Os desafios do PSOL em seu 6º Congresso
Apresentar uma alternativa socialista para as lutas e para as eleições
POR ANTONIO SOLER
O pré-Congresso do PSOL ocorre em meio à tentativa do governo e da classe dominante em estabelecer uma situação política reacionária, pois importantes medidas regressivas estão sendo impostas contra os trabalhadores e as forças reacionárias estão na ofensiva apesar da resistência dos de baixo. Não se trata de um Congresso ou Conferência partidária a mais, os desafios postos nesse momento têm dimensões históricas para o partido, para a esquerda e para a classe trabalhadora e os oprimidos como um todo. Desafios que vão da necessidade de armar o partido com uma política radicalmente socialista para enfrentar a ofensiva reacionária e construir uma alternativa para a luta direta e para as eleições, tudo isso sem perder de vista a estratégia de disputar a hegemonia da direção da classe trabalhadora e da juventude com o lulismo. Pensamos que o debate interno nesse pré-Congresso do PSOL está marcado por perspectivas unilaterais em relação à correlação de forças entre as classes, visões que desconsideram mediações centrais da luta de classes no Brasil atual. Uma determinada estreiteza que afeta os debates em torno da conjuntura política e da tática eleitoral, passando, evidentemente, pelos debates programáticos e estratégicos.[1] Por essa razão, antes de entrar no tema da tática eleitoral, pensamos ser importante passar por uma análise inicial da situação em que vivemos, pois é a partir dessa análise, do terreno concreto da luta de classes e das nossas estratégias que derivam nossas políticas.
De junho de 2013 à ofensiva reacionária
Partimos de um breve recuo a junho de 2013, pois entendemos que essa conjuntura inaugurou um ciclo mais geral da luta de classes que ainda não se fechou. No entanto, entendendo que o processo de polarização social aberto nesse período se mantida for a atual ofensiva reacionária pode estar nos últimos limites de sua validade.
A partir de Junho de 2013 entramos em um ciclo mais amplo da luta de classes que já dura um pouco mais de 4 anos que já conta com diversas situações e conjunturas.[2] Deste momento até a derrota da greve dos Metroviários de São Paulo, em junho de 2014, foi aberta uma situação de ofensiva das lutas da juventude e dos trabalhadores. Mas, a partir da derrota dos Metroviários, da unificação da burguesia e do governo Dilma em torno de uma megaoperação repressiva contra as lutas salariais para reprimir os movimentos contra a Copa do Mundo, uma nova situação foi aberta.
Essa nova situação foi caracterizada pela polarização entre a direita reacionária e o governo de conciliação de classes. Situação que foi sedimentada pelo aprofundamento da crise econômica na América Latina e no Brasil, pelo giro neoliberal do governo Dilma e pela ação massiva da nova direita que passa a se organizar no MBL e congêneres.
Diante dessa polarização entre governo e direita, a classe trabalhadora como tal não participou ativamente do processo, pois ficou premida entre dois polos que não representavam os seus interesses e sem poder contar com uma terceira via, uma alternativa à conciliação de classes e à ofensiva reacionária iniciada nesse momento. Os atos contra o impeachment foram basicamente realizados pela militância petista, pois a direção lulista não chamou à ruptura com a linha neoliberal de Dilma, não apresentou uma proposta de governo alternativa e, muito menos, ações mais contundentes contra a ofensiva reacionária.
Dinâmica essa que mais uma vez demonstra a incapacidade histórico-estrutural do reformismo em defender os interesses dos trabalhadores e da juventude, principalmente quando as condições políticas colocam uma real polarização entre as classes, permitindo assim que as forças reacionárias que estiveram à frente do processo de impeachment assumissem o governo. Desta forma, Dilma e PT acabaram aceitando sem resistência real as manobras palacianas (parlamentares e judiciais) que os desalojaram do governo e impuseram outro arranjo governamental em que predomina representantes diretos do capital financeiro e da velha oligarquia partidária.
Ofensiva reacionária e contrarreformas
Diferentemente da anterior polarização entre as forças reacionárias e governo de conciliação de classes, o pêndulo político gira ainda mais à direita. Assume o comando do Estado uma composição governista abertamente reacionária que passa a impor medidas regressivas que afetam o conjunto dos trabalhadores, abrindo uma situação diretamente conservadora.
Temer, apesar de sua impopularidade histórica – a maior aferida desde que pesquisas são feitas nesse sentido -, de ser denunciado duas vezes pela Procuradoria Geral da República (PGR) e de ter contra sua permanência no governo setores da burguesia, tem apoio total da classe dominante, do judiciário e da ampla maioria do Congresso para aplicar sua pauta de medidas historicamente regressivas. Além disso, o processo de impeachment e a ofensiva ideológica que se seguiu cumpriu o papel de convencer uma parte da classe trabalhadora de que não há alternativa para a crise econômica, o desemprego e falta de investimento no setor público que não seja pelas medidas neoliberais.
