MES:
reforma ou revolução?
Por
Maurício Borges (*),
20/12/07
Este
artigo pretende entrar nas questões apresentadas por
Roberto Robaina, dirigente do Movimento Esquerda Socialista
(corrente do PSOL), no debate sobre a atualidade da
Revolução Russa realizado no dia 10 de novembro em
Porto Alegre, tomando como base, também, os últimos
documentos do MES.
No
debate foi apresentado por Robaina várias posições sobre
táticas: participação na legalidade, forma de atuação,
etc. Neste texto será dada ênfase às questões mais
gerais, que de certa forma podem delimitar a estratégia, e
que em última análise condicionam grande parte das políticas
do MES, chegando assim às táticas.
A
onda agora é 1905
Roberto
Robaina ao lembrar os 90 anos da Revolução Russa no debate
coloca como centro de argumentação de sua política atual
a "Ditadura Democrática dos Operários e
Camponeses", defendida por Lênin em 1905 no documento
"Duas Táticas" e corrigida mais tarde. A analogia
defendida busca argumentar que governos como Chávez e
Morales podem ser caracterizados desse modo e que no
decorrer do tempo podem romper com o Estado burguês e
caminhar rumo ao socialismo. Nesse sentido, Robaina faz
outra analogia, dessa vez com a Revolução Cubana,
afirmando que o que aconteceu em Cuba de 1959 a 1961 poderia
ser a fase vivida, em especial, pela Venezuela hoje. Ou
seja, a defesa de Robaina é que seria possível governos,
como o de Chávez e de Morales, romperem com o capitalismo
assim como ocorreu em Cuba em 1961.
Lênin
antes de corrigir suas posições acreditava ser necessário
passar pela "etapa" capitalista, tendo em vista o
grau de desenvolvimento econômico e o grau de consciência
das massas. As situações objetiva e subjetiva não
permitiam a revolução socialista naquele momento, segundo
Lênin, em Duas Táticas. A Revolução Democrática
era justificada como sendo um grande avanço, já que
significaria a realização de reformas democráticas no
sistema político, reformas sociais e econômicas. Em suma,
seria a realização do programa mínimo. Mas que
transformaria muito as relações numa Rússia absolutista,
de extrema pobreza da população, de enorme exploração do
campesinato, onde a crescente industrialização era
acompanhada da exploração do proletariado, que recebiam
salários miseráveis e tinham jornadas de 12 a 16 horas diárias.
Além disso, segundo Lênin, um governo provisório
revolucionário seria resultado de uma insurreição
popular vitoriosa, mas continuaria nos limites do Estado
burguês. Depois disso abriria um período de luta entre a
burguesia e proletariado - a burguesia tentando de um lado
retirar tudo que foi conquistado pelos trabalhadores durante
o período revolucionário, o proletariado por sua vez
tentando aumentar suas conquistas -, onde a burguesia
fortaleceria sua dominação.
Robaina
parece ignorar o fato de Lênin ter sugerido a Revolução
Democrática em contexto completamente diferente do
atual, parece ignorar também que o próprio Lênin corrigiu
sua posição. Trotsky na época já afirmava a ineficiência
da proposta de Ditadura Democrática dos Operários e
Camponeses de Lênin, argumentava que os camponeses,
apesar de cumprirem papel importante na revolução, não
teriam capacidade de cumprir papel político independente do
proletariado ou da burguesia. A revolução precisaria ser
dirigida pelo partido do proletariado. Trotsky também
afirmava que assim que o proletariado tivesse a hegemonia do
poder do Estado em suas mãos passaria logo, sem etapas, das
tarefas democráticas para as tarefas da revolução
socialista.
Em
Cuba, depois de 1959, Fidel dá início à uma série de
reformas, as tensões com os EUA cresciam e a influência
comunista no governo aumentava. Em 1960 o governo
norte-americano já apoiava, através da CIA, planos para
derrubar o governo de Fidel. Nesse período os EUA já começavam
as retaliações econômicas. Num contexto mundial de
bipolaridade, o governo cubano se apóia na URSS e rompe com
o capitalismo.
O
dirigente do MES, Robaina, aposta que existe a possibilidade
de Chávez romper com o capitalismo, assim como ocorrido em
Cuba.
Robaina
não deixa muito nítido como a Venezuela caminharia para o
socialismo, tendo em vista que a dinâmica do processo é
outra. Na situação cubana existia uma bipolaridade que
colaborou para que o governo de Fidel fosse rumo ao
socialismo. Hoje, o mundo é multipolarizado e sem a URSS.
Será que depois de dez anos Chávez rompe com o
capitalismo? Ou será que devemos apoiar suas medidas para
se reeleger indefinidamente, esperando que, talvez, em vinte
anos ou mais possa romper com o capitalismo? Mas e se Chávez
perder a eleição antes de romper com o capitalismo?
O
socialismo do século XXI
A
proposta do MES é formar um governo que, depedendo da dinâmica,
pode acabar rompendo com o capitalismo. Para a direção do
MES, hoje, a esquerda não tem como em um só golpe, assim
como Trotsky defendia na Revolução Permanente,
tomar o poder e construir o socialismo pela via revolucionária.
