Brasil

Primeiro Congresso da Conlutas

Trabalhadores saem desarmados para
os próximos desafios

Por A. C. Toninho
Práxis, 19/07/08

Composição do Primeiro Congresso da Conlutas

O Primeiro Congresso da Conlutas se realizou de 3 a 7 de julho em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Os dados oficiais disponíveis até o momento dão conta que o congresso reuniu 3.500 pessoas, 2.805 delegados que representaram 500 entidades e 175 sindicatos[1]. Como se vê o número de delegados foi muito aquém do anunciado pela direção nacional da Conlutas, algo em torno de 5 mil delegados.

Uma das primeiras questões que se coloca é o porque, até agora, não foi divulgada a verdadeira “conta política” do congresso, atitude sintomática. Segundo dados do MTL[2], na sua carta de ruptura com a Conlutas, a composição social da entidade é majoritariamente de estudantes e de trabalhadores de serviços[3]. Outra fonte extra-oficial informa que dos 2800 delegados mais de 840 eram estudantes.

Tudo indica que a publicação dos dados oficiais do Congresso iria demonstrar algumas fragilidades que a direção da Conlutas (PSTU) tenta escamotear. Independente dos dados era visível que a base operária do Congresso era extremamente minoritária e que grande parte dos delegados não representava movimento sindical, popular ou estudantil algum. Além do mais, a representação dos sindicatos - não se sabe em qual base social - constituem na Conlutas apenas uma ligeira maioria, quase equiparada com a estudantil, que é predominantemente universitária.

De forma alguma, a necessidade de um sindicalismo de novo tipo onde os setores precarizados sejam incorporados e onde haja um trabalho sistemático com as demais categorias, ou que o movimento estudantil e a juventude são verdadeiros celeiros de quadros para a luta anticapitalista, a questão é que a história da luta de classes no século XX e a mais recente confirmam que a classe operária organizada e consciente do seu papel político ao contrário do que diz a tradição objetivista[4] é insubstituível.

Não concordamos que com a reestruturação produtiva o peso da classe operária se igualou a outras categorias assalariadas ou que “vivem do trabalho” (Antunes), para nós apesar das transformações, fragmentação e outras mudanças na sua composição social, as experiências históricas e recentes da luta de classe demonstram que sem um movimento operário autonomamente organizado não é possível formar um “bloco histórico” capaz de dar os combates necessários para transformação da realidade.

Se fizermos uma simples comparação entre a quantidade e a importância econômica e social dos setores organizados na CUT[5] - é evidente que se trata de uma central governistas e totalmente burocratizadas - podemos verificar o tamanho do desafio que a Conlutas tem pela frente.

A questão é que sem uma política para disputar sistematicamente a base destas centrais é - preocupação que passou ao largo das discussões e resoluções do Congresso - impossível construir verdadeiramente uma central que seja de fato um fórum de frente única dos trabalhadores.

Com a injustificada saída do MTL da Conlutas - pela absurda defesa política deste setor ao Governo Chavez e por uma tentativa de negociar condições mais vantajosas em uma “possível unificação” - a questão da base social da Conlutas se agrava ainda mais. Pois além da escassez de base sindical e operária real, a desproporção entre o PSTU e os demais setores é desproporcional. Ou seja, o caráter de frente única que todo sindicato ou central deve ter acaba sendo quase nulo. Assim, a nosso ver a Conlutas se constitui em uma organização intermediária entre uma colateral do PSTU e uma organização sindical minúscula de frente única que não conta com uma ampla base operária.

A Conlutas é a expressão de uma ruptura necessária com o governo e com a CUT, a permanência nesta ultima significaria a inviabilidade de constituir um movimento autêntico da classe trabalhadora.

De outro lado, a Intersindical que se constitui como uma das rupturas com a CUT passa por uma luta interna entre os setores que pretendem uma unificação e setores contrários. Na sua última conferência votou a resolução de estabelecer um processo de discussão em torno da necessidade de construir a unidade com a Conlutas.

O peso do reformismo na Intersindical é sem dúvida muito maior do que na Conlutas. O que deve ser politicamente combatido. Mas, a questão é que a construção de uma central sindical - organismo necessariamente de frente única - não se restringe apenas aos setores revolucionários. A ruptura com a CUT não ocorreu pelo fato de sua direção assumir posições reformistas, mas devido ao seu apoio a um governo que ataca diretamente os trabalhadores.

