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A crise política na qual o país está inserido desde o início do ano tende a se prolongar para o próximo semestre, pois se trata de uma crise estrutural e composta por uma combinação complexa de elementos e de difícil solução. De forma diversa do que foi o processo de impeachment de Fernando Collor de Melo, em 1992, o “movimento” pró-cassação de Dilma se inclina à direita e tende a fortalecer os setores mais conservadores. Mas, a classe trabalhadora e a juventude continuam a demonstrar disposição de luta contra os ataques do governo e dos patrões, por isso a esquerda socialista tem responsabilidade ainda maior de apresentar uma saída para a atual crise a partir de uma política independente do governo e dos patrões.
Repressão governista fortaleceu setores reacionários
Com o fim da base econômica que sustentou os governos “lulistas” até 2009 crises políticas começaram a vir à tona. A primeira expressão de crise política que desembocou na atual situação ocorreu através das lutas operárias na construção civil em 2011, particularmente nas obras do PAC. Depois, em junho de 2013, a condição de pacificação das massas explode totalmente com a gigantesca onda de indignação juvenil-popular contra o aumento das passagens em junho de 2013.
A partir de 2014, a crise econômica mundial, inicialmente amenizada pelas políticas anticíclicas, volta a incidir duramente sobre a economia. Além disso, a estabilidade política vivida na década anterior já tinha sido deixada para traz e o cenário está povoado pela intensificação da luta dos trabalhadores.
Um alinhamento reacionário entre governo, oposição burguesa e mídia de massa se pode observar claramente nos meses que antecederam a abertura da Copa do Mundo. Foi suspensa toda crítica aos problemas relativos ao planejamento, desvios e gastos públicos no evento. Em seguida, uma operação político-repressiva para conter as manifestações e greves que pipocaram no primeiro semestre de 2014 foi montada em nível nacional sob a coordenação do governo e de sua base de sustentação (incluindo o PT e CUT). Esse operativo contou com a aliança dos governos estaduais, notadamente o paulista, e seus respectivos partidos, incluindo PSDB.
Essa aliança política de viés reacionário em torno da realização da Copa foi bem-sucedida, pois conseguiu estabelecer uma correlação de forças totalmente desfavorável para a luta dos trabalhadores e da juventude que no primeiro semestre de 2014 vinha em dinâmica de ofensiva.
Como resultado deste embate tivemos, às vésperas do início da Copa, a derrota da greve dos metroviários de São Paulo e os movimentos críticos ao evento duramente reprimidos.
O segundo semestre de 2014 foi tomado pela disputa eleitoral e por uma conjuntura de recuo do movimento. A aliança episódica do governo com a oposição burguesa se desfaz e a polarização política deixa as ruas e passa momentaneamente para o terreno da disputa eleitoral. Diante da polarização eleitoral o marketing político de Dilma teve como estratégia a denúncia de que os seus principais adversários desenvolveriam políticas de ajuste que acabariam com as “conquistas sociais” dos governos anteriores.
Dilma se reelege, mas em um contexto de polarização eleitoral que não se via desde a disputa de 1989 na disputa entre Collor e Lula. Além de uma margem de apenas 3,28% dos votos, a mais apertada depois do final da ditatura militar, o governo perdeu de lavada em São Paulo e nas regiões mais industrializadas do país, inclusive no principal cordão industrial paulista localizado na região denominada como ABC Paulista. Os números da eleição refletem a perda de sustentação política do governo em setores-chave da sociedade, notadamente na grande burguesia, na classe média urbana e na classe trabalhadora industrial.
A ruptura da classe média com Dilma já tinha se realizado totalmente, isso se manifesta diretamente na polarização eleitoral. Mas, quando Dilma após a eleição para ganhar o apoio do capital financeiro internacional passa a aplicar a política de ajuste ipsis litteris ao que seriam as medidas da oposição acaba de jogar pela janela o seu capital político junto à classe trabalhadora industrial e mesmo entre os seguimentos mais empobrecidos desta, concentrados no norte e nordeste do país.
