Brasil

Crise econômica marca definitivamente a realidade política nacional e provoca demissões em massa

Uma nova situação política nacional pode
estar em curso

Por Antonio Carlos Soler
Práxis, Fevereiro de 2009

Vários analistas ao fazerem uma periodização da atual crise econômica mundial apontam que estamos entrando em sua terceira fase. A primeira fase foi anunciada em fevereiro de 2007 e sua primeira expressão foi a crise das hipotecas estadunidenses; a segunda fase teve início com a quebradeira de todo o setor financeiro e das grandes empresas transnacionais, como a GM, por exemplo; a terceira fase se caracteriza pela plena recessão nos países imperialistas, pela generalização da crise para todos os setores da economia, atingindo indistintamente todos os países do globo, e pela brutal ofensiva sobre empregos e direitos trabalhistas.

Os dados relacionados à perda de postos de trabalho em todo o mundo são alarmantes. Nos EUA o desemprego pode atingir 9% até o final de 2009, no Japão grandes empresas efetuam milhões de demissões e anunciam o fechamento de fábricas nos próximos anos, na China 150 milhões de trabalhadores migrantes estão ameaçados pelo desemprego. Apenas na semana passada as demissões já passavam de 150 mil em todo o mundo.

Neste cenário de recessão, com forte redução do crédito internacional, queda da demanda em todos os setores e sustentação dos governos e das burocracias sindicais e políticas à lógica do capital, os trabalhadores enfrentam dificuldades para defenderem os seus empregos e direitos. Com isso, os patrões aproveitam para impor saídas que cortam direitos e impõem maior exploração através do aumento das taxas de juros bancárias, corte de salários, bancos de horas etc, fazendo com que os trabalhadores paguem a conta diante da crise econômica.

Sem dúvida, apesar destas dificuldades, tanto em nível “macro” como “micro” já existem sinais importantes da transferência da crise econômica para o terreno da luta, como podemos verificar desde a greve geral, com violentos enfrentamentos, que acaba de acontecer na França, até a profusão de importantes lutas em todo o globo, como na Grécia, na Inglaterra, na Espanha e na China, por exemplo.

A destruição em massa do emprego e o ataque aos salários

Em nosso país o mito construído pelo governo de que “a economia brasileira estaria blindada” já faz parte do passado, agora a nova construção ideológica do bloco de classe hegemônico vai no sentido de tentar convencer os trabalhadores de que esta crise é passageira e de que se patrões e empregados chegarem a um acordo nos próximos meses tudo estará resolvido. É essa construção ideológica difundida pelo governo, CUT e outras centrais sindicais pelegas que tem embalado os vários “acordos” de redução dos salários e de direitos em todo o Brasil.

Como é de praxe, momentos de crise econômica são usados pela classe dominante como brechas para impor aos trabalhadores maiores taxas de exploração através da redução de salários, intensificação do ritmo de trabalho, mudanças na gestão da produção ou mudanças legislativas que precarizem ainda mais as condições de trabalho. Um claro exemplo do que estamos falando foi a política de “flexibilização trabalhista” em 1998 no governo de Fernando Henrique Cardoso, que redundou na legalização dos contratos temporários de trabalho. O resultado disso é que hoje temos mais de 17 milhões de trabalhadores no Brasil dentro deste regime, estes trabalhadores são os primeiros a serem demitidos devido ao baixo custo com a sua demissão. Desta forma, nesta crise os acordos de redução de direitos devem ser combatidos e revertidos mediante um processo de luta e resistência (processo que recém se inicia), pois sem luta estes acordos certamente darão base para novas legislações laborais com o mesmo teor dos contratos.

Diante da mais brutal crise econômica capitalista depois da crise de 29 e dos efeitos mais severos sobre a classe trabalhadora, o presidente LULA, apesar da fraseologia populista, desenvolve uma política que não mudou em um milímetro o perfil do seu governo. Até agora foram gastos bilhões das reservas internacionais e dos bancos públicos com empréstimos diretos aos bancos das montadoras, com a redução de impostos sobre produtos industrializados (IPI) e com a compra de dólares pelo Banco Central para controlar a tendência constante de desvalorização do real. Tudo isso para garantir a lucratividade do grande capital instalado no Brasil.

O quadro econômico/político que tem gerado as demissões, como já dissemos, não é passageiro. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) dão conta de que em dezembro a desaceleração da produção industrial foi de 12,4% em relação a novembro. Somado à queda de novembro (5,2%) temos uma retração de 17,6% no setor. Outros dados indicam tendência a forte retração do consumo, da produção e dos investimentos. A fuga de capitais é outro problema agudo da economia brasileira, estima–se que milhões saem diariamente de circulação do Brasil, capital que foi fundamental para o crédito para a produção automobilística em 2008.