A unificação da Conlutas e da Intersindical a partir de um programa classista, anticapitalista, antigovernista, independente e com um funcionamento baseado na democracia operária e na luta contra o aparelhismo - tão característico do movimento sindical brasileiro, mesmo entre os setores de esquerda - com o objetivo de disputar o conjunto dos trabalhadores com a CUT e Força Sindical e impulsionar as lutas pelos interesses da classe trabalhadora consiste em uma ação uma operação política decisiva.

Negar está necessidade é confundir - como fazem as seitas - critérios de composição sindical com critérios de composição partidária, confusão que costuma fazer algumas correntes esquemáticas.

Resoluções do Congresso

A começar pela dinâmica proposta para as discussões e resoluções no Primeiro Congresso, encontramos uma série de problemas, pois tudo o que sempre lutamos contra nos congressos organizados pela Articulação[6] foram reproduzidos pelo PSTU.

Tais como: pouco tempo para apresentação de teses falta; de garantias democráticas na sistematização das propostas dos grupos a serem apresentadas nas plenárias gerais e prioridade para Mesas e Palestras. Como se vê, parece que a direção majoritária da Conlutas padece de uma absoluta falta de memória - e não se trata de uma larga memória histórica -, pois basta assumir parte da direção de uma processo muito inicial e limitado de recomposição sindical para repetir práticas que condenava há muito pouco tempo atrás.

Todo o Congresso foi marcado por um clima morno e de muita dispersão, pouco mais da metade dos delegados participaram efetivamente dos grupos de discussão. As poucas delegações, duas ou três, que constituíram colunas a fizeram por região e não por fábrica ou categoria de trabalhadores. Ficamos esperando, por exemplo, as colunas dos trabalhadores da GM de São José dos Campos ou Revap, processos caracterizados como “grandes vitórias” pela direção da Conlutas, mas não se formaram.

Não havia entre os poucos delegados que encontrávamos destas estruturas nenhum entusiasmo com a sua experiência ou resultado de suas lutas e não foi organizada pela coordenação dos trabalhos nenhuma mesa ou palestra para que estes trabalhadores compartilhassem as suas experiências com os demais delegados, ou seja, o primeiro congresso muito pouco refletiu sobre as experiências mais recentes da luta sindical e popular no Brasil.

Houve assim, um fragoroso descompasso entre as avaliações triunfalistas do PSTU e a realidade política do Congresso, não que estes trabalhadores não realizaram importantes resistências nos últimos meses, pelo contrário. Parece que o problema é outro. Ao dar ênfase para a discussão concreta destas lutas onde a Conlutas interviu diretamente uma série de problemas na direção destas mobilizações seria apontados por vários setores, assim, com todas as burocracias, a direção da Conlutas prefere colocar a sujeira debaixo do tapete; ou seja, diante de possíveis críticas para esta lógica é melhor não fazer a reflexão de forma direta com os trabalhadores, forma mesquinha de manter posições e prestígio.

As resoluções aprovadas que na prática nada alteram a direção e situação organizativa e política anterior da entidade, em alguns aspectos houve até retrocesso. Vejamos: reafirmou o seu caráter “sindical e popular”, com 10% de entidades estudantis na direção, e a Secretaria Executiva (direção) será eleita por uma plenária de entidades; chamado à Intersindical para a “formação de um pólo de lutas e unidade nas lutas cotidianas” e reedição do “Fórum Nacional de Mobilização” e uma campanha pelo “gatilho automático dos salários” [7].

Em relação a um ponto fundamental para a luta de classes na América Latina a resolução tirada é extremamente genérica, nos seguintes termos: “independência política em relação a todos os governos capitalistas”. Perdeu-se, assim, uma oportunidade fundamental para definir categoricamente que governos nacionalistas burgueses - como o de Chavez ou Morales - não representam os interesses dos trabalhadores e, por isso, é necessário fortalecer as lutas, bem como as organizações independentes dos trabalhadores.

