May - 28 - 2016

«Uma jovem de 17 anos foi estuprada por 30 homens. Não importa em absolutamente nada o seu passado, seu presente, seus costumes, sua roupa, nada além do próprio crime importa!.» (R.S)

O estupro coletivo de uma adolescente de 17 anos ocorrido no último dia 20 na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro traz à tona uma das expressões mais horrendas de uma sociedade de barbárie cotidiana. Esse terrível caso demonstra de maneira bastante gráfica o avanço da crise humanitária e irracionalidade nas relações sociais, onde a garantias de direitos humanos de gênero em âmbito institucional tem sofrido enormes retrocessos.

Porém este caso foi o estopim de uma imensa indignação e criação de uma campanha que tem enorme potencial mobilizador em torno do combate a cultura do estupro. Atos já ocorrem no Rio e em algumas cidades e outros estão sendo chamados para a próxima semana e dão conta da confirmação de mais 600 mil pessoas.

O fator das redes sociais foi decisivo nesta indignação popular, bem como, seu potencial de articulação de resposta, tragicamente devido o próprio caso da adolescente ter ganhado notoriedade desta maneira, quando não bastando a violência incidida contra ela seus algozes também fizeram uso da violência simbólica e exemplar ao expor a jovem desacordada e ferida como troféu em numa rede social. (1)

Um reflexo bastante contundente da sensação de impunidade que reina em nosso país e da audácia do que tange ao desrespeito a soberania do corpo da mulher. A publicação de tal vídeo inclusive com os estupradores mostrando os seus rostos é o efeito de um Estado omisso e criminoso onde se pode fazer o que quiser com uma mulher e nada passará.

Apenas após três dias da repercussão mundial desse estupro os agentes da Segurança Pública do Rio de Janeiro vieram a público se pronunciar. Ontem, 27 de maio, em entrevista coletiva o chefe da Polícia civil do Rio de Janeiro, Fernando Veloso, ao ser questionado porque a prisão dos quatro homens que aparecem nas imagens ainda não tinha sido decretada disse que «não podemos afirmar ainda se houve ou não, de que forma houve. Não podemos nos basear no “ouvi dizer”.

Ou seja, posição da polícia mesmo diante de um crime inquestionavelmente bárbaro revela como o poder público trata a questão da violência sexual contra as mulheres. O depoimento da adolescente que deveria ser o suficiente, sem falar nas imagens, para decretar a prisão preventiva dos suspeitos e assim aumentar as chances de identificação e punição dos demais responsáveis é tratado como componente menor da investigação.

Não é à toa que há que as denúncias de casos de estupro no Brasil são muito abaixo do número que realmente ocorrem dessa violência, em verdade as mulheres sofrem duas violências a no ato e a na busca por justiça. Uma vez, que é revertida a culpa pela violência a ela na sociedade e na esfera pública, quando ameniza e o fato e ainda coloca a vítima sob suspeita.

A cultura do estupro

O estupro apesar de ser moral e subjetivamente considerada uma tremenda violência, objetivamente é uma forma de violência corriqueira em nosso país. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública dão conta de que em 2014 houve 47.646 casos de estupro no Brasil e a cada 11 minutos uma mulher é vítima dessa forma de violência. No entanto, estes dados são apenas uma pequena parte do fenômeno, pois pesquisas internacionais revelam que há uma subnotificação.

Os dados apesar de não tomarem o todo dessa realidade, coincidem com um modo de vida e de política em nosso país, em que em seu dia-dia as mulheres não podem se encontrarem em determinadas situações em que homens tranquilamente estão, e em que o próprio parlamento referenda a cultura da opressão de gênero, Jair Bolsonaro, deputado, disse durante a uma sessão a uma mulher parlamentar que esta era tão feia que não merecia se quer ser estuprada, ou seja, afirmando que algumas poderiam tranquilamente serem acometidas por isso, outro caso emblemático é de uma figura publica que disse na TV aberta em um programa de humor que teria feito sexo sem o consentimento de uma mulher e foi aplaudido.