Apesar de não haver automatismo entre um governo reacionário e uma situação política desfavorável, pois existem outras mediações que atuam na realidade, como as lutas de resistência, a (im) popularidade do governo, a postura das direções burocráticas e o consentimento das classes subalternas, a imposição de Temer a partir de uma manobra reacionária tem o seu peso na realidade. Essa nova situação permitiu que no início do seu governo Temer aprovasse a PEC 55[3] em dezembro de 2016. No entanto, uma conjuntura mais favorável no interior dessa situação conservadora ocorre a partir do debate crítico em torno da proposta de “reforma da previdência” a partir de fevereiro de 2017.
A crescente crítica à reforma da previdência, o desemprego massivo, o arrocho salarial e a precarização geral das condições de existência reaquecem a luta contra o governo. Foi aberta assim uma conjuntura de alguns meses em que a possiblidade de frear as contrarreformas e derrubar o Temer poderia ser considerada efetivamente. Grandes atos (15 e 30 de março) e uma importante greve geral (28 de abril) ocorreram contra a reforma da previdência, o que somado à denúncia da PGR contra Temer na Câmara dos Deputados, permitiu a contenção do o avanço da pauta reacionária.
Mas, essa conjuntura de resistência efetiva não durou muito, pois a política da CUT em adiar a convocação da segunda greve geral e das demais centrais em negociar o imposto sindical com o governo permitiram que a coalisão reacionária se recompusesse. Desta forma, foram aprovadas nesse vácuo de mobilização a “reforma trabalhista”[4], a “reforma política”[5] e as denúncias da PGR não foram acatadas pela Câmara dos Deputados.
Entramos em um momento de definições estruturais
Como podemos perceber, essa situação conservadora aberta após o impeachment não foi desprovida de resistência. Nas primeiras semanas de governo Temer surgiu uma circunstância de resistência juvenil com a mobilização espontânea em São Paulo e mais de um mês de ocupações em várias sedes locais do Ministério da Cultura promovidas por artistas e produtores culturais.
Da mesma forma, várias Universidades Federais tiveram reitorias ocupadas contra cortes orçamentários e contra a Reforma do Ensino Médio. Já no começo de 2017 organizamos atos massivos em março e uma poderosa Greve Geral em abril. Além disso, uma série de outras lutas localizadas são/foram importantes, tais como greves operárias por salário e emprego, de servidores públicos, ocupações multitudinárias por moradia e a luta das mulheres em defesa dos seus direitos contraceptivos.
No entanto, apesar da resistência que não foi sufocada e da oscilação de conjunturas mais e menos favoráveis aos trabalhadores, estamos de uma forma geral desde o impeachment de Dilma em uma situação marcada pelo avanço das contrarreformas. Uma situação na qual a correlação de forças é claramente desfavorável, permitindo ao governo impor medidas historicamente regressivas.
O que não significa que tenhamos entrado em uma situação política ou ciclo político de conjunto já reacionário, pois nem a juventude, as mulheres ou a mesmo a classe trabalhadora sofreram derrotas históricas. Não sofremos uma derrota direta na luta de classes, como foi a derrota da greve nacional dos petroleiros em 1995 que permitiu ao governo FHC avançar em sua política neoliberal e ao lulismo mais de uma década de pacificação da luta de classes. Todavia, uma derrota a longo prazo pode ser imposta por um somatório de derrotas parciais.
Estamos agora em uma nova conjuntura de fortalecimento do governo. Temer recuperou a iniciativa para aprovar a contrarreforma da previdência e pode finalizar seu mandato com um balanço terrível para os trabalhadores. O que se efetivado colocaria um ano eleitoral sob uma situação política abertamente reacionária, permitindo à classe dominante avançar ainda mais nas contrarreformas e impor inclusive a eleição de um governo de extrema direita, findando de vez com a polarização política inaugurada em 2013.
Superar lulismo nas lutas e nas eleições
É nesse cenário em que ocorre o pré-congresso do PSOL e os riscos dessa situação claramente desfavorável não podem ser desconhecidos, ignorados ou relativizados.
Dessa forma, é necessário priorizar a unidade de ação contra o governo e suas medidas regressivas. Mas, a unidade de ação é uma tática totalmente insuficiente na situação em que vivermos, para enfrentar o lulismo[6] é necessária a mais ampla unidade de todos os partidos da esquerda independente. Desconhecer essa condição tão evidente da realidade brasileira, como faz PSTU e algumas correntes internas do PSOL, leva a esterilidade política, pois não se pode fazer frente às manobras e traições da burocracia no interior dos organismos de massas e das frentes de luta.
