de desalojar grande parte dos setores combativos da universidade que se localizam ali como, por exemplo, o NCN e o Sintusp, além de demolir importantes espaços históricos de organização estudantil como o Canil e a Prainha.
Desta maneira, apesar destes ataques já figurados anteriormente, no final de 2011, depois do deflagrar da greve e num momento de relativa desmobilização do movimento estudantil, a reitoria iniciou a demolição dos diversos barracões situados atrás da FEA e imprimiu um brutal ataque ao NCN, que só não findou na demolição total de seu barracão, porque seus dirigentes e alguns militantes do movimento intervieram a tempo. No entanto, o espaço foi prejudicado, não podendo realizar as atividades de seu curso pré-vestibular, pois o ataque impediu o fornecimento de água ao espaço.
Vale dizer ademais que, tendo em vista o papel que o Núcleo exerce dentro da universidade como uma célula combativa e promovedora de debates que não estão na ordem do dia das pautas da burocracia, como, por exemplo, a questão do acesso e da permanência dentro da universidade, principalmente pela população negra, e a crítica do Inclusp (Programa de Inclusão Social na USP)16 e, além disso, por ser uma entidade apoiadora dos diversos centros de resistência como o SINTUSP e a Moradia Retomada, sua importância para o movimento se mostra cabal e sua sobrevivência autônoma, mais ainda, uma vez que sem esta autonomia o NCN corre o risco de ou ser extinto ou de tornar-se apenas um Núcleo de Cultura e Extensão da USP, submetido aos demandos da reitoria, sendo incapaz de atuar politicamente.
Tropa de Choque é usada para desalojar estudantes
Para os estudantes, e principalmente para aqueles de origem proletária, as políticas de permanência são decisivas, sem elas a sua manutenção na universidade e a garantida de realização de um curso em condições minimamente igualitárias com os demais estudantes são impossíveis. Sem políticas de permanência estudantil, a democracia educacional não passa de conto de fadas. Hoje, cabe dizer, a USP conta com mais de oitenta mil estudantes e destina apenas 1800 vagas para a moradia estudantil, o que, em termos percentuais, não representa nem cerca de 2% do total de estudantes da universidade. É claro que isso não se dá por razões orçamentárias, a falta de investimentos nessa área é intencional e funciona como uma forma eficiente de manter os filhos dos trabalhadores fora da universidade.
É relevante resgatar que a Moradia Estudantil da USP (CRUSP) só existe devido há décadas de lutas. Desde 1964, quando houve a primeira ocupação desse espaço, passando pela retomada em 1979, após a ditadura militar ter fechado este espaço por 11 anos até os dias atuais, a moradia estudantil e as demais políticas de permanência só existem devido à luta direta dos estudantes. A tradição histórica de luta por permanência estudantil teve continuidade na reocupação de parte do Bloco G. Este espaço que era destinado à moradia estudantil e vinha sendo utilizado pela burocracia universitária, com a ocupação, voltou a ser ocupada pelos estudantes para fins de moradia em 18 de março de 2010.
Esta reocupação ocorreu após anos de demandas por vagas, nunca atendidas pela universidade. Fato que, aliás, fazia e faz, a cada ano, centenas de estudantes se inscreverem em um processo obscuro de seleção que não privilegia o acesso, através de critérios socioeconômicos e, assim, não atende as reais necessidades dos estudantes por moradia. Diante dessa situação intolerável, estudantes reunidos em assembléia decidiram por nada mais do que um direito: realizar um legítimo movimento de ocupação e instaurar nesse espaço um regime autônomo de funcionamento, ou seja, uma moradia sem o controle burocrático e elitista da universidade.
A ocupação do térreo do bloco G, além de ser uma importante iniciativa independente dos estudantes, trouxe à tona outro grande flagelo vivido no interior da USP. O grande déficit de vagas, a precariedade dos alojamentos e a política de repressão aos estudantes já eram conhecidos por todos. Além do mais revelou um esquema de espionagem da vida pessoal e política dos estudantes, orquestrado pela COSEAS. Documentos encontrados revelaram um verdadeiro departamento de controle policial da vida e do dia-a-dia dos moradores do CRUSP. Durante quase dois anos, este espaço abrigou dezenas de estudantes que, sem a Moradia Retomada, não poderiam dar continuidade aos seus estudos. É por isso, inclusive, que esse espaço, como também outros espaços autônomos (ainda vigentes no interior da universidade), são duramente atacados.
Depois de quase dois anos de ataques da parte da universidade e resistência dos estudantes a policia militar cumpre no dia 19 fevereiro (domingo de carnaval) às 5 horas da manhã um mandato de reintegração de posse. Aproximadamente 300 policiais da tropa de choque, força tática e GOE cercam toda a área do CRUSP, invadindo os blocos, obrigando os estudantes a ficarem detidos em seus apartamentos e, em alguns casos, revistando apartamentos vizinhos da ocupação sem mandato legal, ou seja, a universidade, mais uma vez, foi sitiada pelo aparato repressivo do Estado de São Paulo. Os estudantes que se encontravam no local não tiveram nem a chance de se retirar, ou seja, a exemplo do que ocorreu com a reitoria, a polícia invadiu a Moradia Retomada com o claro objetivo de prender e criminalizar os estudantes.
Durante a reintegração, a polícia que sequer realizou o ritual de ler o mandato de reintegração de posse, arrastou uma estudante grávida, apreendeu celulares e apagou imagens da invasão policial no local. No 14º DP (Departamento de Polícia) do Bairro de Pinheiros (Capital), os estudantes foram colocados e ficaram detidos durante 10 horas em celas de quatro metros quadrados e sem nenhuma ventilação, o que fez com que a estudante grávida passasse mal e fosse encaminhada para o hospital. Este ato representou mais um ataque brutal aos movimentos autônomos e legítimos que agem dentro da Universidade como um núcleo de resistência ao projeto de modernização elitista e privatista de Rodas, que usa mais uma vez da força repressora do Estado – o Choque – ordenada pelo governador Alckmin, para coibir e eliminar quaisquer setores que sejam opositores a tal projeto. Defendemos em vários momentos que a luta em defesa da Moradia Retomada deveria ser encarada como um cerco tático fundamental para o movimento e para a greve que segue em 2012. Defender a Moradia Retomada era romper um cerco tático importante e avançar em outras frentes como no fim dos processos, do convênio PM-USP e outras. Ou seja, repelir essa ameaça de Rodas significava acumular força para iniciarmos o ano e para construirmos uma poderosa greve capaz de reverter o conjunto das políticas privatistas e dos ataques a livre organização dos estudantes e dos trabalhadores.
Um debate sobre concepção no movimento
Após a assembléia do dia 1 de novembro e a ocupação da reitoria no dia 2 do mesmo mês, abriu-se uma importante polêmica sobre concepção no movimento estudantil na USP, discussão que, aliás, tem repercussão internacional. Essa polêmica versa sobre temas como: vanguardismo, democracia de base, ética … Em relação a essas questões pensamos que é fundamental tecer comentários críticos para que possamos extrair lições que sirvam para enfrentarmos os desafios que estão colocados para o próximo período. Para isso, vamos nos utilizar de alguns textos escritos pelo PSTU. É curioso notar que se apóiam em textos clássicos do marxismo para polemizar com os setores que estão à frente dos processos que vem mobilizando milhares de estudantes. Mas, fazem-no a partir de falsas premissas, falsificações e de práticas oportunistas. Com isso só podem chegar a conclusões que servem apenas para justificar e reforçar a linha oportunista que vem desenvolvendo no movimento, particularmente no movimento estudantil na universidade de São Paulo.
