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É NECESSÁRIO LUTAR POR UMA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DEMOCRATICA E SOBERANA IMPOSTA PELA MOBILIZAÇÃO DOS TRABALHADORES
A abertura do processo de impeachment do governo Dilma coloca de forma ainda mais dramática a necessidade de construir uma saída global para a crise em que vivemos desde o início do ano.
Essa crise política, pela sua profundidade e extensão, já se constitui como uma das maiores da história política nacional, mas não se refere apenas às dificuldades que a classe dominante enfrenta no sentido de impor uma alternativa ao governo Dilma.
As principais organizações políticas da classe trabalhadora até agora não formularam alternativas políticas globais que possam ser assumidas por setores do movimento de massas. Isso se constitui em um grave problema pois estamos em uma situação em que a correlação de forças entre as classes e os rumos estratégicos para a economia e política estão sendo redefinidos e podem se tornar mais desfavoráveis com a evolução para uma situação reacionária.
Nesse contexto, além da ausência de uma saída política global e dos equívocos cometidos por correntes da esquerda – como é o caso da defesa do impeachment do governo em um momento de ofensiva burguesa e a defesa de eleições exatamente nos mesmos moldes das regras que estão postos -, temos que superar também a perspectiva que se limita à luta imediatista contra o ajuste para construir junto as massas bandeiras que atendam às suas necessidades e estejam sintonia com o seu nível de organização e consciência.
A crise orgânica coloca para a esquerda a possibilidade de apresentar aos trabalhadores uma saída política que transcenda as demandas mais imediatas da luta contra a austeridade, em defesa do desemprego e do salário. Essas lutas de resistência se perdem em si, não preparam batalhas mais avançadas, lutas ofensivas, se não se combinam com lutas políticas. Quando os trabalhadores não lutam por saída politicas alternativa da burguesia aceita-se os termos políticos colocados pela classe dominante, levando a que as energias utilizadas nas lutas contra os ataques se dispersem, o que acaba levando a uma redução significativa na capacidade de resistência e na possibilidade de retomar a ofensiva.
Dentre outros fatores, em nossa opinião, a dificuldade que a esquerda enfrenta para construir uma alternativa capaz de dialogar com amplos setores de massa e construir uma mobilização independente passa pela forma com que a maior parte das organizações encaram as demandas democráticas dos trabalhadores e da juventude no Brasil. É necessário unificar o movimento de massas contra o ajuste fiscal, o desemprego, o arrocho salarial, as contrarreformas e pelas crescentes demandas democráticas que têm puxado as expressões mais avançadas do movimento social no Brasil, como é o caso do movimento de mulheres em defesa dos seus direitos contraceptivos.
Para unificar as lutas defensivas e as lutas por direitos democráticos é necessário apresentar uma saída política global pela positiva. Por isso queremos nesse artigo pontuar o debate em torno da necessidade de construção de uma Assembleia Constituinte Democrática e Soberana imposta pela mobilização operária, estudantil e popular como alternativa de agitação política capaz de cumprir o papel de apresentar uma alternativa própria dos trabalhadores em meio à crise estrutural em que vivemos.
A CRISE E AS ALTERNATIVAS APRESENTADAS PELA ESQUERDA
Com o início do processo de impeachment o debate no interior da esquerda socialista sobre alternativas para a crise se acirrou.
Apesar desse acirramento, infelizmente não parece ter havido uma inflexão política na maior parte das correntes de forma a permitir que a esquerda atue unificada com propostas que armem a vanguarda para o próximo período em torno de questões que pensamos serem centrais para a atual etapa: 1) o posicionamento independente em torno do tema do impeachment em uma situação de ofensiva patronal, e 2) a construção de uma alternativa política global que de conta da atual situação que articule as demandas mais prioritárias do movimento de massas e o seu atual nível de consciência.
Levando em consideração que em outros artigos que publicamos e que estamos publicando nessa edição de nosso Boletim Eletrônico estamos polemizando sobre a questão da política em relação ao impeachment é sobre a questão da alternativa política para a crise tema que queremos nos debruçamos de forma mais extensa.
