Brasil

As consequências da crise econômica mundial
no Brasil e a reação dos trabalhadores

Por Antonio Carlos Soler
Práxis, 05/12/08

Já é praticamente consenso a avaliação de que o mundo vive a Crise Econômica mais seria e profunda desde a Grande Depressão do início do século XX devido a uma combinação distinta de fatores: diferente das crises que sucederam a Crise de 29 que se deram na periferia do capitalismo, essa crise tem seu epicentro no coração do até então centro do capitalismo mundial os EUA[1]. Outro aspecto importante é que essa crise tem tomado um caráter mundial e sistêmico, isto é, tem atingido ao conjunto dos países, embora de maneira distinta, e a todos os setores da economia, ao mesmo tempo em que se dá em um momento de recessão da economia dos EUA e de perda da hegemonia internacional desse país.

A falência dos maiores bancos hipotecários dos EUA e a desvalorização brutal das maiores empresas do mundo – como a GM que teve o seu valor bursátil reduzido a algo em torno a 80% -, o resgate pelo governo dos Estados Unidos ao Citigroup - cuja ações haviam caído 83% desde o início do ano ações do grupo despencaram de US$ 55, em 2006, para menos de US$ 4, na semana passada.-, no valor de US$ 326 bilhões, confirma a gravidade, complexidade e profundidade da atual crise econômica mundial e dos inevitáveis desdobramentos na esfera política da luta de classes.

A Crise Econômica, anunciada em fevereiro de 2007, que teve a sua primeira expressão na crise das hipotecas estadunidenses, com grave desdobramento a partir de setembro do corrente ano, que, até agora, era tratada pelo Governo Lula como um problema externo ao Brasil e que não afetaria o crescimento do PIB interno, uma vez que nas palavras do governo 'a economia brasileira estaria blindada', ou seja, que passaríamos a margem da atual crise vem dando claros sinais de que não vai poupar nenhum país do mundo, de forma mais ou menos intensa.

Quando a mesma crise teve o seu repique decisivo com a quebra dos principais bancos dos EUA o discurso oficial e de muitos analista ligados aos interesses do capital era de que a economia brasileira estaria, devido aos seus fundamentos macroeconômicos, de alguma forma, protegida diante dos grandes abalos que já se sentiam nos EUA e na Europa. Pois bem, passados estes poucos meses mesmo o discurso de lula começa a mudar, agora não se trata mais de uma “marolinha”, mas sim de repercussões que já estão “custando caro ao governo”, segundo Lula. Além da típica fraseologia, a confiança do governo se assentava em alguns dados econômicos tais como a reserva mundial em dólares algo em torno a 200 bilhões, a maior diversificação comercial brasileira com o comércio intra mercosul, África e China, liquidez do sistema financeiro nacional com bancos nacionais figurando entre os mais lucrativos do mundo e transações financeiras mais criteriosamente estabelecidas[2].

O problema é que só podemos entender o fenômeno nacional levando em conta dados e tendências contraditórias e complementares colocados à baila na situação econômica atual do Brasil, pois a dinâmica econômica brasileira conta com indicadores que acabam por manter ainda este ano apesar das tendências claras de desaceleração da economia nacional uma situação diferenciada em relação aos países centrais, ou seja, os dados de crescimento do emprego no último mês demonstram o crescimento do emprego - com salários mais baixos - em todas as capitais, a manutenção do PIB em 2,5 %, na previsão mais otimista da ONU, para 2008.

Apesar de não haver na economia brasileira, até agora, uma queda vertiginosa dos seus principais indicadores econômicos - devido, dentre outros fatores, à inércia econômica do último período - o fato é que o país passa por uma séria desaceleração com todos os seus dados principais indicadores em significativa queda, e o próprio governo é obrigado a reconhecer. Para o Banco Central (BC) o crescimento econômico brasileiro para 2009 será inferior a 3%, já a ONU faz previsão mais sombria, com um crescimento de 0,5% do PIB, para o ano corrente a previsão é de um crescimento de 5,4% e os demais indicadores estão sendo reavaliados para baixo no comparativo de 2008 para 2009[3].

Apesar da inércia econômica do último período e do monumental esforço governamental para injetar dinheiro público no mercado para financiar o grande capital e manter intacta a lucratividade, colapso da economia mundial está sendo profundamente sentido no Brasil. O fato é que com a diminuição dos financiamentos internacionais, o que provocará a diminuição brutal das linhas de créditos o financiamento internacional foi quase totalmente cortada, fato que explique, em parte, as dificuldades, mesmo com todos os gastos públicos - já se gastou algo em torno de R$ 200 bilhões -, que o governo enfrenta para substituir o financiamento nacional e internacional. Claro esta que existe da parte do capital bancário um comportamento típico em momentos de crise de entesourar e encarecer de forma significativa a taxa de juros. Não há mais dúvida, inclusive nos meios burgueses, de que países “emergentes” como o Brasil serão durante afetados com a crise.