A tarefa da esquerda, então, é construir um governo,
baseado na proposta de Lênin de 1905, que ao longo do tempo
possa caminhar ao socialismo, como acreditam que ocorre na
Venezuela. Portanto, a política centrada nas eleições
seria a mais correta, na visão de Robaina.
De
modo geral, a defesa de revolução democrática separada da
revolução socialista faz com que o MES se afaste do
marxismo-revolucionário, aproximando-se mais das posições
de Plekhanov - evidente, a proposta de Plekhanov ainda era
muito mais transformadora para a Rússia do início do século
XX do que a proposta do Robaina. Trotsky na Revolução
Permanente afirmava que a conquista dos objetivos democráticos,
até mesmo nos países subdesenvolvidos, levaria diretamente
à ditadura do proletariado, sem que fosse necessário
passar vários anos com democracia burguesa. O que justifica
o abandono da via revolucionária como forma de tomada do
poder? Já se encontrou na história meio mais eficiente de
tomada do poder pelos trabalhadores para caminhar rumo ao
socialismo?
Na
prática o socialismo do século XXI para o MES é
simplesmente a gestão do Estado burguês, pela esquerda,
com perspectiva de ruptura com o capitalismo.
América
Latina e a via eleitoral
Chávez
e Morales são eleitos após períodos de grandes mobilizações
ou insurreções em seus países. As vitórias eleitorais na
Venezuela e Bolívia só são alcançadas depois que as
condições sociais, políticas e econômicas permitem, ou
seja, após os fatores objetivos e subjetivos permitirem que
as soluções para as crises enfrentadas em cada país
fossem capitalizadas para eleger Chávez e Morales. Na Bolívia,
por exemplo, Evo Morales só consegue ser eleito depois de
conseguir aglutinar em torno de sua candidatura a idéia de
que seria capaz de resolver as demandas levantadas pela
população, principalmente após as insurreições
populares.
Em
2003 Sanchez de Losada sofre uma onda de protestos por
iniciar proposta de exportação do gás boliviano aos EUA
por um porto do Chile. A maioria da população não
aceitava que o gás passasse por esse porto, já que a Bolívia
em 1789 havia perdido seu território que ligava ao mar, em
uma guerra com o Chile. A população rejeitava a proposta
de exportação do gás, não se sentindo beneficiada com a
venda, acreditavam que só as empresas estrangeiras
lucrariam, julgando que seria uma especie de
"saque" às riquezas do país. Nesse caso,
empresas dos EUA, país ao qual a população tem certa
hostilidade, principamente pela pressão que o governo
norte-americano fazia com a chamada "guerra contra as
drogas"(prejudicando o cultivo da coca), pelos ajustes
do FMI, etc. O governo boliviano por sua vez não
solucionava as demandas, nem dava respostas.
Numa
Bolívia onde 64% da população vivia abaixo da linha da
pobreza, país mais pobre da América do Sul, e que
enfrentava uma série de problemas, a população vê suas
riquezas naturais sendo entregues dessa forma. Para muitos
dos bolivianos as riquezas naturais seriam uma das poucas
formas de retirar o país da enorme pobreza em que vivia,
gerar emprego, etc.
Após
a onda de protestos, com mais de 60 mortos, Losada renuncia
ao cargo de presidente. Evo Morales e o MAS têm destaque
nas mobilizações. Carlos Mesa assume a presidência com
promessa de "trégua" dos movimentos populares
para que possa solucionar os problemas.
A
trégua acaba, a segunda onda de mobilizações tem como
centro a questão do gás. A nacionalização dos
hidrocarbonetos e a realização de uma Assembléia
Constituinte são as principais bandeiras dos movimentos
populares, que logo exigem a saída de Mesa. Morales nessa
época já é a principal figura de oposição. Cai Mesa e o
presidente da Suprema Corte de Justiça, Eduardo Rodriguez,
assume como presidente da Bolívia, devido à renúncia dos
presidentes das duas câmaras do Congresso. Rodriguez
adianta as eleições para tentar resolver a crise. Morales
sai fortalecido do processo, apesar de ter progressivamente
moderado seu discurso, sempre apontando como solução para
a crise as saídas institucionais e a via eleitoral.
Morales
vai para a eleição prometendo solucionar a questão do gás.
Com um discurso populista para as massas e um discurso
moderado para as elites, Morales acaba se elegendo
presidente.
Robaina
propõe que no Brasil se assuma o poder pela via eleitoral
para realizar sua proposta de governo que caminhe para o
socialismo. Mas se no Brasil não tem grandes mobilizações
ou insurreições como então impulsionar uma candidatura de
esquerda para que seja vitoriosa?
Eleições,
Partido e programa
Para
realizar sua proposta o MES propõe, então, criar um Bloco
político e social capaz de enfrentar o governo e a direita.
