Pela
Volta da Idade Média à USP
Por
Mário Maestri (*)
Pravda.ru,
08/11/11
Na
Idade Média, era uma enorme conquista quando uma cidade
obtinha uma universidade. Comumente, com ela, vinha o
direito a uma ampla autonomia quando à autocracia do príncipe.
Tratava-se de liberdade considerada indispensável para o
novo templo do saber. Devido a isso, o campus universitário
medieval possuía sua polícia própria e julgava seus
alunos, funcionários, professores.
Aprendi
isso, no curso de História da UCL, na Bélgica, onde fui
recebido de braços abertos, em 1974, fugido da ditadura
brasileira e chilena. No Brasil de então, não tinha nada
daquilo. A polícia e o exército entravam, revistavam,
espancavam, prendiam, torturavam e, até mesmo, matavam
professores, funcionários e sobretudo alunos que não se
rendiam ao tacão da ditadura cívico-militar.
Uma
aluna sul-rio-grandense, mestranda em História da USP,
escreveu-me um longo e-mail, pedindo-me quase desesperada
solidariedade para com ela e seus colegas daquela
universidade.
A
carta da estudante registra a angústia de jovens que se
assustam com a regressão dos espaços de liberdade
conquistados quando da versão de redemocratização
brasileira, onde os criminosos civis e militares de
1964-1985 seguiram em seus postos ou com suas pensões e
aposentadorias, homenageados com nomes de praças, avenidas,
ruas, ao morrerem.
A
aluna relata a degradação das condições de convivência,
de trabalho e de estudo naquela instituição, a mais
destaca do Brasil.
Lembra
que há muito se instauram processos administrativos contra
alunos, funcionários e professores, eventuais motivos de
demissão e de expulsão, por expressarem em manifestos,
panfletos, ocupações, etc. suas idéias contra a política
universitária dos governadores de São Paulo e dos
dirigentes máximos daquela instituição.
Há
cerca de dois meses, lembra a jovem, o senhor reitor lançou
pelo retrete a autonomia universitária e escancarou o
campus à Polícia Militar, sub a justificativa de reprimir
a criminalidade.
Desde
então, a Polícia Militar reina no campus - abordando,
inquirindo, revistando funcionários, professores e
sobretudo alunos. Certamente os principais objetos desses
atos de intimidação são os alunos e alunas mais agitados
ou de cabelo, roupas, adereços e comportamentos tidos como
estranhos!
Conhecemos
o resultado da política liberticida do senhor reitor - em
27 de outubro, alunos foram revistados por policiais
militares, como sempre, na frente da Biblioteca da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde se reúnem,
tradicionalmente, os universitários suspeitos de pensarem
em demasia!
A
revista deu resultado. Três estudantes de Geografia foram
encontrados com alguns baseados, motivos de pronta prisão e
imediata resposta dos seus colegas, todos pertinentemente
surrados, pois universitárias e universitários comumente
magricelos, armados com canetas, livros e laptops, pouco
podem contra os parrudos PM, com os seus tradicionais
instrumento de trabalho - cassetetes, revolveres, escopetas,
bombas dissuasivas...
A
resposta previsível dos estudantes foi uma festa para a
grande mídia conservadora, sobretudo televisiva. A ocupação
do prédio da FFLCH e depois da Reitoria, por estudantes
encapuzados - ninguém quer ser objeto de processo e
eventual expulsão - foi mostrada como a ação de bárbaros
desordeiros no templo do conhecimento!
Isolada,
sob o silêncio dos grandes e pequenos partidos, a garotada
está sendo obrigada a retroceder. Até segunda-feira, tem
que entregar o prédio. Se não, vão conhecer pancadaria
grande, prisões e os pertinentes processos. Não conseguem,
nem mesmo, apresentar suas mais do que justas reivindicações:
fins dos processos contra estudantes e servidores e a
interdição do Campus à Polícia Militar.
Por
razões óbvias não registro o nome da autora da carta. Com
minha total solidariedade ao movimento, faço uma derradeira
reflexão. Se, na Idade Média, um senhor reitor atirasse
pela janela do seu palácio a valiosa autonomia conquistada
pela cidade, chamando a polícia para atuar livremente no
campus, certamente seria destituído por seus pares e,
possivelmente, mandado para a masmorra da Universidade, para
refletir melhor sobre sua vontade de subserviência ao príncipe!
Coisas da Idade Média!
* Mário
Maestri, é doutor em Ciências Históricas pela UCL, Bélgica,
e professor do Programa de Pós-Graduação em História da
UPF, RS. E-mail: maestri@via-rs.net
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