Cenários diante de uma crise plenamente instalada
Os ataques do governo aos trabalhadores não foram apenas políticos/econômicos, mas diretamente policiais/repressivos. Ou seja, a atual “onda reacionária” foi também construída pela política governista que cerrou fileiras com todos os setores da burguesia para conter a onda a indignação aberta em junho de 2013. A ironia da história política recente brasileira é que a articulação repressiva, com o governo no centro, para conter o movimento estudantil e operário acabou resultando em uma correlação de forças que agora ameaça a própria continuidade de Dilma/PT no governo federal.
Dentro da perspectiva conservadora na qual se movimenta a coalização preventiva desde 2002 não há mudança de paradigma em relação à política econômica a partir da eleição presidencial de 2014. A principal diferença entre o momento atual e 2002 é que naquela ocasião Lula se deparou com um ciclo de crescimento econômico mundial que durou quase uma década.[1]
Além dos elementos mais estruturais que isolam o governo, no início do ano Dilma cometeu um erro político quase infantil ao disputar com o seu principal aliado (PMDB) a presidência da Câmara dos Deputados. Assim, o maior partido na Câmara dos Deputados, e parte da chapa presidencial, passa a se comportar abertamente como oposição.
A partir deste quadro e das manifestações massivas puxadas pela classe média contra a corrupção e com viés de direita que arrastaram para as ruas de todo pais milhares de pessoas é construída a “tempestade perfeita”. Esses fatores fazem com que o arranjo político que já estava esgarçado entre em crise terminal.
Após a declaração do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), de que está rompendo com o governo, a situação ganhou um componente de maior dramaticidade, pois cabe ao cargo de Presidente da Câmara dar andamento ou não ao processo que pode levar ao impeachment da presidente. Mas, o movimento político de Cunha após ter o nome diretamente citado como beneficiário de 5 milhões na forma de propina não teve o efeito esperado junto ao seu partido e aos deputados que o seguem, pois a denúncia contra o presidente da câmara acabou tendo o efeito de isolar o que é hoje o inimigo número um do governo que, aliás, pode ter o seu mandato sendo cassado a partir de uma denúncia da PGU (Procuradoria Geral da União).
A partir deste novo desdobramento houve um enfraquecimento episódico da ameaça sobre Dilma, mas a sua situação está longe de ser resolvida, pois há disposição do TCU (Tribunal de Contas da União) em reprovar as suas contas, o que permitiria ao Presidente da Câmara dos Deputados (Cunha) abrir um processo político que poderia redundar no impeachment de Dilma.
Alívios circunstanciais não superam a pressão da oposição burguesa no sentido de criar as condições para uma possível deposição de Dilma por meio do impeachment ou pela cassação da chapa presidencial Dilma(PT)-Temer(PMDB) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No caso de cassação da chapa, situação política inusitada, o poder presidencial haveria a convocação de novas eleições presidencial no prazo de três meses. Com a abertura de processo de impeachment haveria mairo resistência da presidente, do PT e de uma parte significativa do movimento social e sindical, o que abriria um período político bastante convulsionado.
A crise é profunda e não terá um desfecho fácil para a mandatária presidencial e o seu partido. No entanto, uma saída que passe pela substituição pura e simples de Dilma se depararia com a dificuldade de encontrar lideranças em condições políticas para substituir Dilma. Estamos diante de uma situação que tende a um desfecho que, de uma forma ou outra, irá deslocar do poder o arranjo político em crise reeleito em outubro de 2014 por via do impedimento da presidente ou de uma concertação nacional na qual Dilma, PT e PMDB terão que ceder importante espaço governamental para se segurar no governo.
No atual cenário o pêndulo se inclina à direita, no entanto, o destino do governo ainda não está selado. A nosso ver, se as manifestações previstas para agosto repetirem a massividade das manifestações do mês de março e colocarem milhões de pessoas na rua contra o governo uma saída pela via do impeachment ou cassação da chapa Dilma-Temer seria sedimentada, do contrário, a via de uma concertação nacional que já começa a ser ensaiada por Lula pode ser a alternativa mais provável.