Começando com a questão ética. Em suas notas e artigos escondem, descaradamente, qual foi a postura da direção do DCE, setor com o qual faz chapa para a eleição do centro acadêmico, nesse episódio. Quem fala em nome da ética revolucionária não deveria se “esquecer” de dizer como as coisas realmente ocorreram. É preciso perceber que as falsificações construídas pelo bloco oportunista, conformado pelo PSTU e PSOL, têm uma função ideológica muito clara: precisavam criar o mito de que os ocupantes da reitoria não passavam de uma minoria ressentida “que não aceita perder votações em assembléias, e uma vez perdendo-a, agem por conta própria contra a democracia de base”. O PSTU que, para justificar sua ausência na dinâmica urgente da luta de classes no seio da USP, se valeu do mesmo discurso direitista utilizado pela mídia marrom e pela própria Reitoria, isto é, o discurso de que o setor mais combativo da USP era apenas uma minoria ressentida.
Esse e outros mitos servem para anuviar qual é a verdadeira posição política do bloco oportunista diante da realidade e dos seus desafios. Negam, para iniciar o debate, que enquanto centenas de estudantes espontaneamente se levantavam contra a polícia fazendo o que resultou em vários estudantes feridos pela repressão, o DCE atuou o tempo todo com a polícia e a diretora da FFLCH (Sandra Nitrine) para levar os estudantes para a prisão. Ao responder tal denúncia, dizem que se “fossem verdadeiras, não estaríamos diante de “pelegos”, mas, sim de colaboradores diretos do reitor e da polícia”.
A atitude de lutadores honestos e sérios deveria ter sido esta, pois, como é possível sequer discutir com agentes das forças repressivas, do reitor; com traidores da luta?” (para ver o descalabro do relato e dos argumentos do PSTU, ler: Os estudantes da USP precisam vencer!… apesar da LER–QI. Uma polêmica com a ultraesquerda stalinizada. www.pstu.org.br).
O fato é que os militantes desse partido chegaram ao cúmulo de fazer um cordão de isolamento para que os estudantes fossem encaminhados para a delegacia de polícia e serem autuados, acusados por porte de maconha. E isso foi testemunhado por centenas de estudantes e, além de ter sido matéria de debate nas primeiras assembléias logo após a ocupação da FFLCH, inclusive resultando em uma resolução que proibia que os Membros do DCE participassem de qualquer comissão interna da ocupação. Mas as mentiras e falsificações não param por ai. A justificativa utilizada para desqualificar o movimento de ocupação é extremamente desonesta em relação aos fatos e oportunista do ponto de vista político, pois, a ação dos estudantes logo depois da repressão policial no dia 27 de outubro e, depois, com a ocupação da reitoria, na madrugada do dia 2 de novembro, não se configurou como uma ação ultra-esquerdista como querem fazer crer o PSTU. Numa frente com o PSOL, tentaram implodir a assembléia do dia 1 de novembro e realizaram uma campanha de calúnia para desmoralizar os estudantes que participaram ativamente do processo de ocupação da reitoria votada, apesar deles, democraticamente.
Esse bloco oportunista, além de romper com a democracia da assembléia que decidiu pela ocupação da reitoria, postura totalmente antidemocrática diante dos ataques da reitoria e da imprensa, participou ativamente da campanha para deslegitimar o movimento. Sobre isso, afirmam que a desocupação da sede administrativa da FFLCH foi discutida democraticamente por mil estudantes e “por uma maioria de 559 contra 458, votou-se pela desocupação dessa faculdade” contam meias verdades para esconder sua prática e concepção burocráticas. Dizer que “depois do horário máximo marcado pela assembléia e a declaração de seu final, um grupo de estudantes, encabeçado pela LER, resolveu ocupar outro prédio da USP, desta vez a própria reitoria” é uma tentativa de desmoralizar o conjunto dos estudantes e correntes políticas que resistiram corretamente contra as manobras do PSOL/PSTU.
Há um critério político estratégico bastante claro que define que, mesmo que não tenhamos acordo com relação aos encaminhamentos do movimento, temos que nos colocar claramente do lado dos trabalhadores e oprimidos. Lênin, em O Estado e a revolução, dá um belíssimo e clássico exemplo de como devem se comportar os revolucionários diante dos processos de luta, mesmo que não tenham acordo com as táticas e os momentos para a ação, dizia que “é sabido que alguns meses antes da Comuna, no outono de 1870, Marx preveniu os operários de Paris, alegando que a tentativa de derrubar o governo seria um disparate ditado pelo desespero. Mas quando, em março de 1871, se impôs aos operários o combate decisivo e eles o aceitaram, quando a insurreição se tornou um fato, Marx saudou a revolução proletária com o maior dos entusiasmos, apesar de todos os maus presságios” (O Estado e a revolução, p. 81. São Paulo, Global, 1987).
Esse critério foi utilizado por Marx na Comuna de Paris. Mesmo considerando que aquele não era o momento para se realizar o levante e ter diferenças táticas importantes com a Comuna, passou a apoiá-la imediatamente após a sua instauração, e fez ainda mais, soube tirar dessa experiência histórica, apesar de derrotada, lições fundamentais para a luta de classes, sendo que a mais importante foi a da necessidade de destruir o Estado burguês como um todo para se passar a construção comunista da sociedade. Este exemplo, guardadas as proporções, serve como uma boa ilustração para o caso em questão.
Contudo, é necessário dizer que, na verdade, houve sim na assembléia do dia 1º de novembro uma confluência antiburocrática que mobilizou a maioria da assembléia. Durante a votação sobre qual seria o ponto de pauta seguinte, após a votação pela desocupação da FFLCH, havia duas propostas: uma de apreciar a proposta de ocupar a reitoria e a outra de apreciar primeiro o calendário. Ao levantarem as mãos ficou claro que a maioria dos estudantes queria discutir primeiro a ocupação da reitoria. Irrompeu-se disso, o golpe burocrático. Pois, sem que ao menos o resultado da votação fosse declarado, porque perceberam que haviam perdido a votação e que a assembléia poderia votar pela ocupação da reitoria, a mesa declarou que a assembléia estava encerrada, o que evidentemente provocou grande confusão e indignação dos estudantes. Mesmo se retirando da assembléia, essa continuou com a presença de mais de quinhentos estudantes que aprovaram de forma quase unânime ocupar a reitoria. O que assistimos durante a assembléia foi, da parte do PSTU, justamente o contrário de “confiar no poder criador das massas”, pois, assim que perceberam que a massa de mil estudantes reunidos na assembléia poderiam votar algo diferente do que haviam planejando (isto é, a ocupação da reitoria), demonstrando que estavam à frente da linha entreguista, o bloco PSOL/PSTU tentou implodir a assembléia.