Bloco programaticamente amplo, que inclua setores
nacional-desevolvimentistas, setores das Forças Armadas,
pequenos empresários, etc., que através da luta
parlamentar e institucional aumente a base de questionamento
ao neoliberalismo e possibilite sucesso eleitoral. [1]
Portanto, Robaina afirma que o Partido deve atuar em diversas frentes,
desde as lutas institucionais até às mobilizações de
rua, para aglutinar e fortalecer para disputa eleitoral.
Desse modo, o MES defende um partido fortalecido [2], com
intervenção nos movimentos sociais - sindicatos,
movimentos de estudantes, de negros, de mulheres, GLBT, etc.
- porém não para impulsionar às lutas pela realização
das necessidades mais imediatas das massas, mas, sim, para
transformar o PSOL em verdadeira força eleitoral para
incidir no novo Bloco Social [3]. Ou seja, Robaina também
propõe, com isso, subordinar o principal instrumento de
conquista das massas, que são as lutas diretas, aos
desejados resultados eleitorais.
As alianças eleitorais tomam grande importância nesse cenário, já que
podem influenciar diretamente nos resultados eleitorais.
Tendo em vista que a proposta do MES de revolução democrática
permite setores da burguesia nacional - que segundo
Robaina, se encontram esmagados pelos grandes monopólios e
pelo grande capital internacional [4] - nesse Bloco Social,
a proposta de alianças eleitorais mais amplas não teria
problema, inclusive com partidos da burguesia, como o PSB e
o PV.
A tática eleitoral passa a ser pautada pelo resultado eleitoral que pode
gerar, se elege ou não, e não mais pelo benefício que
poderia gerar para a organização dos trabalhadores e para
as lutas. Nesse cenário, o MES segue uma lógica de atrair
os segmentos mais amplos possíveis, para, desse modo,
chegar aos outros setores sociais, obter mais tempo de
televisão, etc., por conseguinte, ganhar mais votos. Mas,
em alguns casos, para atrair esses novos setores é necessário
se afastar dos segmentos mais "inflexíveis"
programaticamente. Ou seja, na visão de Robaina, é mais
importante se aproximar de partidos que possibilitem um
resultado eleitoral melhor, mesmo que com isso se afaste dos
aliados de luta direta. Nesse sentido, temos o exemplo de
Porto Alegre, onde o MES defende aliança com o PV, mesmo
abrindo, assim, a possibilidade de se afastar do PSTU.
As eleições, a luta parlamentar e a luta institucional têm grande
importância - sem dúvida -, ainda mais na atual
conjuntura, porém, a forma de atuação que o MES defende
é extremamente prejudicial para reorganização da esquerda
no Brasil, pois afasta o PSOL dos demais partidos combativos
da esquerda e une aos partidos tradicionais em forma
praticamente estratégica. Desse modo, se dificulta a
construção das condições para que a esquerda possa atuar
de forma conjunta com maior inserção nos movimentos
sociais e até mesmo dirigir grandes mobilizações. Na
Argentina em 2001 tivemos o exemplo do quanto pode ser
perigoso a falta de diálogo e atuação conjunta da
esquerda, que naquele período não conseguia nem organizar
atos unitários em meio ao argentinazo.
Para garantir a viabilidade e aplicação de sua proposta o MES defende e
segue um modelo organizativo "disperso" de
partido. Nesse modelo de partido as instâncias para a base
decidir e pautar políticas quase não existem, as únicas
instâncias que funcionam são as direções, onde o MES tem
a hegemonia. Os parlamentares - que para as massas
representam o Partido - são independentes, respondem apenas
às suas correntes e não às decisões do conjunto da militância.
A defesa de partido amplo e, principalmente, disperso se
deve, sobretudo, como forma de garantir a aplicação das
políticas do MES, já que se houvesse debate, reflexão e
decisão da base seria mais difícil para o MES aprovar suas
políticas.
Com a hegemonia no Partido o MES pratica e persegue, como parte de sua tática,
uma ampliação nas fileiras do PSOL, abrindo espaço para
grupos e indivíduos de forma aleatória, que pouco ou nada
têm a ver com os objetivos do PSOL. A proposta de crescer
construindo cotidianamente as lutas abre espaço para um
crescimento pautado pela disputa eleitoral.
Robaina como já não defende mais a via revolucionária como forma de
tomada do poder pelos trabalhadores, deixa de criar as condições
para atuar sob uma perspectiva revolucionária, mesmo que
fosse a longo prazo, coloca como única alternativa a tomada
do poder via eleição, exclui outras possibilidades que
poderiam até mesmo andar juntas à sua proposta. A revolução
é algo que não podemos prever, pode demorar muitos anos ou
chegar rápido. Quem poderia imaginar o argentinazo,
ou as insurreições na Bolívia antes de se realizarem?
"As revoluções são impossíveis até que se tornem
inevitáveis", já dizia Leon Trotsky.
(*) Maurício Borges, 22, é graduando em Ciências Sociais pela UFRGS e
militante do PSOL. E-mail: mauricioborges17@hotmail.com
1.- Tese do MES/Poder Poluar para o I Congresso do PSOL. Ver:
http://www.esquerdasocialista.org/site2006/site/?inc=noticia_mostra&cod_noticia=0478
2.- Idem.
3.- Idem.
4.-
Idem.
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