A classe dominante e suas instituições centrais, diante das contradições do processo e da ausência de uma liderança política à altura do atual desafio, parece preferir uma saída que implique em menos riscos institucionais e que permita retomar de forma segura para a classe dominante o ajuste fiscal que lhe interessa.
Um processo de impedimento de Dilma, por uma via ou outra, em pouco se assemelha ao processo contra Collor em 1992. Naquele momento, o sujeito que protagonizou a luta contra o governo foi um movimento estudantil contra a corrupção com uma inclinação esquerdista difusa contra um governo que dava os primeiros passos para a implantação das políticas neoliberais no Brasil. Atualmente o movimento de rua que questiona o governo tem como dirigentes setores e partidos claramente reacionários que levantam a bandeira da luta contra a corrupção, mas no sentido de fortalecer as políticas neoliberais e o estado capitalista.
Lutar pela construção para uma saída a esquerda
No atual cenário há uma ofensiva contra a classe trabalhadora e a juventude que ocorre em várias frentes: 1) Uma ofensiva do governo para manter o superávit primário impõe um ajuste fiscal impõe medidas que restringem direitos e impõe cortes orçamentários terão grande incidência sobre a dinâmica da economia, saúde e educação pública; 2) A votação de medidas abertamente reacionárias no Congresso como a generalização da terceirização, a reforma política que coloca a esquerda revolucionária praticamente na ilegalidade e medias contra a juventude e as mulheres trabalhadoras, como a redução da maioridade penal e maior restrição ao aborto; 3) E, por último, mas não menos importante, no cenário de recessão econômica a ação da patronal no sentido de impor aos trabalhadores a quebra do contrato de trabalho para manter a lucratividade, o que tem gerado um acelerado crescimento do desemprego e achatamento salarial.
Para resistir a estas três frentes de ataques governamentais-patronais contra os trabalhadores, lutar por um programa anticapitalista para a crise e apresentar uma saída política autônoma é necessário construir um movimento independe dos patrões e do governo que, apesar das encaniçadas disputas palacianas, são parte da mesma força anti operária.
A conjuntura exige a construção de um movimento que lute por um programa anticapitalista contra o desemprego que se daria pela redução da jornada de trabalho sem redução do salário, proposta avessa ao Programa de Proteção do Emprego (analisado no artigo Dilma lança MP de proteção ao lucro e arrocho salarial presente nesta edição do Boletim Eletrônico do Práxis). Por seu turno, a inflação galopante que já chega a 9% ao ano exige a reposição mensal do salário de acordo com a inflação medida pelo DIEESE de forma que o salário seja minimante preservado.
A configuração do atual movimento contra o governo, apesar de mobilizar setores de massa, tem viés abertamente contrário aos interesses dos trabalhadores, por essa razão a esquerda socialista não pode se posicionar a seu favor. O que se trata é de construir um movimento independente dos trabalhadores e que parta das necessidades mais prementes dos mesmos e vá até uma saída que interesse a classe trabalhadora e não que redunde no fortalecimento ainda maior dos setores mais reacionários da classe dominante.
Não concordamos com os setores da esquerda que não diferenciam estes processos e que pensam que a queda do governo pela atual via seria progressivo. Este é o caso do PSTU que em uma nota assinada por Zé Maria afirma que “precisamos ajudar a impulsionar e organizar a luta da nossa classe para colocar para fora o quanto antes este governo, buscando na luta construir uma alternativa classista e socialista (contra o PT e contra a direita) para substituí-lo”[2].
É claro que os trabalhadores têm o direito, e o dever, de colocar de pé um movimento pela derrubada de um governo que está a serviço da classe dominante. Mas, não demarcar que esse movimento dos trabalhadores precisa ser construído sobre bases totalmente distintas do processo em curso dirigido pela burguesia e que, se vitorioso for, pode inclinar ainda mais a situação à direita é de uma imensa cegueira. A formulação do PSTU não compreende que no cenário atual a queda Dilma iria fortalecer os setores mais conservadores da classe dominante, abrindo caminho direto para um governo do neoliberalismo puro e duro em nível nacional e que estaria em aliança com os setores mais reacionários da política nacional.