O que se pode constatar, em mais este episódio, não é uma preocupação que as massas sejam protagonistas dos processos de luta, independentemente se a sua ação foge aos esquemas previamente traçados, mas, que ela esteja submetida aos esquemas oportunistas dessas organizações. Quando afirmam que “esta ocupação, decidida pelas costas das instâncias deliberativas e resolutivas legítimas dos estudantes, não só permaneceu isolada como também dividiu o movimento estudantil. A reitoria, de maneira totalmente antidemocrática e autoritária, convocou novamente a PM para efetuar a desocupação violenta, em que foram presos e processados 73 estudantes” (PSTU: “Os estudantes…”, cit.), além de ser uma total falsificação dos fatos em relação à decisão de ocupar a reitoria é uma apreciação totalmente equivocada da conjuntura política que se seguiu após o dia 2 de novembro, com a reitoria ocupada. Dissimular, mentir para os patrões, chantagear a classe dominante… são táticas necessárias e que contribuem para o fim da opressão e para a libertação dos trabalhadores. Já, utilizar estes expedientes contra a classe trabalhadora e nos debates entre os setores que compõem o movimento operário ou estudantil, são parte de um processo de degeneração.
Esse não é o critério utilizado pelo melhor da tradição revolucionária. Em um texto, inclusive muito reivindicado pelo PSTU, de Trotsky (A nossa moral e a moral deles. http://www.marxists.org), no contexto dos processos de perseguição, calúnia e assassinatos levados a cabo pela burocracia estalinista contra os seus opositores e no qual se dedica a analisar questões éticas à luz da luta de classes, o autor afirma que “não há, pois, crime pior do que enganar as massas, do que fazer passar as derrotas por vitórias e os inimigos por amigos, do que corromper os chefes, do que inventar lendas do que fabricar processos judiciais de impostura – enfim, do que fazer o que fazem os stalinistas.”
O mais incrível é que esses “companheiros” são capazes de desenvolver um nível de dissimulação que chegam, em nome da ética revolucionária e do combate aos métodos estalinistas, praticarem o contrário do que propagam. Após a ocupação, PSTU e PSOL passaram à campanha, junto com a reitoria e com a mídia burguesa, de satanização do movimento de ocupação da reitoria. Ao dizer que se tratava de uma minoria descontente, que não aceitou as decisões da assembléia e que era uma ação ultra-esquerdista, acabaram, assim, por facilitar o trabalho da reitoria e da mídia. A mesma postura adotou a ANEL e a CSP-Conlutas, bem como a esquerda da UNE e Intersindical, dirigidas pelo PSTU e pelo PSOL, respectivamente, não assumiram um posicionamento efetivo, postura inaceitável, principalmente, diante da ameaça de reintegração de posse. Para essas entidades, que pretendem superar a UNE e a CUT, é fundamental a disposição de construir na luta política e na prática uma alternativa a essas antigas direções falidas.
Fraseologia contra a “ultra-esquerda” para justificar uma prática oportunista
O PSTU tenta se colocar como defensor da democracia de base afirmando que a lógica daqueles que defenderam a ocupação da reitoria parte de “uma lógica que, na prática, busca substituir a ação das massas pela de uma pequena vanguarda dirigida por eles, que se acham conhecedores de todo o humano e o divino. Esta teoria, ainda que não o admitam, não tem a menor confiança no poder criador das massas, pois as consideram muito atrasadas para poderem decidir seus destinos de forma soberana” (ibídem). Com isso tentam colocar a pecha de ultra-esquerdista naqueles que souberam se colocar a frente de um legítimo movimento que foi decidido em uma assembléia com a participação de mais de quinhentos estudantes e que só não era maior porque os mesmos – PSTU e PSOL – tentaram implodi-la. Diante deste quadro e das acusações proferidas, vale a pena tocar na questão do ultra-esquerdismo.
O ultra-esquerdismo se configura como um método que não procura ligar a ação da vanguarda com a ação e a consciência de massas, e não se preocupa em estabelecer vínculos orgânicos entre elas. Mas, no caso analisado, a relação orgânica entre a ação da vanguarda e das massas estava clara, mesmo contra a vontade do bloco PSOL-PSTU, pois, mesmo estes boicotando claramente o movimento e contribuindo com a propaganda contra o movimento de ocupação, as assembléias e o apoio entre os estudantes ao movimento eram crescentes. É claro que a democracia no movimento se faz pela participação de setores de massa em assembléias, com representação de delegados em congressos e outros fóruns. A democracia operária é composta tanto pela vanguarda dos processos, quanto pelos setores mais amplos, inclusive, essa é uma diferenciação fundamental da democracia operária em relação à democracia burguesa, pois, a participação direta nos fóruns garante a participação direta de amplos setores dos trabalhadores, no caso aqui discutido, dos estudantes. Os “companheiros” se arrogam como aqueles que defendem “fazer política para as massas” no seu debate com a LER-QI dizem desta última que “o objetivo deixou de ser fazer política para as massas, para centrar-nos exclusivamente na vanguarda mais radicalizada” (ibídem). O problema é que essa linha de argumentação desconsidera que esse fazer política deve responder claramente às necessidades de um setor especifico das massas não para ela em geral, pois, a universidade e o movimento estudantil se caracterizam, respectivamente, por um espaço e por um movimento poli-classista.
O que chamaram de “ocupação burocrática” da reitoria, na verdade, era um movimento profundamente ligado a clareza de parte significativa dos estudantes e funcionários sobre a necessidade de dar uma resposta, não apenas ao Convênio PM-USP, mas a toda a ofensiva privatizante/elitista e repressiva contra o movimento dos estudantes e professores, que se manifesta também em processos, demissões e eliminações. O apoio de amplos setores dos estudantes não se fez apenas por declarações abstratas, mas por ações práticas que se deram através da participação direta nas assembléias antes da reintegração de posse e na indignação massiva durante o próprio processo de reintegração. Se a ocupação fosse um ato de uma vanguarda burocrática, sem ligação nenhuma com as massas, o efeito da violência policial na reintegração não seria o mesmo. Na verdade, burocrática é a leitura política que não identificou que se tratava de um movimento que já demonstrava desde o início o seu dinamismo, crescente apoio e ligação com o setor das massas do qual devemos nos apoiar e lutar para mobilizar.
