A
verdade que a mídia burguesa não mostra
A
intensa exploração dos trabalhadores em Call Center
Por
Lúcio Flávio Lemos
Práxis,
setembro 2009
É
explícito que a mídia dominante (capitalista) é, na
verdade, fonte de (des) informação para a maioria da
população. Estes meios, enquanto empresas capitalistas,
também são movidos pelos mesmos interesses do conjunto da
classe dominante. A mídia de massas ocupa um lugar
privilegiado na produção e reprodução da ideologia
dominante, pois beneficia o processo de expropriação da
formação intelectual da classe operária por meio da
restrição ao acesso a informação. Escondem e alteram os
fatos, a realidade prática; escondem que na exploração
capitalista o trabalhador fica apenas com uma pequena parte
de toda a riqueza gerada.
A
exploração do próprio homem é tida como prática
natural. É notória, nesta construção ideológica, a idéia
de que o empregado deve ser submisso aos patrões e que o
trabalhador deve agradecer por ter um emprego da onde
“tira o seu sustento e de sua família” (a muito custo!).
A mídia burguesa está a serviço do grande capital, desta
forma manipula informações importantes de modo a
distanciar a grande massa da compreensão concreta da
realidade e, assim, distanciá-la também das ações política
que possam colocar em questão o status quo. É dentro desta
lógica que a realidade do trabalhador no interior dos Call
Centers é omitida. A mídia trata o problema apenas como
uma questão de conflitos de interesses entre clientes e
prestadores de serviço, onde as condições de trabalho
daqueles que realizam a efetiva prestação dos serviços é
totalmente excluído da maioria das abordagens.
Foi
amplamente divulgada por estes meios as mudanças nos
atendimentos dos Call Center, mas, como é o papel da mídia
separar os efeitos das causas, somente um lado da moeda foi
apontado. Desde 1 de dezembro de 2008 entrou em vigor o
decreto nº 6.523 - assinado pelo governo Lula no dia 31 de
julho - obrigando as empresas que possuem Call Center a
atender os consumidores em até um minuto e facilitar o
cancelamento de serviços e planos mais rapidamente. A lei
também estabelece que as prestadoras de serviço não
possam solicitar aos clientes a repetição da confirmação
dos dados cadastrais por mais de uma vez. A unilateralidade
destas medidas é tamanha, como podemos observar na própria
formação da comissão de orientação do decreto, pois é
composta pelo Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor (DPDC), pelo PROCON e por entidades civis de
defesa do consumidor. Ou seja, não houve nesta formação
nenhuma entidade ou sindicato que representasse os
trabalhadores do setor. Deixamos claro que não somos contrários
as medidas isoladamente estabelecidas, mas, nos opomos ao
decreto, pois entendemos que nenhuma medida pode ser
totalmente acertada se privilegia somente uma parcela da
sociedade. Neste sentido, denunciamos que nenhuma mudança
qualitativa foi tomada para proteger os trabalhadores de
Call Center, pelo contrário, foi intensificado o ritmo de
trabalho e aumentou as demandas. Em suma, para não perder
clientes nem serem multados, os barões das multinacionais
aprofundam a exploração e jogam a responsabilidade nas
costas dos trabalhadores.
E
o lado dos trabalhadores quem se importa?
As
empresas do setor de telefonia fixa e móvel são líderes
no ranking de reclamações no PROCON. Além dessas, as
empresas em transporte aéreo e terrestre e TV por
assinatura foram obrigadas a seguir a nova lei. Contudo, com
novas exigências e metas de tempo reduzidas para o
atendimento, as empresas de Call Center implementam uma série
de mudanças para tentar aderir a essa nova realidade,
causando um ataque brutal aos funcionários.
O
que a mídia não revela é que os trabalhadores são
obrigados a trabalhar sob um ritmo cada vez mais alucinado
para, em troca, receber um mísero salário que não chega
ao fim do mês. Trabalhando 6:20 h por dia, nos seis dias da
semana, sem contar as horas-extras, sustentados por apenas
um lanche diário, com um tempo de intervalo para tal em média
de 20min.