A política de LULA não é distinta da de FHC - apesar de no período LULA ter havido uma redução significativa da taxa de juros -, pois não há uma inversão estrutural da política monetária na medida que o único mecanismo previsto de controle inflacionário dos dois governos é o aumento da taxa de juros[4]. A redução do item produtos industrializados na pauta de exportações e sua substituição por aumento de exportações de setores intensivos em recursos naturais, da alta lucratividade do capital bancário[5] são elementos que implicaram na manutenção de uma inserção subordinada no sistema econômico internacional. Exemplo cabal disto é a remessa de lucro de 18 bilhões de dólares no primeiro semestre de 2008, praticamente duas vezes mais do que enviado no mesmo período em 2007 do ano passado, estes valores significam o pior déficit em conta corrente da história[6], este aumento das exportações se somou ao crescimento do crédito interno, que por sua vez aumentou em muito o consumo.

Podemos dizer que o crescimento do último período foi ancorado em dois processos combinados: aumento das exportações de commodities, do crescimento do consumo interno, possibilitados pelo crescimento do crédito interno e externo. Aqui aparece o grande problema da economia brasileira. Com o tsunami econômico dos últimos meses, que se aprofundou nos últimos dias esses dois mecanismos entraram em cheque. Assim, com a escassez de crédito internacional que financiou boa parte da produção e do consumo nacional, por um lado, e pela queda no preço e na demanda das commodities devido a recessão mundial, por outro, o Brasil esta enfrentando um processo combinado de estrangulamento do crédito, de elevação do câmbio com o dólar com constante tendência de alta, apesar das injeções cavalares da moeda estrangeira no mercado, com a tendência, também, de alta inflacionária apesar da redução do consumo, fenômeno ligado à estrutura monopolista do Brasil, altas taxas públicas, encarecimento dos bens importados que tem levado a redução da atividade econômica indicada dentre outros fatores na redução drástica das importações e das exportações.

O crescimento econômico anterior, sobre a base da precarização, desemprego e arrocho salarial, permitiu ao governo e as centrais operárias governistas têm conseguido manter o movimento de massas em geral e os trabalhadores em especial em estado de letargia. Este estado de abundância de capitais tem como base o crescimento econômico brasileiro, ancorado no alto preço das commodities, setor que conjuntamente com o financeiro tem tido lucros fabulosos durante o governo Lula e no crédito da do pelo setor financeiro que tem puxado o consumo de parte da população em bens duráveis. Por isso o governo é obrigado a mudar o seu discurso sob pena de atrapalhar os movimentos reais do governo brasileiro, assim, a crise que chegaria ao Brasiul mais parecendo uma “marolinha” co que um tsunami agora ganha outra terminologia, sempre para mascarar a realidade, pois nem a diversificação dos parceiros comerciais, nem as reservas externas, nem o mercado financeiro mais regulamentado e nem a política monetária, com uma possível redução das taxas de juros, política que se demonstra em curto prazo inviável devido a permanência das altas inflacionárias, estão contendo a aceleração dos elementos fundamentais da crise no Brasil[7].

A crise econômica começa a se fazer sentir da maneira mais dramática possível para os trabalhadores, ou seja, através das demissões em massa e da precarização, ainda maior, das condições e trabalho. Com a queda brutal na produção e nas vendas de veículos no mês de novembro (34% e 25%, respectivamente) causa direta da redução das linhas de crédito internacional, impacto tão brutal sobre o financiamento do consumo que os R$ 8 bilhões disponibilizados pelo governo federal e paulista para os bancos das montadoras de veículos não podem atenuar. As principais montadores do país já deram férias coletivas para os funcionários, na GM a ofensiva da patronal em relação aos planos de “demissão voluntária” ganha mais intensidade. Agora não se trata mais das ferias coletivas ou de nenhum efeito sazonal de final de ano, mas de demissões que começam a se fazer massivas. Estamos vivendo um processo de ataques aos trabalhadores que não se restringe apenas a demissão direta, férias coletivas, remanejamento de pessoal e outras formas de precarização direta e indireta do trabalho. Nesta semana a Vale - maior mineradora brasileira e uma das maiores do mundo -, construída pelo Estado e privatizada no governo FHC e que conta com 62 mil funcionários, vai demitir 1.300 trabalhadores em todo nas suas filiais e no Brasil, a maioria destes demitidos trabalham em Minas Gerais, mas não para por aí, as demissões estão ocorrendo em vários setores da economia. A LG - empresa de produtos eletrônicos - anunciou a demissão de 500 funcionários só em Taubaté (interior paulista).