O debate e as resoluções do Congresso não romperam com a política corporativista, superestrutural e triunfalista[8] imposta por sua direção majoritária (PSTU). Além do mais, não foi discutido a fundo como superar a hegemonia lulista e a experiência de fragmentação e isolamento das últimas mobilizações dos trabalhadores no Brasil, como a greve da General Motors (GM), dos terceirizados da REVAP[9] em São José dos Campos e a dos professores da rede pública estadual de São Paulo e mais recentemente os trabalhadores dos correios. Estas foram importantes mobilizações que conseguiram reverter parcialmente os ataques patronais ou governamentais, mas que ficaram longe de significar vitórias categóricas para o movimento.

No caso das universidades federais as ocupações, apesar do importante movimento que originaram, não conseguiram conter o REUNI[10] - nos campi de expansão da UNIFESP, por exemplo, nada mudou - e a heróica ocupação da Universidade de São Paulo, conteve parcialmente o fim da autonomia universitária, mas não conseguiu deter a política de reestruturação do governo Serra.

Em relação à greve da GM, que conteve o banco de horas, esta não inviabilizou a contratação temporária, o rebaixamento salarial e as horas-extras. Por ultimo, a recente e violenta repressão aos trabalhadores terceirizados que trabalham nas obras de expansão da REVAP, que após 31 dias de greve organizada contra a direção cutista do sindicato, estavam mobilizados contra a demissão dos membros da comissão de fábrica. Após a violenta repressão policial no dia 10 a Ecovap (empresa responsáveis pelas obras de ampliação da Revap) demitiu cerca de mil trabalhadores.

Este último exemplo demonstra de maneira categórica que o que estamos afirmando sobre as insuficiências do Primeiro Congresso da Conlutas, pois, um tema fundamental como o da necessidade imperiosa de unificar as lutas e romper como o corporativismo não teve espaço durante o congresso. Desta forma, confirmando nossas previsões, infelizmente o Congresso se constituiu muito mais como uma tentativa de vitrine do que um ponto de partida suficiente para a luta contra a influência lulista e cutista sobre a massa do movimento sindical e popular no Brasil.

Assim, enquanto a direção majoritária da Conlutas (PSTU) e o conjunto da vanguarda envolvida neste projeto não extrair, de fato, as lições da luta comum contra a Articulação e outras burocracias sindicais enraizadas na vida cotidiana dos trabalhadores, a construção de uma ferramenta sindical nacional independente estará adiada.

E isto não se faz com pirotecnia. É necessário antes de tudo lutar contra o economicismo, o corporativismo, a superestruturação e a protoburocracia, desvios mortais que já encontramos na curta mais significativa história da Conlutas e que a sua direção se recusa a enfrentar.


[1] Estes foram os únicos números oficiais apresentados pela direção da Conlutas.

[2] Movimento Terra Trabalho e Liberdade.

[3] Perspectiva de composição do Congresso: Sindicatos: 26,36%; Federações, confederações e Sindicatos Nacionais: 0,91%; Minorias e oposições: 24,16%; Setores populares urbanos: 8,83%; Movimentos do campo: 8,57%; Cortes de opressão: 5,97%; Estudantes: 25,19%.

[4] Objetivismo consiste em uma visão mecânica da revolução socialista onde o papel da classe operária como sujeito social é secundarizado. Considera possível realizar medidas socialistas sem partido revolucionário, classe operária e organismos democráticos de duplo poder. Nesta visão há uma terrível confusão entre estatização e socialização dos meios de produção.

[5] A CUT conta com 3.438 Entidades filiadas e 7.464.846 sócios segundo dados oficiais encontrados no seu sitio nacional.

[6] Corrente Política que dirige a CUT e o PT.

[7] Constitui um mecanismo que pretende recompor mensalmente os salários dos trabalhadores em base aos cálculos de inflação mensal.

[8] Chamamos de triunfalismo a mania política de transformar o resultado de todas as lutas em “grandes vitórias”, postura que desarma os trabalhadores para os ataques patronais que tendem a ser cada vez mais constantes.

[9]  Refinaria localizada no Vale do Paraíba, São Paulo, ligada à Petrobrás.

[10] Política de expansão das Universidades Federais que por falta de infraestrutura e verbas compromete a qualidade do ensino superior.