Desde o início da crise nos alinhamos com os setores que compreendem que é necessário manter uma posição de total equidistância entre o governo e a oposição burguesa, que não podemos apresentar – como faz o PSTU – uma linha (“Fora Todos”) que acaba por se emparelhar na prática com parte da oposição burguesa, aquela que quer derrubar Dilma para colocar um governo ainda mais duro contra os trabalhadores.
Também não temos acordo com a posição que acaba por defender o governo através do eufemismo de “defesa da democracia”. Infelizmente a direção majoritária do PSOL, apesar da correta resolução do seu Congresso Nacional em não participar de atos em defesa do governo, acabou orientando a militância a participar dos atos em defesa de Dilma.
As saídas políticas que se colocam de forma majoritária no interior da esquerda socialista não levam em consideração a necessidade de ter como eixo da luta em um momento de crise orgânica as bandeiras democráticas, isso mesmo sendo o Brasil um país de desenvolvimento capitalista periférico e que não solucionou nenhuma questão democrática importante.
O PSTU tem insistido em uma linha política desastrosa nesse momento, não considera nenhuma mediação importante da luta de classes no atual período e acaba com o seu sectarismo na análise e caracterização acaba formulando uma linha oportunista em relação ao tema do impeachment. Ao invés de guardar equidistância em relação ao governo e à oposição de direita nesse momento em que a classe trabalhadora não tem força para apresentar uma saída própria, com a aceitação do processo de impeachment por Eduardo Cunha (sic) volta à tona com a política do “Fora Todos” fazendo coro e reforçando a posição do setor mais reacionário da oposição de direita.
Na formulação de Bernardo Cerqueira, da Direção Nacional do PSTU, se os trabalhadores “não tiverem forças para construir neste movimento uma alternativa de governo dos trabalhadores, devem exigir, no mínimo, a realização de eleições gerais que permitam que o povo escolha democraticamente todos os cargos executivos e legislativos do país.” Como podemos ver nitidamente a linha da direção dessa organização vai do sectarismo ao oportunismo.
Ao não considerar o movimento de consciência que faz o conjunto dos trabalhadores, que apesar da indignação com o ajuste conservam ilusões – apesar da baixíssima popularidade de Dilma nas pesquisas de opinião pública essas mostram apenas a aparência do movimento da consciência das massas – no governo e não querem depô-lo nesse momento pois de alguma forma sabem que um governo do PMDB e do PSDB seria ainda mais desfavorável, se caracteriza o sectarismo dessa avaliação.
O sectarismo dá lugar ao oportunismo uma vez que o “Fora Todos” hoje, movido por setores da classe dominante, significa o fortalecimento dos setores mais conservadora da burguesia. Por outro lado, a proposta de “eleições gerais” sob as mesmíssimas regras que estão postas atualmente está em sintonia com a política do PSDB que prefere uma decisão de cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE e a realização de novas eleições nas quais Aécio Neves teria mais chances redobradas em uma espécie de terceiro turno.
Em relação a linha política do PSOL verificamos um erro simétrico ao do PSTU. Infelizmente também esse partido não sustenta uma linha política independente do governo e dos patrões apesar do seu Congresso Nacional ter aprovado uma nota pública se posicionando contra a participação da militância em atos de efesa do governo. Na resolução da Executiva Nacional do PSOL de 13 de Dezembro afirma que “o partido não considera que os motivos alegados no processo sejam suficientes para o impedimento da presidência e não reconhece legitimidade no processo capitaneado pelo senhor Eduardo Cunha.”
Evidente que a questão do impeachment tem um aspecto jurídico, o tal do crime de responsabilidade que justificaria a abertura do processo, mas ele estes é fundamentalmente um processo político. Não nos colocamos a favor porque ao contrário do que foi o processo de Collor em 1992, o impeachment só pode favorecer a classe dominante nesse momento. Situação essa que pode mudar à medida que a classe trabalhadora e a juventude recuperarem o protagonismo político e uma outra correlação de forças coloque o impeachment como uma saída favorável aos trabalhadores.