De forma errônea a necessidade de uma frente de esquerda é tomada no interior por alguns setores. Evidentemente que não se trata apenas de apresentar uma candidatura ou programa para as próximas eleições, vai para muito além disso! Pois em uma situação em que opera uma forte ofensiva reacionária, em que a classe trabalhadora está politicamente enredada pela burocracia e em que a esquerda socialista é extremamente minoritária, esse instrumento do fazer político socialista básico é decisivo se quisermos realmente contribuir para impulsionar a resistência contra Temer e superar a burocracia na direção política das massas.
Não dar conta disso é um erro terrível e que só pode levar à esterilidade política, como já apontamos acima. O fenômeno da ofensiva reacionária não colocou como contrapartida o enfraquecimento imediato da burocracia no interior do movimento, mas o seu fortalecimento relativo. Apesar de crivada de denúncias e de ter caído em desgraça devido ao envolvimento na corrupção sistêmica, essa é tomada como vítima do processo por amplos setores de vanguarda e como único setor capaz de enfrentar os ataques de Temer e da classe dominante.[7]
Como não poderia deixar de ser, o tema da tática eleitoral para 2018 permeia o pré-congresso do PSOL e todo e qualquer discussão política com pé na realidade. Além do fato de que esse já é um dos debates políticos que tomam a cena nacional desde uma orientação burguesa ou burocrática, apresentar uma candidatura como expressão de uma plataforma política pela esquerda é decisivo para a construção de uma alternativa imediata, eleitoral e estratégica.
Assim, ao contrário do que dizem os sindicalistas[8], economicistas e sectários de plantão: a ausência de uma alternativa unificada pela esquerda ao lulismo apenas atrapalha a luta imediata. Nesse momento, a construção de uma alternativa programática, organizacional e política é um fator de mobilização contra os ataques imediatos, não é um dispêndio de forças que desvia o foco da mobilização contra as reformas, mas a aposta necessária em um campo independente de luta que seja uma alternativa política à ofensiva reacionária em curso.
Uma candidatura para unificar a esquerda socialista
O debate eleitoral para 2018 no PSOL está desprovido da conexão entre táticas eleitorais, da luta de classes imediata e dos desafios estratégicos que enfrenta a esquerda socialista.
A construção de uma candidatura majoritária em todas as escalas da política deve passar hoje pela necessidade imperiosa de apresentar uma alternativa contra as “reformas”, construir uma frente de esquerda e apresentar um projeto que transcenda o lulismo – visto que esse projeto de conciliação, como todos os demais na história, acaba de fracassar pela sua incapacidade prático-política de resistir à polarização da luta de classes. Neste sentido, a escolha de uma candidatura pelo PSOL tem que cumprir a tarefa de impulsionar a luta contra as reformas, a construção de uma frente de esquerda e de uma plataforma anticapitalista, não podemos tratar esses elementos de forma separada.
Alguns setores da esquerda do partido têm apresentado pré-candidatos respeitáveis enquanto quadros partidários (Luciana Genro, Plinio de Arruda Sampaio JR, Nildo Ouriques…), mas que não poderiam cumprir hoje com essa necessária e complexa tarefa. Chama a atenção o fato de que alguns desses coletivos dizem defender a construção de uma Frente de Esquerda Socialista, mas na hora de formular táticas eleitorais apresentam nomes que jamais poderiam unificar a esquerda socialista.
Também temos aqueles que apresentam um argumento escapista em relação à tática eleitoral ao dizer que antes de definir o nome do candidato é necessário estabelecer o programa das eleições para que candidato x ou y o assuma.
Esse argumento é extremamente formal, pois cabe ao PSOL sim formular um programa e apresentar uma pré-candidatura, mas se realmente queremos uma aliança no interior da esquerda radical precisamos submeter o programa ao debate com as demais organizações e procurar uma candidatura que possa ser maior do que o PSOL. Apenas assim poderíamos montar uma coalisão real da esquerda socialista, uma Frente de Esquerda Socialista em condições de construir um terceiro campo de disputa com a direita e o lulismo.
Desta forma, em um cenário que pode derivar para uma situação abertamente reacionária de derrota histórica dos trabalhadores, eleição de um governo de extrema direita e até de imposição de um regime com traços ainda mais bonapartistas, definir nos limites do PSOL um programa, táticas eleitorais e candidaturas é de uma estreiteza propagandística, de um sectarismo, impensável para um partido que pode ser um fator real para o desdobramento da luta de classes, para o destino político do país e da classe trabalhadora.
