Brasil

Por que fracassou o Congresso de Unificação entre Conlutas e Intersincal?

Balanço sobre o Conclat

Práxis, Julho 2010

Para fazer um balanço do que foi a tentativa de unificação no conclat de santos não podemos nos furtar em considerar o quão grande é esse desafio da estrutura sindical brasileira vivida nos últimos anos. Que ainda vive sobre forte influencia –mesmo que letárgica- das ilusões criadas pelas burocracias como CUT CGT... E não obstante e importante pensar sobre a atual situação política vivida a partir da eleição de lula em 2002, bem como sobre as estratégias utilizadas pelas principais frentes de atuação sindical que se formaram a partir da ruptura de um setor do funcionalismo a partir da reforma da previdência com lula e seu governo.

Superar o legado CUT

A construção da CUT no início da década de 80 foi como todos sabem marcados por um intenso processo de mobilização de massas contra a ditadura militar, no sentido político mais geral, e contra a crise econômica e o brutal ataca as condições de vida. Essa combinação de demandas foi explosiva na década de 80, o que gerou um intenso processo de mobilização de massas, permitindo que a CUT obtivesse como matéria prima fundamental a mobilização salarial por melhores condições de trabalho, esse, certamente, foi o combustível fundamental para a formação da CUT. Este fator como único fim foi um problema, no qual devemos  considerar os enormes limites desse período que sem duvidas sérvio como um enorme contentor da conciencia da classe trabalhadora.  É importante lembrar que a maioria da direção da CUT foi formada por correntes reformistas e que concebia um sindicalismo que se limitasse ao horizonte da luta econômica imediata. Foram setores que, pelas circunstâncias políticas, fizeram uma inflexão tática para não perderem o bonde da poderosa mobilização de massas dessa década. As características dessas direções acabaram marcando ação da CUT durante toda a década de 80.

Durante a década de 90 o caráter de combatividade que tinha a CUT na década de 80 foi sendo substituída pela estratégia de construção do sindicalismo cidadão onde a greve como forma de pressão era substituída pelos fóruns permanentes de negociação, com as chamadas câmaras setoriais. Não que na década de 80 a luta pela superação do capitalismo e os métodos de radicalização dos conflitos fossem as estratégias da direção lulista, pelo contrário, essa direção sempre se dedicou a controlar burocraticamente o movimento e a esvaziar as ações de luta direta dos trabalhadores, pois tinham claro que novos processos de luta acabariam por questionar a sua própria existência enquanto direção dos sindicatos. Com o governo lula o que era uma central com um campo de ação já totalmente dentro da ordem se converte em uma central ligada diretamente aos interesses do governo, não mais apenas como uma central ligada ao capitalismo e ao estado burguês - e isso não é exatamente uma diferenciação sutil em relação à situação anterior.

Não podemos negar que foi alimentado por mais de uma década em amplas camadas das massas trabalhadoras a idéia de que os problemas seriam resolvidos, ao menos melhorados, com a eleição de um governo do PT. Por mais que já fossem fartas as experiências com gestões petistas nos municípios ou estados da federação e que essas experiências não significaram melhorias reais. Com a eleição de Lula a pressão político-social, devido aos brutais ataques que se deram nos dois governos de FHC (PSDB), e suas políticas, mesmo limitadas, de compensação social significaram uma inegável redução nos níveis de descontentamento.

Não podemos deixar de considerar que houve durante o início dos anos dois mil em termos internacionais uma recuperação econômica que possibilitou grande crescimento das exportações o que auferiu aos governos recursos para financiar políticas como o bolsa-família. O que permitiu que durante a crise econômica o governo pudesse de forma imediata resolver com as “políticas anticíclicas”; forma importante para reduzir o impacto da crise no brasil. isso não quer dizer que não teve importância as demissões ou as reduções salários, pelo contrário.