Os
trabalhadores desse setor atendem todos os tipos de
debilidades dos serviços que os clientes apresentam “sem
nenhuma explicação lógica”, ou seja, o tipo, o ritmo e
a complexidade do trabalho se alteram e aumentam, mas o salário
não. As maiores empresas de telefonia e internet,
juntamente com as empresas especializadas em fornecer mão-de-obra
terceirizada (como a Atento e a Contax), possuem como princípio
a lógica capitalista de opressão psicológica e física
por meio do monitoramento de todas as atitudes dos
trabalhadores, tanto pela presença de supervisores,
cobrando aumento da produtividade, quanto por meio de gravações
das ligações – essas são usadas como ferramenta
concreta para retaliações aviltantes. Estas ações que
possuem como objetivo manter a opressão e a forma alienada
da empregabilidade do trabalho humano, ou seja, um trabalho
robotizado, “tornando o homem em um apêndice da máquina”
[1]
Outra
forma que esses grupos operam é pelo controle sistemático
do TMA ou TMO (Tempo Médio de Atendimento ou Tempo Médio
Operacional), com o objetivo de pressionar o trabalhador a
acelerar o atendimento do cliente de maneira que o
atendimento dure uma ligação telefônica num período médio
de 3 min. Assim, os tele operadores chegam a atender cerca
de 60 clientes por jornada de trabalho, o que leva o
trabalhador a contrair mais rapidamente doenças
profissionais como LER (Lesão por Esforço Repetitivo),
dores na coluna, nas mãos, nos braços, ocasionando, muitas
vezes, tendinite ou bursite, gerando até o comprometimento
em realizar certos movimentos por esses membros.
Outra
doença na qual os trabalhadores desse segmento estão
vulneráveis a contrair são as doenças psíquicas, como síndrome
do pânico e demais fobias provenientes do medo de ser
avaliado negativamente. Isso se dá pela exposição dos
funcionários à alta pressão psicológica sofrida para que
estes atendam as exigências de produtividade e “qualidade
no atendimento”.
O
foco patronal e, também, das empresas de telemarketing/tele
atendimento nas exigências de maior produtividade é para,
obviamente, obter maior lucro à custa da exploração dos
trabalhadores. As ferramentas utilizadas pelos patrões
passam pelo controle absoluto das ações dos trabalhadores,
inviabilizando qualquer ação autônoma, mergulhados estão
num processo de rotinização das funções pelos constantes
monitoramentos em tempo real ou pelas gravações das ligações.
Chegando ao ponto de estabelecer o que se deve pensar e o
que se deve dizer durante o serviço, isto ocorre por meio
de uma fraseologia para cada tipo de serviço solicitado; além
da manipulação da entonação da voz do tele operador, que
deve sempre manter um “sorriso na voz”. Enfim, querem
mecanizar até as manifestações emocionais, próprias do
ser humano.
Para
garantir que o processo de alienação do trabalho humano
seja assegurado, os capitalistas se apropriam de
metodologias militares baseados no sistema hierárquico de
exploração, opressão e repressão da liberdade do
trabalho autônomo e criativo, os comandos passam de
subordinado a subordinado: os diretores cobram os gestores (coordenadores),
que cobram os supervisores e que, por fim, cobram os tele
operadores.
Estes
“operários da globalização e da tecnologia’,
oprimidos e explorados pela burguesia multinacional, sofrem
com o estabelecimento de banco de horas, como medida de
“compensação” às horas extras de trabalho não pagas,
isto leva a maior embrutecimento do trabalhador e ao aumento
da exploração pela ampliação da jornada de trabalho.
Numa escala tida como “normal” um trabalhador de Call
Center tem uma jornada de trabalho de cerca de 40 horas
semanais divididas em 06 dias da semana, não importando se
é sábado, domingo ou feriado. A média salarial de um tele
operador é de R$520,00 – pouco mais que um salário mínimo
atual que é de R$465,00. Esse salário deveria servir para
que cada trabalhador suprisse suas necessidades de alimentação,
moradia, vestuário etc., entretanto, essa não é a
realidade. Diante do fato de que quem gera a riqueza são os
trabalhadores e não os patrões, portanto, a riqueza
oriunda do trabalho deveria ser apropriada pela classe
produtora da mesma. Obviamente isso só é possível por
meio da destruição do grande capital, para que assim haja
a possibilidade de um crescimento congruente da sociedade.