Já a direção majoritária do PSOL – Unidade Socialista (US) – faz gestões no sentido de atrair para o PSOL o nome de Guilherme Boulos (Direção Nacional do MTST). Tática essa parcialmente correta, mas prejudicada pela visão eleitoreira desse setor que também quer limitar essa candidatura dentro dos limites do próprio partido, da Frente Povo Sem Medo ou da Plataforma VAMOS. Isso também é uma tática estreita dentro da necessidade de um processo mais amplo de coalização com vistas a realizar uma disputa profícua de setores de massa com o lulismo. O PSOL tem que fazer um exercício de elaboração programática para intervir para fora do partido, na plataforma VAMOS, nos debates com demais partidos e organizações, mas com o objetivo de construir uma Frente de Esquerda Socialista.
Dentre os dos nomes que estão sendo discutidos, o que melhor pode catalisar a esquerda socialista e amplos setores de vanguarda é o de Boulos. Pela sua inserção no movimento social, particularmente da luta por moradia, pode trazer para essa composição eleitoral um setor social de massas que vai muito além das atuais forças do PSOL. Mas, pensamos nessa tática de ampliação eleitoral com uma perspectiva radicalmente distinta da que está levando a US. Ou seja, para nós essa tática tem que servir como ponte para unificar a esquerda independente, construir uma Frente de Esquerda Socialista e um programa que vá para além das políticas de compensação social e que aponte para a necessária transformação socialista da realidade brasileira. O contrário seria apenas a proposta de repetição da conciliação de classes levada a cabo pelo PT desde 2003 no governo federal e durante a década de 1990 nas administrações estaduais e municipais.
Enfim, a escolha de um candidato deve levar em consideração não apenas as necessidades de fortalecimento do PSOL, principalmente em meio a ofensiva reacionária em que vivemos, mas que esteja a serviço da construção de uma coalisão entre partidos, movimentos e organizações no campo da independência de classes, que sirva para impulsionar a construção de uma plataforma socialista em comum[9], uma alternativa ao lulismo e que responda de forma imediata aos ataques históricos que estão em curso.
[1] É be-a-bá da política saber que para caracterizar uma situação é necessário identificar as principais tendências que dão dinâmica para os acontecimentos. Não se pode fazer uma análise unidimensional que desconsidera as contra tendências e nem fazer um amalgama de elementos que não define o sentido do processo que está em curso. Mas é preciso tentar captar as principais tendências e contra tendências para que se possa desenvolver a política mais ajustada possível, não menos evidente é o fato de que apenas pela ação político-prática poderemos avaliar nossos acertos e erros.
[2] Um ciclo é um período de tempo em que se estabelece uma crise política e econômica mais ampla, o que poderia ser chamado um período de crise orgânica (Gramsci). Nesse ciclo de crise de dominação pode haver situações de vários tipos que podem durar meses ou anos.
[3]Reajuste orçamentário apenas pela inflação do ano anterior das receitas primárias (verbas destinadas ao sistema não contam como despesas primárias) do governo por 20 anos.
[4]O negociado se sobrepõe ao legislado, fim da distinção entre atividade fins e atividade meio para terceirizar produção e serviços, jornada de trabalho intermitente, redução de tempo de almoço com retrocessos históricos e etc.
[5]3% de votos em 9 estados nas próximas eleições para que se tenha direito a tempo de TV e fundo partidário, o que pretende colocar a esquerda socialista ainda mais na marginalidade no próximo período.
[6]Queiramos ou não, a burocracia é um fator de veto sobre o avanço da luta concreta e da perspectiva estratégica das massas trabalhadoras e de setores amplos da vanguarda,
[7]A posição eleitoral de Lula chega a 36% das intenções de votos e rejeição de 46%, um indicador desse fenômeno contraditório.
[8] Aqui não se trata do uso comum do termo sindicalista, mas dos que pensam que se pode partir apenas das lutas corporativistas. Diferente dos economicistas que pensam que a luta por questões imediatas é suficiente. Contra os dois as correntes políticas revolucionárias apresentam plataformas que partem das necessidades imediatas, mas que procuram fazer a ponte com saídas de poder, ou seja, políticas nacionais.
[9] Programa que, certamente, não pode deixar de passar pelas reformas estruturais tão necessárias e não resolvidas em nossa formação social. Mas, não podemos deixar de compreender que tais reformas só se sustentam dentro de um quadro mais geral de medidas anticapitalistas e dentro de um quadro de radicalização da classe trabalhadora. Em meio a época imperialista, as tarefas democráticas só podem ser realizadas verdadeiramente pela luta revolucionária das massas trabalhadoras, todo o século XX, e a recente experiência com o lulismo também, demonstra isso de maneira cabal.
Por Antonio Soler, 22/11/17