A “análise” é realizada para justificar sua posição e não para revelar quais são as condições da luta. Não pode captar justa e concretamente as condições em que agiram os estudantes durante a ocupação da reitoria, pois, desconsidera que a partir do dia 27 de outubro se colocou uma nova conjuntura na USP. A indignação causada pela prisão dos três estudantes e o conflito direto com a polícia nesse dia significou um salto na consciência das massas em relação ao verdadeiro papel da PM no interior da universidade. Citam Lênin, Trotsky e outros, mas, não podem captar o seu sentido mais profundo, pois, abandonaram uma premissa fundamental do marxismo que é o corte de classe do movimento estudantil e de que a luta exige uma série de táticas, legais e ilegais. No debate com o ultra-esquerdismo, Lênin não concluiu apenas, que não se pode abandonar no curso da luta contra o capitalismo utilizando os meios legais e que se deveria constantemente procurar mobilizar as massas operárias. Também se tirou a lição de que “todos concordarão em que seria insensata e até criminosa a conduta de um exército em que não se esteja preparado para dominar todos os tipo de armas, todos os meios e processos de luta que o inimigo possui ou possa possuir. Mas isso diz ainda mais respeito à política do que à arte militar. Em política é ainda menos fácil saber antecipadamente que meio de luta será aplicável e vantajoso para nós em tais ou tais condições futuras. Sem dominar todos os meios de luta podemos sofrer derrota enorme – por vezes mesmo decisiva -, se mudanças independentemente da nossa vontade na situação das outras classes põem na ordem do dia uma forma de ação na qual somos particularmente fracos” (A doença infantil do “esquerdismo” no comunismo, in Obras Escolhidas de Lenin, p. 333. Editora progresso, Lisboa, 1979).
A polêmica de Lênin contra o ultra-esquerdismo também é de forma indireta uma dura polêmica contra o oportunismo político que não é capaz de impulsionar através da agitação política e acompanhar o movimento quando esse assume ações mais radicalizadas, como as duas ocupações. Leon Trotsky, analisando como ocorre a luta política e a oscilação entre as tarefas afirma que “uma greve é inconcebível sem propaganda e agitação, mas também sem piquetes que, onde puderem, atuem através da persuasão, e onde se virem obrigados, recorram à força física. A greve é a forma mais elementar da luta de classes, na qual se combinam sempre, em proporções variáveis, os procedimentos “ideológicos” e os físicos” (Aonde vai a França, p. 48, Editora desafio, 1994). O dia 27 de outubro foi a gota de água para que a situação de passividade dos estudantes se alterasse, a situação rotineira e absolutamente defensiva que tomou a maior parte do ano de 2011 havia se transformado e exigia, principalmente dos setores que se colocam como dirigentes do movimento, uma adequação à altura do novo momento, mas não foi isso o que ocorreu. O DCE (dirigido pelo PSOL que é apoiado pelo PSTU) desde o início de 2011, além de não ser capaz de dar nenhuma resposta política aos ataques de Rodas e nem sequer convocar assembléias para discutir as questões quando o movimento, no dia 27 surge, e espontaneamente, trabalha criminosamente para destruí-lo. Quando nas assembléias perdem votações, acabam por trabalhar constantemente para fazer o movimento refluir, mesmo quando dá sinais claros que pode avançar. Estamos diante de um comportamento político típico das correntes mais oportunistas e burocráticas do movimento.
Independente da compreensão momentânea, que evidentemente se altera ao depender da conjuntura política, os estudantes na USP como em qualquer universidade não compartilham dos mesmos interesses materiais ou políticos. Assim, fazer política para todos os estudantes, significa traçar uma linha média que não chega a atender aos interesses dos estudantes de origem proletária. O PSTU deixa transparecer a sua adaptação política estratégica quando afirma que “defendemos que é necessário acompanhar a disputa político-ideológica dentro do conjunto dos estudantes, com ações que ajudem a elevar seu nível de consciência, levantando o sistema de palavras de ordem corretas, no momento correto” (“Os estudantes…”, cit.). Como se vê, nessa argumentação não aparece nenhuma distinção entre os setores sociais que compõem as “massas” no interior do movimento estudantil. Fazer a disputa ideológica entre os estudantes significa fazer uma clara escolha social, não se pode fazer a disputa “político-ideológica” na massa estudantil como um todo, ou se atende aos interesses do setor mais ligado, pela origem ou por opção, ao proletariado e a classe média ou, ao outro, isto é, ao setor burguês dessa massa, principalmente em se tratando de uma universidade tão elitizada como a USP.
Esse é o problema de fundo que leva o bloco PSOL/PSTU a ter permanentemente posições à direita e por nunca se colocarem a frente dos processos reais de mobilização. Estão dedicados permanentemente a certo parlamentarismo estudantil e as disputas eleitoreiras das entidades. Na verdade, estes setores falam contra o vanguardismo e o ultra-esquerdismo não de uma posição combativa, mas de uma posição eleitoreira, pois para eles fazer política na universidade é se adaptar ao senso comum e desenvolver propostas e métodos de luta palatáveis para todos os setores da universidade.
Análise de correlação de forças para lutar ou para justificar o imobilismo?
Tanto o debate sobre a assembléia do dia 1 de novembro e a ocupação da reitoria, como a eliminação dos 8 estudantes, por participarem do movimento de ocupação do bloco G e o fechamento do espaço estudantil pela reitoria, foi permeado pelo conceito de correlação de forças. É interessante notar que o argumento de que falta correlação de forças para agir foi utilizado por setores diversos e em contextos bastante diferenciados, mas com o fato em comum de usar esse argumento como meio para a inação diante de ataques da reitoria nos últimos meses.
Em relação ao PSTU, que se utilizaram do conceito de correlação de forças, temos a vantagem de que a polêmica ocorra de forma documentada, já que suas posições foram escritas e divulgadas publicamente. Para essa organização, “todo aquele que padece da doença do ultra-esquerdismo, baseia-se não só no desprezo pequeno-burguês em relação às massas, como também em abstrair-se completamente da realidade objetiva e não levar em conta a análise rigorosa de algo que, na ciência militar e no marxismo, chama-se correlação de forças” (ibídem). Não houve da parte do PSOL/PSTU, quando implodiram a assembléia e posteriormente passaram a fazer campanha contra a ocupação (em unidade com a classe dominante), uma preocupação de fazer uma análise concreta da realidade. O que se revelou foi um desespero burocrático quando se avistou que a linha de desmontar o movimento poderia – como de fato o foi – derrotada pelo reflexo e vontade de continuar lutando dos estudantes.
A linha de acabar com a ocupação da FFLCH (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas) não era o resultado de uma análise “milimétrica antes de propor uma tática ou de empreender qualquer tipo de ação”, mesmo porque, qualquer análise minimante séria neste sentido, não poderia indicar o fim do movimento de ocupação, pois, este estava em pleno desenvolvimento. O problema parece ser outro, o de que os setores que romperam com a assembléia do dia 1 de novembro estavam completamente desmoralizados no interior da ocupação, por sua linha de colaboração (PSOL) com a prisão dos 3 estudantes, da capitulação (PSTU) frente à luta contra a militarização da universidade etc. Então, nessa lógica burocrática era necessário matar esse movimento para que a situação voltasse ao normal e o calendário eleitoral pudesse ser realizado da forma mais vantajosa para esses setores. E afirmam mais, que a ocupação da reitoria não teve nada a ver com a onda de ocupações de 2007 e que “foram acompanhadas por uma verdadeira onda de ocupações e greves em todo o país. Este processo de luta… envolveu, além de uma vanguarda numerosa, setores importantes da massa estudantil” (ibídem).