Na mesma nota criticada acima o PSTU afirma que “tem defendido e feito frente única e mesmo unidade de ação com toda e qualquer organização, sempre que possível e necessário”[3]. Essa organização, mesmo diante de uma crise que pode ter uma solução política desfavorável para os trabalhadores em curto prazo, não faz nenhum chamado concreto às organizações de esquerda para lutar por uma saída independente para a crise. Assim, dentro desta perspectiva politicamente rebaixada a defesa do chamado de greve geral do PSTU não passa de formalidade e acaba surgindo como propaganda estéril.
No atual momento é necessário sim que os trabalhadores se mobilizem contra o conjunto de ataques que sofre do governo, congresso e patrões, porém com uma linha classista, defendendo medidas anticapitalistas e uma proposta concreta de alternativa de poder. Por isso, uma política frentista se faz mais necessária do que nunca, mas as maiores organizações da esquerda socialistas, como o PSTU e as correntes de esquerda do PSOL, estão longe de defender qualquer iniciativa de construção de uma unidade mais permanente para criar algum ponto de apoio e poder interferir com uma perspectiva classista na atual crise.
A esquerda socialista precisa romper como o corporativismo e apresentar uma saída anticapitalista em oposição frontal à estratégia patronal de transferir a crise econômica para os trabalhadores e impor uma saída que fortaleça ainda mais a posição da classe dominante. É necessário construir um programa dos trabalhadores que apresente saídas anticapitalistas a partir das necessidades mais sentidas da classe trabalhadora e da juventude (desemprego, arrocho salarial, redução de direitos, criminalização da juventude negra e etc.). Mas, diante de uma crise política que pode ter uma solução que altere a correlação de forças entre as classes, a esquerda socialista não pode se limitar em apresentar bandeiras pontuais, cabe necessariamente nesse momento uma luta à morte pela construção de uma saída totalizante do ponto de vista dos trabalhadores.
Da nossa parte, acreditamos que para se contrapor às alternativas da classe dominante a esquerda socialista tem que romper com o economicismo, que se tornou típico, e apresentar uma alternativa socialista para a situação. Essa alternativa só pode ser construída de forma revolucionária, ou seja, pela luta direta dos trabalhadores e da juventude contra o governo e a patronal para construir uma forma de poder político que supere a institucionalidade (o Estado) a serviço da patronal.
Enfim, é necessário apresentar como alternativa geral à crise a construção de uma assembleia popular para refundar o estado brasileiro a serviço dos trabalhadores. Assim, defendemos a luta pela construção de uma Assembleia Constituinte Operária e Popular que seja imposta pela luta direta das massas e que seja composta por representantes diretos dos trabalhadores em assembleias de base com a tarefa de repelir a ofensiva burguesa, lutar pelas necessidades mais prementes da classe trabalhadora e da juventude e abrir o caminho para a construção do socialismo.
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[1] Este contexto permitiu o crescimento econômico, a ampliação do consumo das massas e políticas de compensação social, ao mesmo tempo em que crescia a lucratividade de todos os setores da burguesia, lógico que em uma proporção muito maior para o segundo. Mas, a partir da segunda metade do mandato de Dilma as condições favoráveis para o desenvolvimento do social-liberalismo “lulista” começa a se desfazer. Primeiro se desmontam as condições macroeconômicas baseadas no ciclo de alta internacional das commodities e depois a crise é completada pelo fim da pacificação das massas, elemento este fundamental para a sustentação da coalização governista.
[2] http:www.pstu.org.br A crise do Governo Dilma e a alternativa que os trabalhadores precisam construir.
[3] Idem.
Por Antonio Soler, Práxis – Socialismo ou Barbárie, 28/07/2015