Aprender com o passado para construir algo novo

No entanto é no enquadramento mais geral de grande popularidade do governo na classe trabalhadora industrial e nos trabalhadores em geral que se dá a tarefa de iniciar a construção de uma alternativa à CUT e as demais centrais. E aqui não se trata de reproduzir os passos dados durante a construção da CUT, isso sem dúvida seria um grande erro. A experiência cutista deixou claro que a luta dos trabalhadores na atual etapa do capitalismo exige superar todas as ilusões de que a democracia dos ricos ou o estado capitalista pode resolver as questões fundamentais dos trabalhadores, bem como os limites das lutas corporativistas e dos métodos que não privilegiam a luta real das massas operárias. Assim, não se trata de repetir a CUT da década de 80 – pois já apresentava problemas políticos, metodológicos e organizativos estruturais – mas de tirar todas as lições que essa experiência proporcionou.

Temos uma questão de fundo que não podemos desconsiderar a ruptura com lula de alguns setores ligados ao funcionalismo público, apesar de importante, não significou uma ruptura de amplos setores de massas e nem dos setores ligados a classe trabalhadora industrial. Esse enquadramento político tem um significado muito importante que vai ser pano de fundo para o processo de tentativa de unificação entre os setores que romperam com a CUT, com o PT e com lula. Então se trata de construir uma alternativa à CUT em uma situação um tanto quanto desfavorável devido às baixas mobilizações nas últimas décadas. Mas este é um problema que podemos dizer de ordem objetiva e não depende diretamente da vontade política imediata da oposição classista à CUT e ao governo. O que de fato preocupa é o posicionamente que os setores que se dispõem a construir uma alternativa têm quando a realidade exige uma resposta classista. Um exemplo do que estamos falando foi à política diante da crise e dos conseqüentes ataques aos trabalhadores.

Nesse momento apesar de se distinguir da CUT, pois esses setores não negociaram a redução de direitos, não houve efetivamente uma política de resistir aos ataques a partir de um programa anticapitalista e de uma campanha de unificação das categorias que mais foram afetadas com o desemprego e a perda de direitos. Nesse momento, em nossa opinião, faltou investir desde o inicio no fator da crise econômica em uma campanha política nacional de denuncia e de resistência, além de apostar, é claro, na luta direta. Em relação a esse último caso temos a demissão de 802 trabalhadores metalúrgicos da  General Motors (GM) de são José dos campos, nessa situação especifica a direção do sindicato, ligada à Conlutas, não chamou os trabalhadores para a greve ou para qualquer outra ação mais radical. Perdendo uma chance histórica de luta.  

Bem, a construção de uma alternativa à CUT, e as demais centrais, que não parta do balanço histórico do que foi a CUT e das necessidades de superar os desafios vividos hoje não podem, de fato, contribuir muito para a construção de uma alternativa de luta dos trabalhadores. É dentro dessa perspectiva que acreditamos que deveria ser encarado qualquer processo de unificação da esquerda classista. Mas, infelizmente, o congresso  dos dias 5 e 6 de junho em santos, que deveria resultar na unificação entre várias frentes sindicais fracassou. Fracassou por razões fundamentais que gostaríamos de identificar.

Primeiro todo o pré-congresso foi marcado por polêmicas em torno ao caráter da nova central de seu nome e da política eleitoral. Sobre o caráter da nova central havia duas posições centrais. Uma, defendia uma central com a participação de todos os setores (trabalhadores, estudantes e movimentos sociais) – que era a posição da maioria da Conlutas (PSTU); a outra, uma central do mundo do trabalho (assalariados e trabalhadores autônomos). A nosso ver nenhuma das duas posições dava conta da necessidade de ter a classe trabalhadora industrial como setor estratégico para o enfrentamento ao capital e para o processo estratégico de luta pelo socialismo e que garantisse ao mesmo tempo a unidade política de todos os explorados, também fundamental para a resistência e para a transformação socialista da realidade. As duas posições eram claramente casualistas, tanto a que defendia a participação dos estudantes quanto a que se colocava contra. Uma diluía a classe operária no interior da “classe que vive do trabalho” (intersindical) e a outra entre os oprimidos de forma geral (conlutas). Em nossa opinião se tratava de garantir a formação de uma organização que garanta a autonomia para todos os setores em centrais autônomas e que tivesse um fórum mais geral para discutir campanhas que envolvessem todos os setores. 