Tanto no primeiro, como no segundo caso, nenhuma providencia a respeito foi tomada, Jair Bolsonaro segue em suas funções e Alexandre Frota é tido como uma espécie de conselheiro sobre a Pasta de cultura e educação e hoje opina sobre a proibição da temática das questões de gênero e opressões nas escolas. Em uma sociedade conduzida dessa maneira só resta que os estupradores não tenham medo a culpabilização das vítimas e a relativização dos crimes.

A regressão nas relações humanas, na qual a violência sexual é uma das expressões mais nefastas, não pode ser compreendido fora de um quadro social e econômico em que a opressão de gênero é funcional à exploração capitalista e à manutenção do poder político da classe dominante sobre setores da sociedade neste caso, a mulher. Não obstante o auge de crises do capitalismo são os momentos em que os direitos humanos das mulheres já conquistados são mais desrespeitados.

A justificativa ideológica da opressão das mulheres acaba por coloca-las na condição de coisa, objetos sem vontade e propriedade, enfim em condição sub-humana, em que se na relação produtiva o homem é apêndice da máquina a mulher é vista como apêndice do gênero masculino.

É preciso colocar um movimento de mulheres de pé e dedo em riste nas ruas!

O culto ao estupro esta em toda parte, desde instituições já bastante sólidas como a prostituição e a uma nefasta pornografia, até as músicas, publicidade literatura, moda, Tv, etc…É fenômeno amplo e sistemático no qual o estupro acaba se conformando como uma atitude socialmente tolerada. A violência sexual – sem falar sobre as taxas de exploração material acrescidas sobre o trabalho das mulheres e demais negativas à sua condição de igualdade – é um sistema que vai desde os assédios sistemáticos no trabalho, nas escolas e no transporte coletivo até o estupro sistemático de mulheres que acontece em sua ampla maioria no ambiente doméstico.

Da mesma maneira que em temas como a luta pelo direito ao aborto, contra o feminicídio e por remuneração e direitos trabalhistas igualitários, a luta contra toda forma de violência sexual deve ser tomada pelo movimento de mulheres com uma perspectiva muito mais energia.

A esquerda precisa canalizar toda esta indignação em torno do caso da adolescente no Rio, em movimento real, são inúmeros os casos que são massivamente explorados pela mídia de maneira meramente oportunista em ao não serem transformados de luta virtual em luta concreta se perderam. Sabemos que se trata de uma onda midiática que não tem vida longa e que não irá provocar nenhuma mudança se não for transplantada para luta política real.

Só teremos avanços nesse e em outros campos quando construirmos no Brasil um movimento de mulheres autônomo dos governos e patrões que coloque de forma sistemática a luta – teórica e prática – contra o estupro e todas as formas de violência contra as mulheres nas ruas, nos locais de trabalho e estudo.

Não podemos admitir que este seja como tantos outros casos naturalizado. Por isso, fazemos um apelo a todas Frentes feministas, partidos de esquerda, correntes, independentes a mais ampla unidade neste momento, para cobrir esta jovem de toda solidariedade de classe e gênero e a lutar por ela e por todas nós!

Justiça já!

Nossa revolta é nossa em ação!

O Estado é cúmplice! Prisão a todos os envolvidos inclusive aqueles que publicizaram o vídeo!

Que todos os machistas definitivamente tenham medo!

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(1) O vídeo que viralizou no Twitter exibia a adolescente em uma situação totalmente deplorável, nua, desacordada e ensanguentada cercada por 4 dos estupradores, que afirmavam em tom jocoso que mais de trinta homens a teria violado e se vangloriavam do crime covarde que haviam cometido. Posteriormente, o relato da adolescente da conta de que teria ido à casa de um namorado e que estavam sozinhos, dormiu e quando acordou estava em outro local e sendo observada nestas condições por mais de 30 homens armados com fuzis.

Por Rosi Santos, Socialismo ou Barbarie Brasil, 28/5/16

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