As demissões chegaram com força também nos bancos, maiores beneficiários do crescimento econômico do período anterior. Notícias dão conta que os bancos pequenos demitiram ao menos 890 pessoas, nos bancos de investimento houve cortes de mais 500 profissionais em São Paulo e no Rio. O processo de fusão de vários bancos n último período (Santander e Real; Banco do Brasil e Nossa Caixa; Itaú e Unibanco em 2009, só para citar alguns exemplos) indicam que as demissões tendem a se generalizar no próximo ano.

Além das demissões outras iniciativas política no sentido de reduzir custos e conseqüentemente atacar os trabalhadores estão se desenvolvendo em várias frentes, dentre elas podemos destacar as novas negociações no Fórum Nacional do Trabalho em relação à reforma trabalhista (dentre outras medidas significa passar a legalidade sindical e as decisões para o controle direto das centrais sindicais) e da previdência (como decisão central o aumento da idade mínima para a aposentadoria) e o projeto de lei que irá liberar a terceirização para todos em toda a cadeia produtiva, ou seja, até então as montadoras, por exemplo, com a reforma de Fernando Henrique Cardoso (FHC) só podem terceirizar setores não ligados diretamente à montagem de veículos que é a sua área de atuação central, com a nova lei todos os setores poderão er terceirizados o que irá implicar, logicamente, piora brutal de salários e condições de trabalho. Ou seja, esta como nunca na ordem do dia armar o conjunto da classe trabalhadora contra as demissões e a precarização das condições de trabalho.

PSTU e Conlutas devem romper com o corporativismo e organizar amplamente a luta para que trabalhadores não paguem a CONTA DA CRISE criada pelo capitalismo

Como sempre, a burguesia e seus governos colocam nos ombros dos trabalhadores o fardo das medidas que serão tomadas para salvar o capitalismo. Nos EUA vário pacotes bilionários tentam desesperadamente salvar bancos e indústrias que quebraram com em efeito cascata com a crise, transferindo a conta para os trabalhadores norte-americanos, no Brasil, Lula e a burguesia, atuam no mesmo sentido, como indicam os dados relativos às demissões em vários setores da economia. O problema é que já não estamos falando de previsões abstratas, pois estamos diante de um acelerado processo de demissões em diversas categorias.

O movimento de massas no Brasil enfrenta importantes entraves para que esteja à altura das necessidades do atual período, como não se bastasse o governismo da CUT e das demais centrais, no campo da esquerda nos debatemos com o economicismo que tem caracterizado a atuação do PSTU e da Conlutas nos processos de resistências e mobilizações. Poderíamos dar uma série de exemplos do último período que comprovam esta caracterização, mas basta destacar a postura da Conlutas (PSTU) diante da mobilização dos trabalhadores da GM de São José dos Campos (interior paulista) no primeiro semestre de 2008 que enfrentaram um pacote de ataques da empresa. Este foi apenas um exemplo de processo de mobilização que permitia e exigia uma política que rompesse com o isolamento a que foram submetidos estes trabalhadores, mas o PSTU ao não romper com a sua lógica corporativa e imediatista tratou de manter a mobilização dos trabalhadores da GM restrita limites de São José dos Campos e do seu controle político.

Agora, estamos diante da concretização das demissões massivas devido ao contagio da crise mundial. Diante disso a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e o PSUT se limitam a dizer “se demitir, vamos parar” e que “A proposta da Conlutas é que se realizem reuniões em todo o país, com os ativistas de cada categoria. E preparar um plano de lutas concreto, com chamados a assembléias em cada categoria ou região, para discutir a preparação da luta em caso de demissões. É preciso preparar as ações defensivas dos trabalhadores em cada região e categoria.”(Opinião Socialista nº 363). Existem dois problemas graves na elaboração da Conlutas e do PSTU, o primeiro é em relação à dinâmica da luta de classes, pois uma direção minimamente classista não pode ser reativa, ou seja, o lema  “se demitir, vamos parar” coloca os trabalhadores em uma posição totalmente defensiva diante dos movimentos que vem fazendo os patrões. Esta é uma colocação política que simplesmente desconsidera a gravidade da crise e dos ataques que necessariamente já estão em curso contra o conjunto da classe.

