Dic - 15 - 2016

TEMER POR UM FIO

No início da semana passada, o afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência do Senado provocou uma crise político-institucional que se resolveu de forma favorável a Calheiros e ao governo, mas as novas delações de corrupção que envolvem financiamento ilegal de campanhas e favorecimento de empreiteiras colocam em questão novamente não apenas o avanço da pauta reacionária, mas a própria sustentação do governo Temer.

Na segunda-feira, 5 de dezembro, Renan Calheiros (PMDB) foi afastado por decisão liminar do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello. Essa liminar concedida à Rede teve como base decisão anterior do STF que afastou Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados por esse ter se tornado réu da operação Lava Jato e por usar a condição de Presidente para inviabilizar o processo contra ele de quebra de decoro parlamentar. Assim, a posição de Mello foi a de que Calheiros, da mesma forma que Cunha, deveria ser afastado pois no dia 1 de dezembro do corrente ano se tornou réu em um processo de peculato (uso indevido de dinheiro público)[1].

Em meio à decisão judicial de afastá-lo, na terça-feira, 6 de dezembro, Calheiros fugiu “como diabo foge da cruz” do Oficial de Justiça para não ser notificado oficialmente. Além disso, decidiu em parceria com a Mesa Diretora do Senado não acatar a liminar, pois em seu argumento uma decisão monocrática não poderia afastar Presidente de outro poder, assim iria aguardar decisão do Plenário do STF.

Para tornar esse enredo ainda mais intrigante, o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC) e a direção do PT foram decisivos na costura do acordo entre os “três poderes” para manter Calheiros na Presidência do Senado. Viana chegou a declarar que se fosse mantida a decisão liminar estava propenso a renunciar à Presidência do Senado, o que faria com que a Presidência caísse na mão de Romero Jucá, um dos principais articuladores do governo Temer e das contrarreformas.[2]

Após um acordo que envolveu a Presidência do STF, Governo Temer, PMDB e PT, o Plenário do STF, na quarta-feira, 6 de dezembro, votou por 6 votos a 3 a derrubada da liminar, reconduzindo Calheiros à Presidência do Senado, mas de forma que esteja impossibilitado de assumir a Presidência da República em caso de vacância temporária ou definitiva desse cargo, pois a sua condição de réu o impediria.

Esse episódio deixa mais uma vez claro que não há independência do poder judiciário em relação ao governo Temer ou à oligarquia política imunda que habita o legislativo, como querem fazer crer. São inúmeros os exemplos de que o poder judiciário está a serviço não apenas da dominação burguesa lato senso, mas de suas políticas reacionárias imediatas, como é o caso da PEC 55. O STF prefere comprar uma aberta desmoralização a abrir a possibilidade de inviabilizar a votação em segundo turno dessa PEC ainda esse ano. Para tentar finalizar essa crise, recompor a relação harmônica entre os poderes e retribuir a gentileza do judiciário, o primeiro gesto de Calheiros de nova na Presidência  foi retirar da pauta de votação um projeto de lei sobre abuso de autoridade que tinha como objetivo imediato conter as investigações da operação Lava Jato.

CONTRADIÇÕES SE ACUMULAM E PODEM VIRAR O JOGO

Essa crise político-institucional acabou servindo para fazer uma nova calibragem entre os poderes da República para que continuem funcionais à ofensiva reacionária em curso. Assim, saíram circunstancialmente fortalecidos da crise Temer, Calheiros, a oligarquia política e todas as demais forças que hoje são centrais para que garantir a votação da PEC 55 – medida tática fundamental para destravar a maquinaria das contrarreformas que seguem para o próximo ano.

Porém, essa demonstração grotesca de que as principais instituições do Estado estão a serviço do ataque direto às condições básicas de vida dos trabalhadores aprofunda a crise. Crise política que já vinha se manifestando na baixíssima popularidade do governo, no crescimento da abstenção eleitoral nos grandes centros urbanos, na crise de representatividade dos partidos tradicionais e na polarização político-social que ganha às ruas e se manifesta na radicalização de discursos e ações.