E
mesmo nas condições atuais, da exploração do trabalho
assalariado, com os constantes arrochos salariais, os
burgueses fazem com que o trabalhador cada vez mais perca
seu poder de compra. Trazendo a tona, principalmente num cenário
de crise, a impossibilidade, dentro da lógica do capital,
do homem se realizar. No caso dos trabalhadores de Call
Center e de outras categorias super-exploradas, mesmo a
sobrevivência imediata se da de maneira extremamente precárias.
De forma geral as pequenas conquistas financeiras obtidas pelos
trabalhadores agora diante da crise econômica são
arrancadas pelas garras ferozes do sistema capitalista.
Vale
ressaltar que dentro dessa lógica, o lucro das principais
empresas do ramo de telefonia fixa e móvel, internet e TV a
cabo, como TIM, Vivo, Telefônica, NET, Claro, Oi, Atento,
Contax, dentre outras, alcançam todos os anos recordes em
lucros líquidos de bilhões em Reais; tudo isso se dá,
naturalmente, pela intensa exploração do trabalhador.
Somente
a exploração aumentou!
Antes
da implementação dessa lei, um tele operador atendia cerca
de 30 ligações (o que já era sufocante), após a lei, a
quantidade de ligações chega a 60 ligações diárias sem
nenhum intervalo significativo ou reajuste salarial
substancial. A autora Claudia Mazzei Nogueira em seu artigo A
Feminização do Trabalho no Mundo do Telemarketing descreve
o processo de exploração do trabalho humano numa das
maiores empresas especializadas em Call Center prestadora de
serviço terceirizado no Brasil – a Atento: “O controle
do trabalho é intenso e, em grande medida, facilitado pela
avançada tecnologia presente nesse segmento. A máquina,
por sua vez, torna-se tão absorvente que a possibilidade da
existência de relações interpessoais é quase nula”.
Continua explicando porque empresas com esse tipo de serviço
se tornam cada vez mais atraente: “Ao prestar um serviço
especializado, reduz custos e flexibiliza as atividades de
atendimento para as empresas e, as mesmo tempo, intensifica
a exploração e o controle sobre a força de trabalho. Na
perspectiva patronal, esse serviço é positivo porque
possibilita ajuste e mensurabilidade, evitando que as
instituições façam grandes investimentos com resultados
incertos de extração de mais-valia. O grupo Atento se
converte assim em ‘sócio estratégico’ das empresas e
fonte de extração de sobre trabalho.”[3]
Todas
as empresas citadas acima possuem várias ferramentas avançadas
para controlar em tempo real as micro-pausas dos tele
operadores, nesse quesito, a autora segue falando sobre a
intensificação e controle do ritmo de trabalho: “O
controle do tempo é extremamente rígido, aliás, um
controle funcional para sobrevivência do modo de sobre
trabalho, fator imprescindível para a acumulação de
capital. Toda essa intensificação da jornada de trabalho
é um tempo sem liberdade impingindo o trabalhador em
proveito de um fim específico de acumulação de
capital.” Contudo, as empresas não agem sozinhas! Vários
partidos e sindicatos pelegos enganam a classe com acordos
com a patronal efetivando a implementação do escravismo e
miserabilidade assalariada.
No
Estado de São Paulo, a SINTETEL (Sindicato dos
Trabalhadores em Telecomunicações) age criminosamente com
os trabalhadores os enganando. Um exemplo sintético da ação
desse sindicato é a realização regular de propagandas em
folhetins aos funcionários da TIM que sempre anunciam uma
suposta “conquista” do sindicato para os trabalhadores.
Nas últimas “campanhas”, fizeram saudosismo com a PLR
(Programa de Participação nos lucros e resultados).