Porém, o mais grave dessa resolução é que mesmo o Congresso Nacional do PSOL ter aprovado uma resolução de não participar das manifestações em defesa do governo ou do impeachment, como reconhece abertamente o texto da resolução, a Executiva Nacional orienta os militantes a participar de mobilizações contra o impeachment, como os atos de orientação governista realizados no dia 16 de novembro. Com essa orientação, a Executiva do PSOL distorceu a correta orientação de não defender o governo e nem o impeachment. Não apoiar o impeachment em absoluto significa apoiar os atos contra ele, pois a luta contra o impeachment fere claramente a primeira parte da resolução congressual de não apoiar o governo.
Em nossa opinião nenhuma dessas duas posições contribui para estabelecer uma linha de ação independente diante do avanço das políticas neoliberais. Ser a favor do impeachment nessa conjuntura tem como consequência óbvia o fortalecimento da burguesia e dos seus partidos ou se colocar ao lado da burocracia governista contra o impeachment significa não menos obviamente a defesa de um governo que ataca sistematicamente os trabalhadores.
As duas políticas acabam por tornar inviável a construção um campo próprio dos trabalhadores diante dessa crise. Para nós é necessário construir uma linha defesa que arme os trabalhadores contra os ajustes e unifique as lutas em curso em torno de uma saída política própria, de outra forma acabamos aceitando os termos da política dominante.
RETOMAR CRITÉRIOS MARXISTAS CLÁSSICOS:
A RELAÇÃO ENTRE LUTAS DEFENSIVAS, BANDEIRAS DEMOCRATICAS E ASSEMBLEAIA CONSTITUINTE
Para discutir o papel e a pertinência das palavras de ordem de Assembleia Constituinte em momentos de crise estruturais em países periféricos – não apenas – vamos recorrer aqui a alguns critérios utilizados pelo marxismo revolucionário nesses casos.
A Rússia czarista devido ao seu atraso econômico e político sempre impôs aos socialistas a necessidade de dar lugar de destaque ao tema da democracia em seu programa e agitação política. Para os bolcheviques a agitação da Assembleia Constituinte tinha o objetivo de apresentar uma alternativa ao governo autocrático e fazer com que as massas avançassem praticamente em sua experiência com a democracia burguesa.
Mantemos o mesmo critério político de Lenin, “enquanto não tiverem forças para dissolver o parlamento burguês e todas as outras instituições reacionárias, são obrigados [os comunistas] a atuar no seio destas instituições” Considerando todos os riscos, a única forma de supera-los é que a ação parlamentar tenha uma orientação revolucionária.
Entre as elaborações marxistas clássicas foram as de Trotsky, pela possibilidade de formular em um espaço maior de tempo e por ter acesso aos cenários mais diversos, as mais abrangente sobre a importância das bandeiras democráticas, particularmente da Assembleia Constituinte, para os processos revolucionários, ele pode observar até o fim da década de 1930 processos de radicalização da luta de classes em países que pela sua via de formação capitalista tardia tinham tarefas democráticas pendentes, esse foi o caso da revolução Russa, Chinesa e Espanha.
Trotsky em todas essas experiências propôs sistematicamente que as bandeiras democráticas, particularmente a Assembleia Constituinte, fossem utilizadas de forma a se combinarem indissolúvel com as bandeiras econômicas e transicionais.
É evidente que da década de 1930 aos dias de hoje importantes transformações na economia capitalista mundial e na geopolítica ocorreram, houve um processo indubitável de modernização em muitos países de formação capitalista (hiper) tardia, como é o caso do Brasil, se processaram, porém as tarefas democráticas estão longe de se resolverem, ao contrário, a desigualdade do movimento socialista tem distanciado as conquistas democráticas entre os países.