Há uma tendência de que a votação da PEC 55 no segundo turno no Senado seja efetivada, pois a correlação de forças ainda esta marcada pela unidade burguesa em torno dessa medida, da traição dos aparatos sindicais e políticos, da mobilização ainda parcial dos trabalhadores e da juventude e da fragmentação da esquerda socialista. Porém, acumulam-se contradições que podem fazer com que esse equilíbrio de forças seja alterado no próximo período.

Como elementos contraditórios a tendência de avanço da pauta reacionária temos o aprofundamento da depressão econômica que coloca um nível de desemprego com potencial político explosivo, a crise financeira dos Estados que pode levar a duros enfrentamentos entre governos e funcionários públicos (o caso atual do Estado do Rio de Janeiro é emblemático) e a tomada de consciência das massas de que as contrarreformas irão provocar retrocessos históricos em suas condições de vida já começa a mobilizar a classe operária[3].

Além de crescimento gradual desses elementos de resistência, nesse final de semana novas denúncias do esquema de corrupção atingem diretamente Temer e todos os aliados. Em apenas uma das mais de 70 novas delações que estão por vir do esquema da Odebrecht (maior construtora do país) Temer surge diretamente em um depoimento pedindo contribuição financeira ilegal no valor de 10 milhões para o dono dessa empreiteira. Esse novo fato faz com que esse movimento de contra tendência à ofensiva reacionária abra uma nova conjuntura política em que não está apenas em questão as contrarreformas, mas o próprio governo.

Na verdade, já estamos mesmo em outra conjuntura política, pois a estratégia da classe dominante é aprovar já a PEC 55 no Senado em segundo turno para garantir o avanço tático da pauta reacionária e evitar que todo o edifício reacionário caia. Já há um clima de que Temer perdeu totalmente a sustentação política e precisa ser substituído. Na verdade, começam especulações de nomes de confiança da burguesia que possam assumir o governo a partir do ano que vem em uma votação indireta no Congresso Nacional[4].

É PRECISO UMA POLÍTICA INDEPENDENTE PARA A CORRUPÇÃO

Apesar dessa não ser a questão central dessa nota, é importante deixar registrado um posicionamento sobre o tema da corrupção, pois essa tem sido cada vez mais uma questão importante para a luta de classes e, consequentemente, para a política da esquerda socialista.

Desde o início do ano passado, esse tema foi levantado nas manifestações da direita pelo impeachment de Dilma. A classe dominante tem sabido através de novos movimentos de direita se aproveitar da indignação popular contra a corrupção endêmica para mobilizar a classe média e setores do proletariado convencidos de que a solução para os seus problemas se reduz ao combate à corrupção.

Que a classe dominante faça política para disputar uma parte da classe média e do proletariado não é novidade alguma. É parte substancia da política burguesa – e operária também – transformar os seus interesses particulares em interesses universais. A questão aqui é como a esquerda deve disputar com a direita esse tema de forma a atrair os trabalhadores e a juventude para a luta contra as pautas reacionárias que tramitam no congresso e por uma saída política dos trabalhadores para a situação.

O debate na esquerda sobre como disputar com a direita o tema da corrupção demonstra que pelo seu impressionismo e falta de referencial classista um setor da esquerda socialista desenvolveu variante oportunista no trato com essa questão.

Como essa nova direita (MBL e Vem pra rua) colocou como eixo a cassação de Calheiros, surgiu no interior da esquerda na semana passada uma discussão em torno da possibilidade de realizar atividades conjuntas. Essa, por exemplo, foi a posição da direção do PSTU[5] que em uma nota lamentou que as direções desses movimentos não aceitaram a proposta de realizar uma mobilização conjunta contra a corrupção no dia 4 de dezembro.