Primeiro devemos esclarecer que o PSTU, logo após a ocupação da reitoria em 2007, posicionou-se pela desocupação, alegando que não havia condições políticas para continuar com o movimento de ocupação, o que como todos sabem se demonstrou um cálculo político totalmente equivocado. Para eles, mesmo em 2007, que teria sido um movimento massivo, não havia correlação de forças para se manter a ocupação. Fica evidente, portanto, que esse setor não pode se arrogar como campeão da análise correta de correlação de forças, pois, não foi capaz de identificar naquele momento também que a correlação de forças era favorável para o movimento. Além do mais, o cálculo da correlação de forças política não está no campo matemática, em que se pode a partir de uma aritmética qualquer se definir que a correlação de forças esta favorável… “e pronto! Pode-se agir!” Existe uma série de variáveis e, no caso específico deste ano, podemos afirmar concretamente que a postura do bloco PSOL/PSTU contribuiu para que a reitoria e o governo do estado de São Paulo tivessem condições políticas para executar a ordem de reintegração de posse. Em sua análise, afirmam também que “não foi por acaso que esse movimento foi vitorioso e Serra não conseguiu que a PM (como Alckmin e Rodas conseguiram agora, graças ao isolamento) entrasse para reprimir essas ocupações, não porque lhe faltasse vontade, mas porque – eles, sim, consideram este tipo de coisas – não tinham uma correlação de forças favorável” (ibídem).
O que omitem é que a construção da correlação de forças que permitiu a reintegração de posse foi o resultado de um processo de ataques e contra-ataques do movimento desde 2007, onde a reitoria conseguiu criar condições, utilizando-se inclusive da morte de um estudante como bode expiatório, para avançar no processo de militarização da universidade. A correlação de forças mais favorável em 2007 só foi possível pela iniciativa votada nas assembléias dos estudantes, contra a posição do PSTU inclusive, que defendeu a desocupação em quase todas assembléia, desde o segundo dia do movimento em diante, isto é, durante um total de 51 dias de ocupação.
Os “companheiros” afirmam que a ocupação “se deu em um momento em que um amplo setor dos estudantes não se posicionava a favor das pautas do movimento estudantil. A base de apoio desta luta ainda era bastante limitada e a reitoria contava com o respaldo da opinião pública dentro e fora da universidade. Neste contexto político, a ocupação unilateral da reitoria dividiu o movimento e acabou colocando-o ainda mais na defensiva” e que “dados do Datafolha publicados em 13 de novembro, 58% dos estudantes aprovam a presença da PM no campus e 57% têm mais confiança do que medo desse corpo repressivo. Por outro lado, 73% dos estudantes estavam contra aquela ocupação aventureira e 53% opinam que os estudantes que participaram devem ser punidos. Assim, fica evidente que o apoio à PM dentro do campus ainda é amplo. Inclusive entre aqueles que estão contra a presença da PM na USP, um setor considerável era contra a tática da ocupação. Realidade amarga, mas, no fim, realidade.” Bom, de acordo com pesquisa feita pela folha de São Paulo, sempre questionável pela sua obscura metodologia, ao menos 40 mil estudantes estavam contra a presença da PM no campus, o que na lógica oportunista é pouco, e por volta de 20 mil estudantes estavam a favor da ocupação da reitoria. Considerando que houve uma campanha quase uníssona da mídia, com o apoio do PSOL e do PSTU, contra a ocupação, vinte mil estudantes a favor da ocupação, não se pode dizer que a ocupação estava isolada e não tinha o respaldo de um importante setor das massas dos estudantes, apoio este que crescia à olhos vistos em assembléias cada vez maiores, o que motivou sem dúvida a reintegração de posse, de maneira ágil pelas forças repressivas.
Além disso, estes partidos prosseguem em seu devaneio e tentam convencer o leitor de que o movimento estudantil na USP só cresceu depois da ocupação devido aos “excessos” e “brutalidade” da reintegração de posse e de que “não foi a ocupação burocrática dos “estudantes combativos” – que quase nos liquida –, mas um erro político do inimigo”. Não compartilhamos em absolutamente nada com essa análise. A brutalidade da reintegração de posse não foi o elemento que criou por si só uma massificação maior da luta contra a PM no campus. Esse processo já havia se iniciado e foi sim o elemento que contribuiu para acelerar um processo que já estava em curso. É verdade que não conseguimos alterar a correlação de forças – e os últimos acontecimentos em relação ao fechamento da DCE e a reintegração de Posse da Moradia Retomada atestam isso -, mas, também é verdade que não estamos em uma correlação de forças menos favorável para os estudantes do que antes das ocupações. Como explicar, que o movimento com a ocupação e a greve ficou ainda mais na defensiva depois de assembléias e atos massivos, chegando a se realizar atos e assembléias com cerca de quatro mil estudantes, números só vistos durante a greve de 2007. O que o PSTU e o PSOL não podem reconhecer é que, apesar deles, foi detonado um movimento que coloca a possibilidade de lutar diretamente contra a privatização da universidade, movimento que, inclusive, sistematicamente vem questionando a linha oportunista destes setores. Ainda há uma ofensiva de Rodas e Alckmin, é verdade. Mas, o movimento de ocupação e a greve colocaram a nu os ataques brutais que a reitoria esta desenvolvendo contra a universidade pública e que, para garantir esses ataques, precisam também destruir com a capacidade de mobilização dos estudantes e trabalhadores da universidade.
Além do PSTU, outros setores também interpretam de forma enviesada os ensinamentos dos clássicos
Mesmo às vésperas do natal durante as férias, o ato contra as expulsões dos estudantes contou com a participação de 200 pessoas aproximadamente. Após o ato, a reunião, que chegou a contar com 100 estudantes, foi marcada pela polêmica em torno do encaminhamento das propostas de atividades. Um dos setores, do qual fizemos parte, defendia que era necessário ainda no final do ano tomar medidas para dar uma reposta continuada a eliminação dos estudantes, o outro (PSTU, PSOL, LER-QI, MNN), afirmava que nenhuma medida poderia ser tomada em nome da greve sem que tal medida passasse pela reunião do comando ou da assembléia geral. Para tentar dialogar com esse setor propúnhamos que diante da emergência fosse antecipado a reunião do comando de greve para o dia 5 de janeiro, mas, nem essa proposta foi aceita.
Num momento, portanto, em que as medidas repressivas da reitoria se tornam a cada dia mais brutais, é fundamental a necessidade de uma luta que vise não só a dar respostas imediatas a cada um dos ataques desferidos, mas, que possa dar alento ao movimento num período de certa desmobilização, isto é, as férias. Assim, é inaceitável a inércia desses setores, ao se colocarem naquele momento contra a efetivação de qualquer proposta de mobilização (acampamento e antecipação da reunião do comando de greve) na reunião após o ato. No caso específico da intervenção da reitoria no espaço de vivência, qualquer análise séria evidenciaria que as possibilidades de refutar a investida da PM e da Guarda Universitária a serviço da reitoria eram remotas, porém, isso não significa que não seria possível resistir dentro dos limites impostos pela correlação de forças daquele momento. A correlação de forças indicava concretamente que era possível, sim, realizar um processo de resistência ao lacramento do espaço estudantil, dando, por meio disso, visibilidade para as pautas da nossa luta e para o real caráter da política de Rodas. Foi, então, exatamente o que ocorreu, graças à clareza política dos que resistiram até o final.