Segundo o SINTETEL, esse programa funciona como modelo de
administração participativa que busca integrar os funcionários
da empresa com a administração, permitindo-lhes tomar
parte das decisões e da organização do processo
produtivo. Todavia, esse programa na prática visa
sistematizar um controle de qualidade de maneira a garantir
e superar as metas de produção estabelecidas pela empresa,
iludindo o trabalhador com “prêmios” em dinheiro
injetados no salário. O interessante é que sindicatos como
a SINTETEL encaram essa política de introdução de uma
pequena quantidade em dinheiro ao salário como uma grande
vantagem para o trabalhador. Vale ressaltar que essa medida,
fortalece a ideologia patronal, além de aumentar
significativamente a produtividade, e, por conseguinte, o
lucro dos patrões. Enquanto o salário não é acrescido
nem em 10% quando um funcionário alcança a meta imposta.
Obviamente
esse processo, no qual o trabalhador está submetido, vem
causando revolta em muitos trabalhadores destas empresas.
Nenhuma
confiança nos sindicatos e centrais pelegas! - Só nos
resta lutar!
Desde
março desse ano, trabalhadores da TIM começaram a se
manifestar frente aos constantes ataques dos patrões, porém,
o SINTETEL se manifestou contra a classe trabalhadora,
realizou retaliações e perseguições por e-mail e
telefone aos associados e funcionários da empresa a fim de
descobrir os envolvidos nas manifestações. Tudo isso para
deter a crescente indignação dos funcionários! Estes
burocratas tentam intimidar os “suspeitos” discursando
favoravelmente aos patrões, falando que já foram
realizadas várias “conquistas” e que, portanto, a
classe está realizada. A burocratização sindical desses
organismos afasta os trabalhadores da prática sindical e
política. Como exemplo pode-se citar o não apoio às lutas
recentes, como a dos trabalhadores da TIM, dos servidores públicos
do INSS, a greve dos funcionários, professores e alunos da
USP e a abstenção no processo de “demissão voluntária”
dos funcionários dos correios, entre outras.
Outros
sindicatos ligados a mesma sindical-burocrata,
principalmente, a CUT e a Força Sindical, demonstram isso
de maneira cínica e hipócrita. São diretamente ligados
aos burocratas governistas do PDT e do PT, que apóiam a
absurda exploração de mão-de-obra sob uma forma ainda
mais perversa imposta pelo sistema capitalista, a terceirização.
Em plena crise econômica do neoliberalismo os
trabalhadores terceirizados, sempre perdem muito mais em
relação aos empregados efetivos, pois os terceirizados
possuem salários, “benefícios” e condições de
trabalho inferiores, além da maior precarização do
ambiente de trabalho.
Devemos
nos organizar e realizar intervenções ancoradas em
bandeiras classistas, ações organizadas fora da burocracia
e oportunismo sindical, mas sem deixar de disputar e
reivindicar um sindicato realmente voltado aos interesses
dos trabalhadores que promova o pensamento crítico para a
classe trabalhadora! O que os sindicatos pelegos citados
fazem é um crime contra os trabalhadores!
Nesse
sentido, é muito importante denunciar aos trabalhadores as
organizações, partidos e sindicatos que se auto-afirmam
guardiões do proletariado, mas que na realidade são
reacionários apaziguadores de rebelião popular.
[1]
Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels.
[2]
O volume de carros
apreendidos por falta de pagamento das prestações do
financiamento por prazo superior a 90 dias aumentou 33%
em 2009 em comparação com dezembro e junho de 2008.
[3]
Publicado em Riqueza e Miséria
do Trabalho no Brasil, sob organização de Ricardo
Antunes, Outubro de 2006, editora Boitempo.
[4]
Esta prática possui como
intenção a redução de custo com força de trabalho
humana, assim, indo de encontro com a redução dos
custos de produção para que, dessa maneira, o patrão
fique cada vez mais rico e naturalmente o trabalhador
cada vez mais pobre se distanciando cada vez mais da
plena e justa apropriação da sua riqueza gerada pelo
seu trabalho. Essa prática pode ser observada em
empresas de telecomunicações, mineração, indústrias
etc.
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