Posição parecida sustenta o MES[6]. Essa corrente parte da apreciação correta de que é necessário disputar as massas que estão nas ruas contra a corrupção para fortalecer a luta contra o governo, mas sem deixar claro que isso se faz mantendo as fronteiras políticas e organizativas da independência de classe. Com isso, acabou orientando a sua militância a compor os atos reacionários no dia 4 de dezembro.

É evidente que a operação Lava Jato reflete rusgas entre o Poder Judiciário, Legislativo e Executivo, o que não significa que para manter a governabilidade, a manobra palaciana reacionária e o avanço da ofensiva contra os trabalhadores não atuem de forma articulada, foi justamente isso o que ocorreu durante todo o processo do impeachment. Claro que isso não impede que produza fatos que exponham mais o caráter profundamente corrupto do Estado burguês, agravando ainda mais a crise política. Isso não significa que não tenhamos que preservar a mais absoluta independência política com essa operação da justiça federal. Nossa pauta em relação à luta contra a corrupção tem que ter um caráter totalmente diverso da que apresenta dos Promotores Federais, pois estes apresentam no bojo de seu pacote “anticorrupção” que tramita no Senado medidas totalmente reacionárias, esse é o caso da extinção do habeas corpus, por exemplo.

Não devemos assim depositar nenhuma ilusão na justiça federal, nosso programa anticorrupção tem que partir da necessidade de identificar que a corrupção é inerente ao sistema capitalista e deve ser combatida com a expropriação dos bens dos empresários e políticos burgueses envolvidos. Programa que não pare por aí, mas que responda à crescente demanda por democracia através da convocação de uma Assembleia Constituinte Soberana e Democrática imposta pela mobilização dos trabalhadores e da juventude.

A partir de uma orientação programática independente podemos pautar a luta contra a corrupção, mas de forma que essa seja independente no programa, na organização e na direção. O ato contra a corrupção do último dia 4 foi dirigido pela burguesia que apoia a pauta reacionária de Temer e defende medidas antidemocráticas. Assim, a esquerda precisa construir uma pauta anticorrupção dentro do seu campo para atrair os trabalhadores e parte da classe média sem se misturar politicamente e organizativamente com a burguesia.

A NECESSIDADE DE UMA FRENTE SOCIALISTA DE ESQUERDA

A posição de Viana (PT) e da direção desse partido no episódio da liminar que afastou Calheiros da Presidência do Senado deixa claro que têm um compromisso inabalável com a governabilidade burguesa, mesmo que essa esteja a serviço de ataques históricos contra a classe trabalhadora, como é o caso da PEC 55, da contrarreforma da Previdência, da contrarreforma trabalhista e de outras.

Abrir mão de aproveitar a crise político-institucional do início da semana passada para colocar em questão a pauta reacionária que tramita no Senado se configurou em um crime político, uma aberta traição aos setores da classe trabalhadora – e de setores da esquerda – que ainda depositam expectativas no PT. Os setores que acreditavam que após o impeachment esse partido poderia cumprir papel progressivo na luta de classes tem no posicionamento de Viana e da direção do PT um balde de água fria e nem um motivo sequer para permanecer em suas fileiras ou como base de sustentação.

Assim, estamos diante de uma situação que combina tremendos desafios e oportunidades para a esquerda socialista. O desafio se refere à necessidade imperiosa de construir uma Frente da Esquerda Socialista independente que possa dar o combate à burocracia petista desde a base para organizar a resistência contra os ajustes reacionários de Temer[7]. Desafio esse que se bem enfrentado coloca a possibilidade de que essa Frente dispute franjas massivas dos trabalhadores e da juventude, possibilitando que a esquerda socialista se construa como um fator político concreto na luta de classes nos próximos anos.

CONTRA A PEC 55, PELO FORA TEMER E POR ELEIÇÕES GERAIS JÁ

Os desafios do próximo período são imensos, a começar pela resistência contra a votação em segundo turno da PEC 55. Nesse sentido, é um absurdo que nenhuma das principais centrais, a começar pela CUT, esteja convocando atos centralizados contra essa votação.

