Os
atos que se seguiram ao 11 de setembro foram apoiados pelo
empresariado... Os militares cumpriram apenas o que lhes pediram
Pinochet
não foi um monstro
Por
Mário Maestri [1]
Enviado
por el autor, 12/12/06
A
morte de Augusto Pinochet, aos 91 anos, em Santiago, vai ensejar que
se escreva gatos e sapatos sobre o comandante do movimento cívico-militar
que derrubou Salvador Allende. Porém, o finado não foi o monstro
inventor da maldade. Pinochet nasceu em Valparaíso, em 1915, e
estudou em colégios religiosos, antes de entrar na escola militar.
Oficial da infantaria, casou-se bem, em 1943. Teve cinco filhos e vários
netinhos, aos quais era, segundo dizem, aficionado.
Pinochet
realizou carreira sem sobressaltos, normal em exército civilista,
para os padrões latino-americanos. Serviu através do país, fez a
Escola de Estado Maior, ensinou no Colégio Militar. Foi promovido a
general de Divisão e nomeado comandante de Santiago, em janeiro de
1971, e chefe do Exército, em agosto de 1973, por Allende, que
acreditou nele, após despachar Prats, o general democrata que lhe
apresentara a indecente proposta de cortar as cabeças dos golpistas,
antes que cortassem a da população chilena.
Pinochet
foi nomeado porque fizera carreira militar apolítica e não era mais
reacionário do que os outros altos oficiais, quase sem exceções
reacionários. Foi um azar da sorte que esse burocrata estivesse à
frente do Exército, em setembro de 1973. Apenas montou no cavalo
encilhado. Se não o fizesse, um outro o faria e comentaríamos hoje a
morte do general Fernandez ou Gutierrez, que teria feito, certamente,
tudo igual.
É
injusto acusar apenas Pinochet e os altos oficiais pelos certamente
mais de cinco mil populares massacrados e as dezenas de milhares de
chilenos com os corpos, espíritos e vidas destruídos. Os atos que se
seguiram ao 11 de setembro foram apoiados pelo empresariado e setores
abastados. Ainda se combatia e chilenos abonados deduravam colegas,
vizinhos e parentes. Os militares cumpriram apenas o que lhes pediram.
Não
devemos demonizar os chilenos alcagüetes. Eles se opuseram ao
socialismo por que temiam, com razão, perder privilégios,
propriedades, o direito à exploração. O programa da Unidade
Popular, tido então como reformista, era super-revolucionário, em
relação a hoje. Propunha aumentar salários, estatizar minas e
bancos, erradicar o latifúndio produtivo e improdutivo, etc. Não só
disse como cumpriu mais do que prometera, sob a pressão popular.
Qualquer comparação entre Lula-PT e Allende-UP é grave ofensa, para
uns e outros!
Devido
à sabotagem do capital e à mobilização popular, a nacionalização
econômica foi além do previsto. Em setembro de 1973, a maior parte
da economia estava nas mãos dos trabalhadores, funcionando sem
problemas. O empresariado, as classes abonadas e a alta oficialidade não
inventaram o perigo vermelho. Enfrentaram revolução em marcha,
impulsionada por movimento social consciente, organizado, combativo.
É
injustiça acusar apenas os direitistas chilenos. Os golpistas foram
apoiados, diretamente, pelos USA e, indiretamente, pelo chamado Mundo
Livre. Na época, era forte a luta revolucionária. Os chefes das
ditaduras e democracias festejaram o fim do governo socialista. Entre
os mais exultantes, estava a ditadura brasileira. A nossa embaixada
foi a única a não abrir as portas aos co-nacionais e estrangeiros caçados
como coelhos. Brasileiros foram massacrados devido à decisão do
Itamaray. A China também fez o mesmo, para fazer birra à URSS. Não
é de estranhar aonde chegou, hoje.
Não
podemos acusar Pinochet e os militares de violência gratuita. Eles
reprimiram um dos mais criativos movimentos sociais mundiais. A
tortura, morte, exílio, desemprego etc. eram necessários para criar
condições para implantar, em forma pioneira, as receitas neoliberais
- abertura econômica; flexibilização do trabalho; privatizações
da educação, saúde, bens públicos, etc. Chile foi o laboratório
de experiência que a seguir contaminou o mundo.
Pinochet
e o exército foram obrigados a estabelecer uma longa ditadura para
efetuarem a modernização que a senhora Margaret Tatcher impôs, com
alguma dificuldade, durante seu longo reinado inglês, e os senhores
FHC e Lula da Silva implementaram e implementam com velocidade e
facilidade elogiadas pelo empresariado mundial e nacional. Sempre há
o ônus do pioneirismo!
Toda
uma geração de dirigentes e ex-dirigentes mundiais, no recôndito do
coração, sofre com a morte do general. Quando da retenção de ex-ditador
na Inglaterra, em outubro de 1998, não era necessário bola de
cristal para prever que não terminaria a vida na prisão, como
vaticinou quem assina esse comentário, escrito há oito anos e
requentado para o momento festivo. Pinochet só não morreu em sua
cama porque foi levado para o hospital. Jamais se dirá que os
poderosos desse mundo são injustos para com os generais golpistas e
assemelhados.
.- Historiador,
estudou, como exilado, no Chile, de 1971 a 1973. É professor da
UPF. E-mail: maestri@via-rs.net
|