Nesse sentido, no tocante à correlação de forças, cabe aqui esclarecer qual deve ser o papel da análise da correlação de forças dentro da luta de classes. A questão é que a caracterização da correlação de forças é o resultado da análise de um período dentro da realidade e serve para identificar as reais possibilidades da luta, bem como que métodos, táticas e estratégias adotar dentro deste período. Vejamos como Trotsky encara a questão da correlação de forças em um dos seus artigos contidos na coletânea Aonde vai a França?: “A relação política de forças esta determinada não somente pelos dados objetivos (papel da produção, número, etc.), mas também pelos subjetivos: a consciência da própria força é o elemento mais importante da força real(…) Entre os fascistas e os pacifistas de todas as matizes se estabeleceu uma divisão de trabalho: uns reforçam o capo da reação; os outros enfraquecem o campo da revolução. Esta é uma verdade não camuflada!” (Aonde vai a França, ed. cit., p. 115).
O enfrentamento com a PM no dia 27 de outubro mudou significativamente os dados subjetivos da correlação de forças na USP. Não que o movimento tenha passado a ter uma correlação de forças totalmente favorável em relação à reitoria, mas que a correlação de forças anterior, que estava marcada por uma ofensiva por parte da reitoria e por nenhuma resposta da parte dos estudantes ou dos demais setores da universidade, havia mudado para uma situação onde as ofensivas da reitoria começaram a ser respondidas pelo movimento. E mais, mesmo quando a correlação de forças é desfavorável, não significa que não devemos fazer a luta – principalmente quando se trata de um ataque direto do inimigo – mas, de que precisamos identificar quais são os meios que iremos empregar e qual será o alcance da mobilização.
Enfim, a análise da correlação de forças tem a função diferente da empregada pelos setores que foram citados acima; ela é um instrumento para que o movimento tenha clareza de como será a luta e não uma justificação para que a luta não seja feita. Esse é um critério decisivo para a luta de classes e para a luta dos oprimidos de forma geral, mesmo para parte do setor (LER-QI e MNN) que acompanha a mobilização, ao contrário do PSOL e do PSTU, que se esmeram nas suas tentativas de refrear o movimento e vêm se equivocando profundamente.
A construção de uma greve geral na universidade é a chave para derrotar o projeto privatista
A interferência direta e indireta do governo estadual dentro da universidade através do seu representante, João Grandino Rodas, articula o mais brutal ataque contra as organizações sindicais e estudantis desde a ditadura militar. A outra face dessa ofensiva se dá através de políticas – que precisamos desmistificar para mostrar o seu verdadeiro caráter retrógrado – que objetivam dividir a opinião da comunidade universitária.
Como já digredimos anteriormente, ao contrário do que diz o bloco oportunista composto pelo PSOL e PSTU, a brava resistência de centenas de estudantes que enfrentaram a polícia contra a prisão de 3 estudantes no dia 27 de outubro, a ocupação da sede administrativa da FFLCH e, posteriormente, a ocupação da Reitoria, coloca a luta contra o projeto de aprofundamento da privatização e elitização da universidade em um patamar totalmente distinto do que foi vivido durante quase todo o ano de 2011. Essas ações tiveram o grande mérito de denunciar a repressão contra as vozes críticas no interior da universidade.
É fato que Rodas continua desferindo ataques contra o movimento, mas não podemos desconsiderar que o fez durante as férias estudantis e sem que o movimento pudesse ainda reagir a altura. No entanto, apesar da virulenta campanha da mídia alinhada com o governo do estado de São Paulo, as ocupações e a greve estudantil foram fundamentais para que milhares de estudantes começassem a refletir e se mobilizar. Isso colocou a possibilidade real de derrotarmos o projeto reacionário em curso. É totalmente inverossímil afirmar que a correta resistência estudantil, apoiada em assembléias de base, colocou o movimento em situação mais desfavorável, como afirma textualmente o PSTU.
Temos pela frente muitos desafios. Os ataques realizados durante as férias pela Reitoria, como parte de um processo mais amplo de repressão preventiva17 contra os movimentos sociais, demonstram que é necessário superar o isolamento interno e externo no qual se encontrava a greve estudantil no ano passado e a superação desse isolamento é a tarefa de todos os setores – estudantes, funcionários e professores. A nosso ver, a superação desse isolamento passa pela estratégia de construir um movimento grevista generalizado no interior da universidade, que seja apoiado por amplos setores da classe trabalhadora e dos movimentos sociais.
Para isso, colocam-se tarefas que combinam a disputa ideológica, demonstrando o quanto as medidas desse projeto, tanto em longo prazo quanto em curto prazo, não interessam a maioria. Elementos para demonstrar que as políticas privatistas e repressivas de Rodas são nefastas para a universidade não faltam: improbidade administrativa, exclusão dos trabalhadores do interior da universidade, precarização e falta de funcionários, reformas curriculares e programas voltados para o interesse do mercado.
A radicalização dos estudantes demonstra, pelas duas ocupações, pela greve com piquetes, pelos atos e passeatas com milhares na universidade e fora dela – que já existe um importante movimento no qual temos que apostar a fundo para sua manutenção e ampliação. Essa aposta passa pela superação de toda forma de corporativismo e burocratismo no interior do movimento e pelo convencimento em relação à necessidade da unidade – que agora se concretiza na construção de uma greve unificada – contra o atual projeto de universidade e pela sua refundação.
Enfim, temos insistido que aqueles que defendem uma universidade voltada para os interesses dos trabalhadores 18 devem, além de lutar contra a privatização e a repressão no interior da universidade, lutar também por bandeiras que rompam e apontem para a ruptura com a sua histórica elitização.
Referências bibliográficas
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Revista Forum 106. Janeiro de 2012.
Karady, Victor. “Les Universités de la IIIème République”. In: VERGER Jacques, L’histoire des Universités en France. Toulouse, Privat, 1986.
Lênin,VI. A doença infatil do “esquerdismo” no comunismo, in Obras Escolhidas, p. 333. Editora progresso, Lisboa, 1979.
Lênin,VI. O estado e a revolução.Editora Global, 1987.
Ribeiro, Darcy. (1975) A universidade necessária. 2ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Trotsky, Leon. Aonde vai a França. Editora Desafio, 1994.
Trotsky, Leon. A nossa moral e a deles. http://www.marxists.org
Trotsky, Leon. Escritos sobre España. http://www.marxists.org
* Agradecemos a colaboração de Carlos Ranea pela elaboração de algumas partes desse trabalho, principalmente no subtítulo “Núcleo de Consciência Negra”, além da revisão geral deste artigo. Também agradecemos a importante contribuição de Augusto Rolim Saraiva na revisão do mesmo.
1. O que se evidencia, portanto, deste contexto, é que parte significativa dos estudantes das universidades percebe que não adianta esperar pela boa vontade do governo federal e da burocracia universitária (a última sustentada pelas fundações privadas) para terem condições básicas de permanência estudantil e direito à participação nos rumos da universidade. O meio que os estudantes, diante da política de expansão precária da universidade no Brasil, vêm adotando para tentar resolver os problemas que encontram são as greves, passeatas e ocupações.