É escandaloso também que a CSP-Conlutas, dirigida pelo PSTU e outros setores de esquerda, não tenha feito o chamado ao ato unificado com Frente Povo Sem Medo (FPSM) contra a PEC 55 para o dia de sua votação em segundo turno no Senado. Isso em uma nova conjuntura política em que o governo Temer está por um fio e que a juventude e os trabalhadores têm dado exemplos por todo o país de que é possível e querem resistir[8].

Diante dessa disposição de luta e das novas denúncias de corrupção que colocam em questão diretamente o governo, é possível fazer uma luta que barre a votação da PEC 55 e, além disso, reacenda a mobilização pelo Fora Temer. Mobilização essa que não pode se restringir a uma saída pela negativa, pois a burguesia tentará resolve-la através da eleição indireta no Congresso de uma figura bonapartista para continuar impondo as contrarreformas.

É preciso que, além de apresentar a proposta de Eleições Gerais Já, o conjunto da esquerda passe a defender uma política dos trabalhadores para uma crise estrutural que se agudiza cada vez mais. Nesse sentido, não podemos ficar restritos a uma saía pontual, precisamos de uma saída política mais global. Por isso defendemos a construção da mobilização desde baixo por uma Assembleia Constituinte Democrática e Soberana para solucionar todos os problemas democráticos pendentes e refundar o país a partir dos interesses dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, dos negros e de todos os oprimidos.

 

Fora Temer! Não a PEC 55! Não a contrarreforma da Previdência! Prisão e expropriação de todos corruptos e corruptores! Eleições Gerais Já e Assembleia Constituinte Democrática Imposta pela Luta!

[1] Renan se tornou réu no STF por peculato (despesas de um filho tido “fora do casamento” terem sido pagas por empreiteiras). Vale a pena lembrar que esse é apenas um dos sete processos em que está sendo investigado pela Polícia Federal.

[2] Essa aberta traição à luta contra a PEC 55 de um partido que se diz de oposição e contra essa medida só pode ser compreendida dentro de um acordo mais geral de preservação da governabilidade entre o PT e os demais partidos burgueses durante o processo de impeachment. Acordo esse que teve como expressão a costura por Calheiros, direção do PT e STF de um impeachment em que a perda do mandato de Dilma não significasse a perda dos direitos políticos, por exemplo. Dessa forma, renunciando à Presidência do Senado, o PT a custas dos interesses dos trabalhadores mantinha o acordo de governabilidade e devolvia a Calheiros o favor concedido na ocasião do impeachment.

[3] Milhares de metalúrgicos de São Bernardo do Campo foram às ruas nessa sexta-feira, 9 de dezembro contra a reforma da Previdência.

[4] Isso porque legalmente para que se tenha uma nova eleição presidencial Temer teria que renunciar até o dia 31 de dezembro.

[5] http://www.pstu.org.br/prisao-e-confisco-dos-bens-de-todos-os-corruptos-e-corruptores-fora-temer-e-esse-congresso-corrupto

[6] http://esquerdasocialista.com.br/esquerda-precisa-unir-luta-contra-o-ajuste-luta-contra-corrupcao/

 

[7] Claro que isso se faz exigindo que a burocracia organize a luta e denunciando quando não o faz ou quando trai os trabalhadores e a juventude.

[8] Em Brasília, no dia 29 de novembro, mais de 20 mil estudantes e trabalhadores fizeram um ato radicalizado contra a PEC 55, no Rio de Janeiro o enfrentamento dos funcionários públicos estaduais aos ataques do governo (PMDB) está em um nível tal de radicalização que fez com que parte da repressão recuasse e se integrasse aos manifestantes no último ato e em vários Estados os estudantes seguem mobilizados e com disposição de luta.

Por Antonio Soler, Socialismo ou Barbárie – tendência do PSOL, 12/12/2016

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