O vigor da teoria da Revolução Permanente (Trotsky, 1930) se demonstra extraordinário em muitos aspectos. A seguinte passagem sobre a questão das tarefas democráticas guardam enorme atualidade: “para os países coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a solução verdadeira e completa de suas tarefas democráticas e nacionais-libertadoras só é concebível por meio da ditadura do proletariado”
O posterior desenvolvimento histórico à década de 1930 deu razão a Trotsky em várias teses apresentadas em Revolução Permanente, particularmente na sumariada acima. Mesmo quando as tarefas democráticas pareciam ter sido finalmente resolvidas por forças que não o proletariado, seus organismos democráticos de poder e suas organizações revolucionárias, como na revolução chinesa, por exemplo, os desdobramentos históricos demonstraram que a “solução verdadeira e completa” das questões democráticas, e transicionais, só podem ser realizadas pela classe trabalhadora e suas organizações democraticamente constituídas.
Da segunda tese da Revolução Permanente se estabelece de forma inexorável que não podemos deixar de colocar em primeiro plano a necessidade de solucionarmos as imensas tarefas democráticas que a burguesia dos países periféricos não pode/quis resolver durante o percurso de formação capitalista desses países.
É em sua luta concreta que as massas ultrapassam as bandeiras democráticas, essa é uma importante premissa para encararmos o papel das reivindicações democráticas e da Assembleia Constituinte na atual situação política e mais particularmente na conjuntura de crise estrutural em que vivemos no Brasil.
No Programa de Transição (Trotsky, 1938) a necessidade da classe trabalhadora nos países atrasados assumir a defesa da democracia burguesa de forma articulada com as reivindicações imediatas e transitórias surge de maneira ainda mais nítida, segundo o autor “nessa luta, as palavras-de-ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas decorrem umas das outras.” O desenvolvimento desigual do capitalismo levou a formações capitalistas, como é o caso brasileiro, nas quais as tarefas democráticas, como a reforma agrária, não puderam ser resolvidas porque a burguesia não dispunha de força material ou política para prescindir da aristocracia agrária.
Nos dirigindo mais especificamente para o tema da Assembleia Constituinte, ao analisar os processos revolucionários na China da década de 20 Trotsky traz à baila a experiência da Revolução Russa e critica duramente uma série de preconceitos em relação a ela. Afirma que mesmo que houvesse sovietes na China isso não anularia a necessidade de lutar pela Constituinte, ao contrário, a possibilidade de agitação na “tribuna livre” contribuiria para a luta pela direção dos sovietes.
E mais, na pior hipótese “a escola de parlamentarismo revolucionária teria deixado sua marca no nível político das massas, facilitando, assim, nossas tarefas posteriores à Revolução de Outubro.” A defesa de uma atuação revolucionária diante sufrágio universal e do parlamentarismo se justifica porque as massas só podem aprender pela própria experiência que é necessário superar as formas de dominação política da classe dominante.
Em outro contexto, o da Revolução Espanhola, Trotsky esclarece que a rejeição da luta parlamentar nada tem a ver com o marxismo que, ao contrário das correntes anarquistas e sindicalistas, não nega as bandeiras democráticas mas luta resolutamente para que essas palavras de ordem sejam atendidas. Vai além e afirma as formas da democracia revolucionária, os organismos de duplo poder, em situações em que o movimento operário não tem tradição “soviética” só poderiam surgir coma mobilização das massas em torno de bandeiras democráticas.
É necessário levar em consideração o nível de atraso do pais para determinar o peso que as palavras de ordem democráticas exercem na formulação política. Há os que acreditam que no atual desenvolvimento do capitalismo brasileiro as tarefas democráticas estejam superadas e que por isso teriam pouco peso na hora de elaborar o programa ou os eixos de agitação. Não parece isso ser a realidade nacional em que tarefas democrática históricas, como a expropriação do latifúndio, por exemplo, se colocam ainda hoje como fundamentais.
A nosso ver, se tratando de um pais como o Brasil, em que a solução de várias questões democráticas estão longe de serem resolvidas, o tema das palavras de ordem democráticas e Assembleia Constituinte conservam um peso central no programa e também nas crises estruturai, como as vividas agora, papel central na agitação política.