Em relação ao nome a polêmica se deu porque a maioria da conlutas defendia o nome conlutas-intersindical, em uma clara resposta de que a conlutas era o setor hegemônico. É claro que nesse ponto não se trata apenas de um problema de nome mais de quais são as condições para que a hegemonia e a contra-hegemonia se construam. Nesse sentido a posição do PSTU, a nosso ver, foi de querer impor um nível de hegemonia que não condizia com a realidade e com a experiência na luta de classes no último período. 

A questão eleitoral não era menos importante, pois no segundo semestre esse tema perpassará todos os demais. A posição do PSTU em fechar a possibilidade de uma frente eleitoral com os demais setores também foi matéria de discussão no congresso.  Nossa opinião é a de que uma frente de esquerda com um programa claramente socialista seria importante para que os trabalhadores tivessem uma alternativa real diante da falsa polarização, mas o PSTU insistiu em manter sua candidatura própria com o argumento de que não havia acordo programático e de que a candidatura de Plínio era questionada dentro do psol.

Essa posição consegue pecar ao mesmo tempo pelo sectarismo e pelo oportunismo. Oportunismo porque até antes de Heloisa Helena declarar que não iria sair candidata a presidência o PSTU deixava em aberto a possibilidade de realização da frente de esquerda, foi ao definir a sua não candidatura e o PSTU se colocou contra a frente. É claro que dentro dessa lógica o que está em jogo é o calculo da quantidade de votos que Heloisa Helena poderia trazer a mais em relação à candidatura de Plínio. Do ponto de vista do sectarismo podemos dizer que o PSTU foi sectário porque ao se posicionar contra a frente de esquerda acaba não dando a batalha para discutir um programa anticapitalista com setores mais amplos da vanguarda. Bem, o conclat, então, se deu dentro desse enquadramento político mais geral.

Do ponto de vista da sua composição, apesar do fato de a direção do Conclat não colocar à disposição dados para analisar mais minuciosamente, o Conclat não contou com a participação majoritária de setores ligados á classe trabalhadora industrial, mas sim majoritariamente pelo funcionalismo público. Como parte do mesmo fenômeno não refletiu os novos setores da classe trabalhadora industrial.

PSTU ganhou, mas não levou

O congresso apesar de ter contado com a presença de 3.180 delegados, e que segundo nota oficial da Conlutas após a ruptura significa uma “representação de base dos sindicatos de cerca de 3 milhões de trabalhadores/ as.” Quanto à representatividade do congresso junto aos trabalhadores é necessário explicar que toda essa “magnitude” se deve ao fato de que de acordo com o regimento para a eleição de delegados previa as assembléias para eleger delegados necessitava de cinco vezes mais trabalhadores presentes do que a quantidade de delegados a serem votados. Assim para cada dez mil trabalhadores na base, por exemplo, se poderiam eleger doze delegados. Nesse caso para eleger esses doze delegados bastaria uma assembléia com a presença de sessenta trabalhadores. Dessa forma, o número de trabalhadores que participaram do processo pré – congressual é muito, muito menor do que os milhões de trabalhadores que pretensamente a nota da Conlutas diz representar. E não é só isso, não se trata apenas uma questão de quantidade, como já dissemos anteriormente, os setores jovens da classe trabalhadora não se viram presentes, a composição do congresso foi basicamente de ativistas experientes e de alguma forma ligados às correntes que convocaram e participaram do congresso. Isso é importante deixar claro para que possamos entender como se desdobrou o congresso.