2. O Reitor João Grandino Rodas tentou inaugurar um monumento em homenagem às vítimas da ditadura militar, com o nome de Revolução de 1964, e foi obrigado a corrigir o “erro”. No Brasil, para a maioria da população não resta dúvidas de que este período se tratou de um golpe militar, uma ditadura que vitimou centenas de pessoas. Assim, não encaremos este ato da reitoria como um erro, mas, um ato falho, uma caracterização consciente do que foi todo processo da ditadura.
3. Rodas, por descaso, destruiu grande parte da biblioteca da Faculdade de Direito, armazenando livros raros em local exposto a sol e chuva. Os danos, segundo intelectuais da área, foram imensos e irreparáveis.
4. A questão dos dois decretos 51.460 e 51.461, de 1º de janeiro de 2007, que feriam a autonomia universitária, surgiu a partir da denúncia feita por 2 professores da Unicamp ao jornal Folha do Estado de São Paulo, no dia 24 de janeiro (“Tendências e Debates”, p.3). Segundo os professores (Alcir Pécora e Francisco Foot Hardman), o problema central era que os decretos constituíam uma nova possível composição do Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo), com presidência vitalícia para o novo Secretário de Ensino Superior, e com centralização pelo aparelho estatal dos recursos materiais e humanos, o que deixaria o controle das três universidades estaduais de São Paulo (Unicamp, Unesp, USP) nas mãos do governo do estado de São Paulo e da gestão daquele momento, isto é, do PSDB e de José Serra, ferindo assim, de maneira fulminante a autonomia universitária das três instituições.
5. A greve da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) teve início no dia 13 de maio e foi encabeçada pelo STU (Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp) para que fosse atendida a reivindicação de aumento salarial de 16%, mais R$ 200 fixos, reivindicação esta que, após os 49 dias de greve, não foi atendida.
6. A demissão destes trabalhadores se deu pelo fato de serem funcionários aposentados que, contudo, permaneciam em serviço e que, por isto, podiam receber separadamente aposentadoria e salário, pois, uma sentença do Supremo Tribunal Federal permitiu a qualquer funcionário a obtenção de duas remunerações como fonte de renda, uma vez que salário e aposentadoria, a partir desta sentença transformaram-se em conceitos separados. Assim, segundo o artigo do Jornal do Campus de 28/03/2011, intitulado “A legalidade e a moralidade da demissão de funcionários aposentados da USP”, a partir desta sentença, em 2007, a USP baixou portaria dizendo que o aposentado teria o direito de optar se continua trabalhando ou não e, por isto, muitos prosseguiram trabalhando, com aposentadoria e salário. Porém, na gestão Rodas, que visa a cortar gastos a todo custo, isto é, dos trabalhadores (e não dos tapetes de mais de 30.000 reais de seu gabinete), as 270 demissões ocorreram e sem qualquer aviso prévio aos docentes. O último ataque, dando continuidade à onda de ataques aos trabalhadores, agora é o PROADE (“Programa de Acompanhamento de Desenvolvimento Funcional dos Servidores Técnico-administrativos da USP”) que é um programa que institucionaliza o assédio moral na universidade, por meio de avaliações que visam conferir o “desempenho” do trabalhador (desempenho segundo os níveis produtivistas da reitoria), podendo, ainda que este esteja em regime celetista, despedi-lo por “justa causa”, caso não preencha aos critérios de avaliação estabelecidos pela reitoria.
7. Um reflexo deste projeto que tem por finalidade o lucro para o fundo de pesquisas e para empresas privadas pode ser aludido na reforma do regimento geral da pós-graduação da USP, que foi proposta para o fim do mês de março de 2012, mas adiada por tempo ainda indeterminado pela atuação bem a tempo dos estudantes da pós-graduação. Esta reforma visa: transferir para os níveis básicos da hierarquia as decisões burocráticas e concentrar na pró-reitoria o poder de avaliação e intervenção nos programas o que significa que a burocracia acadêmica poderá, caso este projeto se dê, encerrar/desativar programas que julgarem de má qualidade; por força no mestrado profissionalizante (leia-se, voltado para o mercado de trabalho e para os interesses do capital); diminuir o poder do orientador na banca do orientando, fazendo com que a banca seja externa e impedindo que o orientador vote; criar uma espécie de ciclo básico de 12 meses ao final do qual o aluno passará por uma avaliação que decidirá se ele está no mestrado, no doutorado ou se será desligado com o certificado de cumprimento das disciplinas; Instituir uma pré-avaliação da tese em que o aluno poderá ser reprovado., sendo que essa comissão julgadora será também externa; aumentar o poder da “comunidade externa” e de “profissionais” da área, permitindo o credenciamento de orientadores não-doutores e a participação de não-doutores em bancas; e, finalmente, permitir defesas em inglês e/ou outras línguas.
8. Segundo a matéria do Jornal do Campus denominada “E quem garante os direitos dos Terceirizados?”, a assessora da Reitoria, ao ser consultada sobre a terceirização na USP afirmou que a “terceirização traz vantagens para a administração pública porque reduz o custo da folha de pagamento e permite flexibilidade, já que contratos com as empresas são modificados ou substituídos de forma mais simples do que quando se trata de quadro próprio” e, além disso, que a terceirização “facilita o processo de gestão de pessoas, pois se compra o serviço e a ineficácia do mesmo deve ser solucionada pela contratada, de quem são os empregados”. Esta declaração deixa mais que evidente a total indiferença da Reitoria para com os terceirizados, pois ao deixá-los nas mãos de empresas, que não lhes conferem os direitos que a esfera pública poderia conceder, acaba por piorar sua exploração, deixando-os em um regime de escravidão, seguindo aquele princípio que Marx já demonstrava em seus Manuscritos econômicos-filosóficos, isto é, de que “o trabalhador é mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais incrementa sua produção em potência e em volume”. (Marx, Karl: Manuscritos econômicos-filosóficos, Antídoto. Tradução livre.)
9. A pauta que defendíamos com relação à EACH era contra o fechamento de vários cursos,principalmente o de obstretícia, que na época era o que estava mais próximo de um ataque iminente. Além disso, defendíamos também a não diminuição de vagas para os diversos cursos da EACH, em que muitos corriam o risco de diminuir pela metade o seu número de vagas.
10. Dentro da luta dos trabalhadores terceirizados é importante colocar ainda o caso dos trabalhadores da BKM, que no dia 20 Setembro ocuparam uma sala da Cocesp (Coordenadoria do Campus da Capital) por 24 horas, após ficarem sem receber seus salários, atrasados em 15 dias. O Movimento Estudantil e o Sintusp, além de participarem da ocupação, garantiram um ato em apoio aos trabalhadores, no dia seguinte.
11. Já na época do estabelecimento do convênio, questionávamos não só o oportunismo da reitoria com relação à morte do estudante como também o silêncio do DCE, cuja gestão do PSOL não convocou sequer uma assembléia ou qualquer outra iniciativa para mobilizar os estudantes contra este convênio. Para mais detalhes, vide a matéria de Rosi Santos, de nosso jornal de Setembro de 2011, “Movimento Estudantil deve barrar projeto PSDBista”.