Por fim, nas condições nacionais em que já temos experiência de sufrágio universal e parlamentarismo é necessário atualizar as reivindicações democráticas e principalmente o conteúdo da bandeira de Assembleia Constituinte. Desta forma, no sentido da formulação do conteúdo da Constituinte contamos com a indicação clássica de Lenin quando afirma que para ser realmente Assembleia Constituinte o seu processo eleitoral deve garantir a livre agitação, expressar a vontade popular e possuir de fato o poder para impor a vontade popular.
O DEBATE NA ESQUERDA SOBRE ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
Apesar desse debate em torno da proposta de Assembleia Constituinte começar a aparecer esse tema carece de uma avaliação mais de fundo. Por essa razão, vamos analisar duas elaborações sobre o tema. Uma se coloca contra a proposta de Constituinte como saída por negá-la estrategicamente (o que é um absurdo completo e vai contra a estratégia de toda a tradição da esquerda revolucionária). Esse é o caso do PSTU. A outra corrente faz uma apropriação limitada dessa bandeira e considera que o momento ainda não é para apresenta-la como eixo de agitação, esse o caso do MES (Movimento Esquerda Socialista), corrente interna ao PSOL.
Iniciemos com a análise do texto Por que a esquerda está em dúvida?, de Valério Arcary, que apresenta uma síntese do que podemos considerar a posição do PSTU em relação ao tema. Nele afirma-se que “não é verdade que os socialistas têm que levantar sempre uma palavra de ordem de poder positiva em seu programa de agitação política, isto é, poucas ideias para muitos – que corresponda à consciência média dos trabalhadores.”
Em primeiro lugar, é fato que nem sempre as agitações de poder pela positiva podem ser concretas, muitas vezes não podemos encontrar formulações específicas, mas nos momentos de crise é uma necessidade agitá-las, mesmo que assumam apenas carácter de “propaganda para as massas”, ou seja, uma propaganda com o objetivo de dialogar mais politicamente com as massas, não apenas para colocar uma tarefa a ser executada imediatamente pelo movimento.
Quando se trata de momentos de crise política global limitar-se às palavras de ordem “negativas” é em última instância aceitar os termos do jogo, não contribui em nada para que os trabalhadores encontrem um eixo de mobilização para unificar as suas lutas. O segundo problema é que a consigna de Assembleia Constituinte Democrática e Soberana não pode se confundir com consiga de poder dos trabalhadores, pois cada uma obedece a objetivos revolucionários bem delimitados.
A luta por uma Assembleia Constituinte tem por objetivo colocar em movimento amplamente as massas que ainda não superaram a democracia burguesa, já as palavras de ordem diretamente de poder têm o objetivo mobilizar para lutar de fato para estabelecer o duplo poder e derrubar o regime. Na Revolução Russa os bolcheviques utilizaram de forma simultânea as duas consignas, nos momentos de maior radicalização da luta as palavras de ordem democrática e de poder inclusive foram colocadas de forma simultânea.
Depois de fazer algumas observações mais abstratas sobre a importância das palavras de ordem democráticas, Arcary afirma que “A proposta de Constituinte é deseducativa e aventureira, porque transfere para o futuro Congresso poderes para revisar a Constituição em vigor por maioria simples.”
Não podemos, para efeito de polêmica, confundir a proposta de “Assembleia Exclusiva”, como fez o governo e o PT durante as jornadas de Junho de 2013 objetivando tirar o movimento de massas das ruas, com a proposta de Assembleia Constituinte Democrática imposta pela mobilização dos trabalhadores. O expediente de confundir as proposições pode ter algum efeito retórico, mas não contribui para aprofundar o debate entre as correntes socialistas e para encontra a linha mais acertadas para uma conjuntura dramática como a que estamos vivendo.