O congresso que pretendia a unificação em santos acabou, então, por explodir. Isso se deu por razões de ordem políticas e metodológicas. Em relação à política, importantes diferenças, como a que apresentamos brevemente, durante o congresso se demonstraram insustentáveis - além do problema de que as principais correntes não identificaram os desafios centrais para os trabalhadores na luta de classes, o papel central da classe operária e as medidas para combater a superestruturação que marca todo o movimento sindical no Brasil, inclusive entre os setores mais combativos. É óbvio que quando não se tem acordo estratégico e experiência política comum na luta de classes e/ou autoridade a questão do método de resolver tudo pelo voto acaba sendo apenas declaração de intenções.

Assim, a plenária final do congresso explodiu após a votação do nome da nova central. Com o clima já muito tenso Zé Maria, após a votação do caráter da nova central (passou a proposta de CONLUTAS-INTERSINDICAL, central sindical e popular), ao defender de forma inflamada a proposta de nome não conseguiu concluir sua fala devido à vaia de praticamente metade do plenário, e mesmo após vários apelos da mesa que conduzia os trabalhos as vaias continuaram e Zé Maria praticamente foi obrigado a abandonar o microfone sem concluir sua fala, em um claro sinal de que as coisas não acabariam bem.

O problema já foi colocado anteriormente: hoje não há autoridade política natural construída na luta de classes de nenhum setor para se impor essa ou aquela posição aos demais, mas parece que a maioria da CONLUTAS (PSTU) não entendeu isso. Após a votação do nome defendido pela maioria da CONLUTAS que para a INTERSIDICAL era inadismicível, onde aposição da maioria da Conlutas e do MTL (que defendeu o nome “CONLUTAS-INTERSINDICAL, central sindical e popular), foi vitoriosa e os delegados da INTERSINDICAL simplesmente se retiram do plenário do congresso. 

Em uma clara demonstração de que o acordo feito no seminário nacional no meio do ano passado em são Paulo de que “o Conclat só foi convocado porque a Intersindical e demais setores envolvidos no debate da reorganização concordaram em chamar um CONGRESSO DELIBERATIVO, que decidisse pelo voto dos delegados/as polêmicas que não se resolvessem entre as organizações envolvidas no processo.” contida na nota da conlutas não tinha sustentação, na realidade mesmo mediante a chantagem dos dirigentes da INTERSINDICAL de que se fosse levada a cabo a votação do nome sem acordo o congresso poderia implodir. Vendo tudo isso a maioria da conlutas se manteveram irreflexisiveis e manteveram a posição de “levar tudo á voto”. Por outro lado, sabendo das dificuldades de se aceitar por maioria dos votos a posição da CONLUTAS a INTERSINDICAL tinha o dever de fazer o debate sério e público. O resultado foi o da metodologia burocrática da maioria da direção da CONLUTAS e da INTERSINDICAL; foi uma grande desmoralização para todos os setores envolvidos. Para nós tanto um setor como o outro são responsáveis pela farsa política construída em Santos, ou seja, acabou que após o congresso aumentou a fragmentação entre os setores que se colocam na oposição pela esquerda ao governo Lula e à CUT. 

Tirar lições históricas e imediatas é preciso

Para nós a única solução passa pelo enfrentamento real aos desafios colocados enfrentando os problemas estruturais pelos quais passa o sindicalismo brasileiro. O processo real de construção de uma nova entidade que aglutine os trabalhadores no Brasil só vai ser efetivo na medida em que os setores envolvidos consigam encontrar apoio real nas mobilizações no Brasil, país que apesar de não contar com uma grande onda de resistência oferece enfrentamentos importantes, mas que nem CONLUTAS e nem INTERSINDICAL tem sabido impulsionar, apoiar e criar uma rede de solidariedade em torno. Exemplo do que estamos falando foi à última greve dos trabalhadores na USP na qual não se via a presença destes setores. O problema está perdido na administração das máquinas burocráticas dos sindicatos e nas reivindicações corporativistas sem dar o devido peso para o que é fundamental, ou seja, impulsionar e organizar a luta real dos trabalhadores e da juventude. Sem esse elemento central, outros intentos de aglutinação vão acabar em desmoralizações ou na construção de entidades que são cascas vazias em que a mobilização não passa efetivamente.