12. Com relação à prisão dos três estudantes o DCE, dirigido pela gestão do PSOL, mais uma vez deu prova de seu peleguismo tácito ao, em primeiro lugar, proceder de maneira a favorecer a prisão dos estudantes. Segundo o Jornal do Campus, edição de outubro, número 388, as reivindicações do DCE eram consoantes a da diretora da FFLCH, Sandra Nitrini, e defenderam a política de que “os estudantes deveriam ser encaminhados para a delegacia, pois os procedimentos não poderiam acontecer na própria universidade”. Tudo isso porque “buscavam preservar a integridade dos estudantes”. Ora, a pergunta óbvia que fazemos é que não seria melhor para buscar a integridade dos estudantes, defendê-los de serem levados à delegacia para serem fichados por um suposto porte de droga? Após isto, ainda na mesma matéria, vemos um relato de um diretor do DCE, do PSOL, dizendo que acreditava ser muito ruim que os estudantes tomassem “decisões radicalizadas”. Nisto, questionamos mais uma vez ao PSOL, se consideram que a prisão de 3 estudantes não é motivo para decisões radicalizadas, ainda mais num contexto em que já vinham sendo abordados inúmeros estudantes na universidade por uma polícia, que sabemos que não oferece qualquer segurança aos alunos ou funcionários. Mas, os dirigentes do DCE da gestão PSOL não param por aí e, ainda, na mesma matéria, um deles declara que “o que aconteceu na assembléia que decidiu a ocupação foi o convencimento de uma maioria conjuntural momentânea, o que é diferente de uma maioria significativa”. Perguntamos, então, ao PSOL, o que seria e, ainda mais para um partido que se diz socialista, uma conjuntura significativa, senão os inúmeros estudantes que ali se encontravam para defender seus colegas (coisa que o PSOL se recusou a fazer) e, mais do que isso, indagamos aos mesmos por que num momento que exigia, sim, uma resposta radical ao ataque proporcionado pelo convênio Reitor-PM, fugiram da luta?
13. Para entender um pouco melhor o passado oligárquico da USP, seu refinamento após a golpe de 1964 e os seus desdobramentos até hoje, desenvolvimento histórico que cria toda a política oligárquica, hierárquica e anti-democrática da USP, regida até hoje ainda, apenas por uma cúpula de livre-docentes, o Conselho Universitário (CO), e o próprio reitor, sem a participação dos funcionários, professores e estudantes; ler o já mencionado libreto publicado pela Adusp (Associação dos docentes da USP): “O controle ideológico na USP (1964 -1978)”.
14. Em seu boletim USP Destaques No. 50, a reitoria, além de exigir o veto da utilização do nome USP do NCN, que anteriormente tinha por nome Núcleo de Consciência Negra na USP (o que já mostra o a falta de interesse da burocracia de firmar um convênio com o espaço), alega que o plano de trabalho enviado pelo NCN para viabilizar sua “regularidade” no espaço acadêmico, segundo os órgãos técnicos da Reitoria, após uma análise, “não condizia com a legislação vigente”. Cabe aqui uma reflexão se a legalidade deveria ser o critério para tal análise, ou se, em verdade, não deveria ser a legitimidade do espaço, que há anos vem refletindo e atuando em favor da sociedade e, principalmente, da parte mais oprimida desta sociedade.
15. Além do aliciamento dos espaços, agora a lógica é a de aliciar até mesmo os professores e de um modo ridículo. Segundo o jornal Estado de São Paulo do dia 25 de fevereiro de 2012, no artigo “A USP e seus desafios”, na semana anterior a data de publicação deste artigo, o Conselho de Graduação (CoG) “aprovou a proposta da pró-reitora Telma Zorn de premiar docentes mais bem avaliados com equipamentos eletrônicos e até financiamento de viagens para participação em congressos internacionais. Pela decisão, os professores que lecionavam nos 240 cursos de graduação da USP ficam sujeitos a um regime de pontuação que leva em conta, entre outros itens, a “empatia” com alunos, número de livros didáticos escritos, as atividades de orientação de trabalhos de conclusão de curso aprovados com louvor e de trabalhos de iniciação científica premiados , a oferta de disciplinas optativas livres e a coordenação de turmas”. O que este projeto esconde na verdade é a precariedade dos cursos da USP que, já em sua Graduação, apresentam um enorme número de desistências, justificadas pelo fato de que o CoG “transformou em escárnio a discussão sobre a reforma dos cursos de graduação da USP, que, em sua maioria, estão com currículos ultrapassados”, além, é claro, de ser um “cavalo de tróia” que busca comprar os professores para fazê-los esquecer de que a burocracia deveria melhorar as condições de trabalho, com menos classes lotadas e com equipamentos básicos para a sala de aula.
16. Segundo a “Carta-Denúncia sobre o Programa de Inclusão Social na Usp (Inclusp), publicada em 2010 pelo NCN, este programa de suposta “inclusão” promovido pela reitoria, não inclui em nada, na verdade. O programa perdura desde 2006 até os dias atuais, sendo que obteve leve modificação por volta de 2010, quando se tornou ainda mais elitista do que outrora. Desde sua implementação, o Inclusp se baseia em 3 tipos de Ações: Antes do Ingresso (na universidade), Durante o ingresso e Após o Ingresso, sendo que no que se refere às ações Antes do Ingresso, que supostamente deveriam estimular o ingresso de alunos de escolas públicas (colaborando, inclusive,com a presença e expansão de cursinhos populares na USP), simplesmente não foram executadas e o PASUSP (avaliação seriada promovida pela reitoria para aumentar a nota dos alunos de ensino público, tornando-os mais “favoravelmente competitivos” contra os alunos de ensino privado, supostamente facilitando assim seu acesso ao ensino superior), que obteve menos de 20.000 alunos em seus 3 anos de existência, incluiu apenas 377 alunos da escola pública. Já o bônus proposto como ação durante o ingresso, quase não gerou inclusão nos seus 4 anos de funcionamento e, mesmo assim, a Pró-Reitoria de Graduação da USP, fascinoramente propôs retirar os 3% do bônus universal e diminuir o total de bonificação de até 12% para 11% e, ainda, com restrição de participação de alunos. Já as ações após ingressos são ainda mais ridículas, pois o que se vê dentro do ambiente universitário é a falta de informação, de moradia estudantil e de políticas de permanência estudantil. Nós, do Práxis, entendemos ser mais do que urgente a ampliação do acesso à universidade, principalmente pelos setores mais oprimidos da população, contudo, não acreditamos que isso seja factível apenas com projetos reformistas de qualquer ordem no âmbito da educação. Acreditamos, ao contrário que a única maneira real de se alcançar os setores da população excluídos do acesso à universidade é pela extinção do filtro elitista que impede tal acesso, isto é, o vestibular, exame que só serve como ferramenta para potencializar a exclusão social.
17. A classe dominante se prepara, devido ao acirramento da crise econômica – a previsão menos sombria é que a Europa só vai voltar a crescer em 2014 – para tempos de maior polarização e luta entre as classes.
18. Neste sentido, a discussão do fim do vestibular e do investimento massivo para a construção de uma estrutura que atenda a todos, para sermos conseqüentes na crítica ao seu atual caráter, é fundamental.