O outro problema é que mais uma vez o PSTU se demonstra incapaz de romper com a sua lógica economicista que joga contra a mobilização e a politização da classe, pois o que está colocado é a necessidade de organizar não apenas as categorias de forma isolada e por região, como propõem, mas, sim encontros de base, precedidos de uma real discussão por local de trabalho por Região ou Estado, com o objetivo de o mais amplamente nos anteciparmos aos violentos ataques que estão em curso os ataques e armem os trabalhadores com um programa socialista para enfrentar a crise.   Nesse sentido a CONLUTAS, e mais especificamente sua direção controlada pelo PSTU, tem uma enorme responsabilidade política sobre a possível emergência de um setor de massas e de uma ampla vanguarda que deve se colocar à frente dos desafios imediatos e históricos que a crise atual coloca.


[1] As perdas com a crise financeira global já chegam a US$ 5 trilhões, segundo o Fórum Econômico Mundial e as perdas dos principais bancos americanos e europeus com a crise serão de mais de US$ 1,4 trilhão, acima do US$ 1,3 trilhão que o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, havia previsto semanas antes.

[2] A associação entre o capital bancário e o capital produtivo tem produzido no Brasil taxas de lucro exorbitantes que tem servido para contrabalançar a queda das taxas de juros nos países centrais - estima-se que no último período a taxa de lucro tem caído em média 2% ao ano.

[3] A inflação de 5,25% para 5,25%; as taxas de juros de 13,31% para 13,5%; a balança comercial de R$ 23 bilhões, com saldo de R$ 6 bilhões em 2008, para R$ 13,66 bilhões em 2009; Investimentos Externos Diretos de R$ 35 bilhões para R$ 25 bilhões e a produção industrial de 5,76% para 3,10%. 

[4] O crescimento do PIB nos últimos anos tem possível dentre outros fatores, a partir de um processo de intensificação do papel de exportador de bens primários. Este processo representa um aumento da vulnerabilidade externa estrutural do Brasil, provocada pela primarização da produção e do comércio internacional na economia brasileira, o que tem leva à perda constante de posições nas exportações de mercadoria de valores agregados. A questão é que o crescimento econômico se sustentava pela valorização das commodities, particularmente as agrícolas, e pelo financiamento externo da produção e financiamento da compra de automóveis, setor responsável por 15% do PIB nacional. Desta forma, foi enviando ao Brasil, nos últimos anos, cerca de 330 bilhões de dólares na forma de dinheiro, parte desse recurso foi aplicado através dos bancos locais para incentivar as vendas a prazo, de Imóveis, eletrodomésticos, e automóveis, a taxas médias de 47% ao ano.

[5] Segundo balanços financeiros de 30 de junho, os bancos registraram rentabilidade de 21,7%, e os americanos, ficaram com rentabilidade de 8,9%. O Banco Central, com o objetivo de conter a inflação e ao mesmo tempo garantir as altas taxas de lucro, aplica a tradicional política de elevação da Taxa Básica de Juros (SELIC) - no início do estava em 11,25%, hoje chegou a 13% ao ano -, mecanismo monetarista de contenção restrição do consumo. Do final de 2002 até o primeiro semestre de 2008, rentabilidade dos bancos brasileiros saltou de 12,4% para 21,7%. Já entre os bancos nos EUA, nesse mesmo período, a rentabilidade caiu de 15,7% para 8,9%. (Guilherme Barros. Rentabilidade de bancos no país supera a dos EUA Folha de S.Paulo. 25 de Agosto de 2008).

[6] Essa inserção é baseada em exportações de produtos de baixa complexidade (principalmente commodities), possibilitou ao governo, utilizando o período de alto crescimento econômico internacional, manter um período de crescimento econômico, como aumento de salários - aumento esse que sempre ficou abaixo dos lucros das empresas - crescimento de trabalho com carteira assinada, esse crescimento e melhoria relativa dos salários e do nível de emprego que levou a Lula ter o maior índice de aprovação da história do país.

[7] É fato que o comercio exterior do Brasil com os EUA é em torno a 15%, o problema é na economia mundializada as economias são cada vez mais interdependentes, por exemplo, o Brasil aumentou em muito o comercio com a China, que por sua vez é o maior vendedor para os EUA, com a recessão nos EUA a China vende menos e se vende menos, compra menos do Brasil e comprando menos o Brasil exporta menos, exportando menos se produz menos, porque o mercado nacional não pode dar conta do total da produção, lógica que já está levando a uma desaleceração da produção industrial verificada em vários indicadores econômicos.