A proposta de Constituinte Exclusiva do PT nesse momento tinha como objetivo tirar as massas das ruas para fortalecer a posição deste partido no governo federal. Já a proposta de constituição democrática e soberana tem como objetivo mobilizar amplamente as massas trabalhadores e estudantis para colocar em questão toda a estrutura econômica, social e política, o que só pode ser alcançado com a mais profunda mobilização e tem a vantagem de ser uma alternativa política compreensível nesse momento pelas massas.
É verdade que não existe “garantia” de que a Assembleia Constituinte Democrática e Soberana atenda aos interesses da maioria do povo”, esse critério usado por Arcary é extremamente conservador, pois em nenhum processo da luta de classes não há garantias de vitória, isso sempre depende da mobilização e da correlação concreta de forças. O critério político que defendemos aqui é lutar para sair da posição defensiva em que estamos apresentando uma linha de defesa bandeiras democráticas (o que no Brasil se torna cada vez mais candente) de forma articulada com as lutas econômica de forma a apresentar aos trabalhadores e oprimidos uma alternativa política geral.
O argumento de que se deve lutar pelas consignas democráticas não passa de cortina de fumaça dentro da lógica apresentada por Arcary, pois recua diante da possibilidade de aglutinar as bandeiras democráticas em torno de uma agitação política que possa ser compreendida e assumida por setores mais amplos.
Na verdade, os argumentos contra a consigna de Assembleia Constituinte Democrática e Soberana imposta pela mobilização das massas parecem estar a serviço de escamotear a linha economicista da direção do PSTU e não a serviço de contribuir para um processo de mobilização política de setores de massas para nacionalizar (politizar) as importantes lutas dos trabalhadores, da juventude e das mulheres que estão bravamente resistindo contra o ajuste neoliberal e a onda conservadora em curso.
Outra perspectiva política que é importante comentar é a apresentada pela direção do MES (Movimento Esquerda Socialista) no documento A crise atual e o fim de um ciclo político. Essa corrente apesar de identificar corretamente que é necessário levantar a bandeira de assembleia constituinte, comete três equívocos em nossa opinião.
Em primeiro lugar o de apresentar a formulação de “Constituinte exclusiva e eleições gerais”, em segundo em considerar que o tema da Constituinte não se coloca para o atual momento como um eixo de agitação. Em seu texto afirma que “não se trata de adotar como eixo de agitação política a bandeira de novas eleições e de Constituinte, já que nosso centro deve ser agora as bandeiras que estão mobilizando os setores de massas que estão em ação por seus interesses concretos, sejam econômicos, sociais ou por direitos civis.”
Concordamos com os companheiros no sentido de que é necessário colocar como primeiro ponto da agitação o tema da luta em defesa do emprego, salário e direitos, mas se limitar a agitação das bandeiras defensivas e esperar que aja um ascenso generalizado para apresentar a agitação pela positiva é um equívoco, pois as condições objetivas para a apresentação de uma agitação política pela positiva estão postas há meses.
Estamos inseridos em uma crise estrutural que paralisa a economia, ameaça a continuidade do governo, coloca em questão o sistema político-partidário e todos os partidos e provoca mobilizações massivas a favor e contra o governo. Além de importantes mobilizações em defesa do emprego, salário e direitos sociais. Em um cenário como esse dizer que não há ainda espaço para a luta por uma bandeira política global nos parece um equívoco que desarma para o cenário atual.
Mesmo identificando esses elementos, os companheiros não parecem tirar a conclusão necessária no sentido de que esperar mais para apresentar uma saída global pode significar perder a chance de criar um polo no interior do movimento de massas que possa rivalizar uma saída política com a oposição burguesa.
O outro aspecto não menos equivocado dessa linha é o caráter da proposta de Constituinte apresentada pelo MES. Na proposta dos companheiros se trata de uma Constituinte exclusiva (apenas política), a mesma ideia formulada por Dilma diante das mobilizações de massa em junho de 2013. A proposta do governo tinha um claro caráter reacionário pois visava tirar as massas juvenis da rua em plena rebelião contra o aumento das passagens e por reformas nos serviços públicos. Além disso, objetivava capitalizar a indignação da juventude e fortalecer a própria posição do PT no interior das instituições.