Com a demissão de 1.300 trabalhadores pela Vale no final de 2008 abriu–se a Caixa de Pandora. Em dezembro foram extintos 1,5 milhões de empregos em todo o país e tantos outros estão sendo perdidos diariamente em todos os setores da economia. Segundo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) os investimentos públicos e privados devem cair para R$ 1,305 trilhão, sendo que a previsão anterior era de R$ 1,460 trilhão. Para Luciano Coutinho (presidente do BNDES) a indústria é o setor que enfrentará a maior redução do investimento. Os setores que mais sofreram com a crise, segundo Coutinho, são a indústria de insumos básicos, principalmente commodities para exportação.

Existem vários outros indicadores de que estamos diante não só de uma crise aguda, mas também crônica. Para começar, temos o indicador da atividade industrial no quarto trimestre de 2008. Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo, “A produção da indústria no quarto trimestre de 2008 teve o pior resultado da série histórica da CNI (Confederação Nacional da Indústria), iniciada em 1999, informou hoje a entidade. O indicador de produção ficou em 40,8 pontos (em uma escala que vai até 100, em que números abaixo de 50 indicam redução). No terceiro trimestre, o índice estava em 57,8 pontos e, no quarto trimestre de 2008, em 59 pontos. O desempenho foi pior no caso das grandes empresas, que apresentaram 38,8 pontos. Médias tiveram 42 pontos e pequenas 42,3 pontos.” (Lorenna Rodrigues, Folha Online, 29/01/09).

O colaboracionismo da CUT

A estratégia colaboracionista da CUT teve o seu teste definitivo no contexto político brasileiro na década de 1990. Neste período, diante do auge da ofensiva neoliberal no Brasil, a CUT desenvolveu políticas colaboracionistas como as Câmaras Setoriais (fóruns tripartite de conciliação permanente entre trabalhadores, patrões e governos) e o banco de horas (flexibilização da jornada de trabalho de acordo com as demandas do mercado) com o argumento, mais do que carcomido pela história, de que não havia alternativa e que era possível encontrar saídas pactuadas com os patrões para que em tempos de mudanças profundas no processo produtivo os trabalhadores mantivessem suas conquistas.

Enfim, nada mais do que o velho colaboracionismo com a classe dominante desenvolvido secularmente pelas correntes reformistas/burocráticas que dirigem o movimento sindical. Bem, o resultado desta política é bastante conhecido: a década de 1990 passou para a história nacional como um dos períodos onde mais avançaram as taxas de exploração e mais conquistas foram tiradas dos trabalhadores. Assim, a profunda reestruturação produtiva brasileira – que significou a perda de milhões de postos de trabalho – só foi possível dentro do contexto de defensiva política dos trabalhadores arquitetada pela CUT e pelo PT.

Reformismo e corporativismo não são saídas

Os índices negativos para a atividade econômica não param por aí, pois as tendências indicam que as pequenas empresas sofrerão maior impacto no primeiro trimestre de 2009. Como conseqüência da redução da atividade industrial no quarto trimestre o emprego neste setor também encolheu, segundo a reportagem o “índice ficou em 44 pontos, contra 54,4 pontos no terceiro trimestre de 2008. Na comparação com o último trimestre de 2007, o índice caiu 10,9 pontos. A redução dos empregos foi maior nas grandes empresas (42,6 pontos), seguida por médias (43,8 pontos) e pequenas (46 pontos).” Conforme estimativas da CNI, nos próximos seis meses haverá maior queda nas taxas de emprego, esta tendência é confirmada, de acordo com a pesquisa do CNI, pelo indicador de demanda na indústria em janeiro (39,7 pontos), queda acentuada levando–se em conta os dados de janeiro de 2008 (59,4 pontos).

Trazemos estes dados como recursos analíticos para demonstrar que do ponto de vista objetivo não se pode passar em brancas nuvens diante da maior crise econômica desde 1929, ou seja, velhas práticas que vem se acumulando no movimento sindical, inclusive na esquerda, serão inexoravelmente questionadas pela nova situação objetiva na qual se insere a luta de classes no Brasil.

A Conlutas precisa romper com a política superestrutural do PSTU

É necessário impulsionar imediatamente encontros pela base para organizar a luta contra as demissões e em defesa dos nossos direitos.

As demissões em massa já são uma realidade em todo o mundo. A ONU estima que no próximo ano serão perdidos mais de 50 milhões de postos de trabalho. Em vários países ações contundentes dos trabalhadores e da juventude já se desenvolvem contra o desemprego e outras “maldades” do capital. Na França, greves gerais estão se realizando contra ameaças de demissões em massa, milhares de trabalhadores se mobilizaram com protestos radicalizados em todo o país.

No Brasil, só em dezembro, foram mais de 1,5 milhões de empregos perdidos e o mês de janeiro não vai ser muito melhor, pois além dos fatores ligados diretamente à crise os patrões aproveitam a oportunidade para impor mais exploração. As centrais governistas e pelegos de toda espécie aplicam uma clara estratégia de colaboração com o capital, assim, já estão colocando em prática saídas que beneficiam, mais uma vez, os patrões. Em várias fábricas, representadas por sete sindicatos, “acordos” de redução de salários estão firmados.