Além desse aspecto, em um momento de crise apresentar uma proposta de Constituinte política apenas significa um desvio nos critérios com os quais trabalha a tradição socialista revolucionária em relação a esse tema, critérios estes que pensamos ainda nos dias de hoje terem validade.
Uma Constituinte que de fato coloque condições democráticas no sistema político-partidário demandaria a mais ampla mobilização e mudança de correlação de forças. Então por que em uma conjuntura assim a nossa reivindicação se limitaria a defesa de uma Constituinte apenas política e não aproveitaríamos o momento para fazer o debate sobre o conjunto da estrutura sociopolítica nacional.
Por outro lado, essa proposta não ajudaria a articular as demandas democráticas pelas quais o movimento popular, das mulheres, da juventude e demais oprimidos estão em luta, lutas aliás que se colocam em sintonia com o ascenso mundial por direitos democráticos e que em meio à crise tendem a crescer e se radicalizar em todo o país no próximo período.
Limitar desta forma a proposta de Constituinte não contribui para construir uma saída totalizante dos trabalhadores para o cenário atual, pois do que se trata, e as condições políticas já estão maduras para isso, é de apresentar uma alternativa que se apoie na necessária solução das inúmeras questões democráticas pendentes na realidade brasileira.
UNIFICAR AS LUTAS EM TORNO DE UMA SAÍDA GLOBAL
Estamos em uma situação em que toda a armação política que pacificou o país por mais de uma década ruiu, crise na qual a classe dominante quer aproveitar a fundo para estabelecer uma nova correlação de forças e um novo patamar de exploração.
Sabemos que as lutas particulares por mais que tenham algum êxito não podem suplantar a ofensiva política global que impõe a classe dominante através do seu governo e estado, por isso é necessário imbuir o movimento de uma alternativa política capaz de mobiliza-lo de conjunto.
Nos momentos de crise não se pode deixar de apresentar – a menos que se pague um alto preço político – uma saída política global que atenda às necessidades dos trabalhadores e que ao mesmo tempo possa ser processada pelo nível de consciência e experiência das massas.
Para apresentar alternativa política independente em situações em que os trabalhadores não dispõem de partidos revolucionários amplos, organizações de poder e alimentam ilusões parlamentares em meio a crises estruturais o marxismo revolucionário levantou em várias conjunturas a bandeira de Assembleia Constituinte Democrática e Soberana.
Para que essa Constituinte represente a maior parte do povo e seja de fato Democrática, devemos lutar para que o processo eleitoral seja livre da influência do grande capital através do financiamento público e igualitário das campanhas e para que todos os partidos disponham do mesmo tempo de Rádio e TV. Para que seja Soberania e a vontade da maioria do povo se imponha nenhum outro poder nacional ou imperialista deve interferir em suas resoluções. É evidente a proposta de Assembleia Constituinte como essa só pode se instituir com a mais ampla mobilização das massas.
Defendemos essa proposta pela sua capacidade de articular demandas democráticas não resolvidas, como é o caso da reforma agrária, do direito ao aborto, da legalização das drogas, da luta contra o racismo, do casamento igualitário, da universalização da educação pública em todos os níveis, do transporte público gratuito, com a luta contra o ajuste, em defesa do emprego e do salário, o que serviria além do mais como agitação em todas as lutas e poderia, a partir da vontade política da esquerda revolucionária, ser motivo para a organização unificada da esquerda, dos sindicatos e dos movimentos independentes.
Enfim, as lutas salariais e em defesa do emprego em todo o país, o movimento de mulheres por direitos contraceptivos e a onda de ocupação secundarista contra o fechamento das escolas e em defesa da educação encontram na bandeira de Assembleia Constituinte Democrática e Soberana imposta pela mobilização uma saída política independente com poder de unificar e fortalecer os movimentos que têm dado batalhas isoladas até agora.
Por Antonio Soler, 7 de janeiro de 2016