Universidade de
São Paulo (USP)

Mais um ataque truculento do reitor Rodas, que tentou fechar o
Espaço de Vivência Estudantil

Violência policial na USP a serviço da política privatista

Praxis, 13 de janeiro de 2011

Na sexta-feira passada, dia 6 de janeiro, os estudantes sofreram mais um ataque truculento de Rodas, que tentou fechar o Espaço de Vivência Estudantil, espaço histórico e legítimo dos estudantes, que vem sendo utilizado desde a década de 70, localizado ao lado do restaurante central. Por volta das duas horas da tarde, a guarda do campus, escoltada pela polícia militar, invadiu este espaço e decidiu fechá-lo, obstruindo suas laterais para que ninguém pudesse ter acesso ao lugar. O local só não foi tomado por inteiro, porque vários estudantes resistiram à ofensiva da polícia, impedindo que a guarda universitária e os diversos policiais da PM ocupassem uma de suas entradas, a única que ainda não havia sido obstruída.

Após este acontecimento, os estudantes decidiram resistir durante o final de semana inteiro para prevenir qualquer nova investida da guarda e da PM. Foi só na segunda, dia 9, porém, que a ambas retornaram e, desta vez, utilizando-se de sua tradicional abordagem, o esculacho. Ainda na segunda, depois de a guarda e a PM tentarem invadir e tomar posse mais uma vez do espaço estudantil, obtendo, por sua vez, a resistência pacífica dos estudantes como resposta, o oficial responsável pela operação agrediu fisicamente um estudante.

A vítima do ataque, aliás, como foi amplamente divulgado pela mídia e pela internet, era nada mais do que um rapaz negro, de dreads, e que, segundo a lógica racista e preconceituosa do policial, parecia não ser um aluno da USP. No entanto, ainda que ele não fosse, nada justifica a abordagem truculenta do policial que, ao se deparar com o rapaz, não hesitou sequer um momento em evitar a violência contra ele, mas, ao invés disso, empurrou-o com extrema agressividade e à base de tapas, além de apontar-lhe a arma, ameaçando-o.

Cabe lembrar ainda que, anteriormente, no dia 6, a polícia já havia sido chamada para retirar os estudantes do seu próprio espaço, porém, naquela ocasião a agressão foi desferida aos estudantes unicamente pela guarda universitária, apesar de contar com o apoio e cumplicidade da polícia militar. A diferença, entretanto, daquela data para esta, é que na segunda-feira, ocasião em que mais uma vez a polícia foi chamada para intervir, a decisão da reitoria e da PM foi estritamente a de que a retirada dos estudantes fosse levada a cabo, sim ou sim.

Não bastasse a torpeza destes acontecimentos, o que impressiona ainda mais é ver o cinismo da PM com relação à violência empregada contra os oprimidos de forma geral, como no caso do massacre perpetrado na região de São Paulo denominada Cracolândia. Aliás, sob este ponto de vista ainda, é risível o argumento da PM ao declarar que o sargento estava tomado por um "desequilíbrio emocional", mesmo porque as imagens divulgadas não revelam nenhum acontecimento que pudesse, porventura, justificar qualquer alteração emocional no policial. Isto confirma, assim, que a atitude do policial não se trata de uma alteração emocional, e sim do esculacho, do amedrontamento e da violência física, práticas cotidianas da PM e que, na ocasião, foram exercidas contra o movimento e o estudante.

Mais risível ainda é afirmar que, como o fez o Coronel Wellington Venezian ao Estadão, "a atitude dos policiais, nesse momento, não recomenda que eles tenham perfil para tratar com esse tipo de público", referindo-se aos estudantes da USP. Ora, o que se depreende deste argumento é que a polícia deve ter atitudes diferentes conforme o status social a quem se destina sua ação. Ou, dito de outra forma, de que a polícia deve empregar todos os meios brutais de que dispõe para impor o terror, por exemplo, na Cracolândia, mas que quando o "público-alvo" se trata dos estudantes da USP, o perfil da repressão deve ser diferenciado.

O argumento, deste modo, do Coronel Wellington deixa claro qual é a mentalidade da instituição policial e o quão abstrata é a norma liberal de igualdade perante a lei. Nesta concepção, a igualdade só existe para os que guardam a mesma relação com a propriedade, ou seja, só existe igualdade, de fato, no interior da mesma classe social. E é baseada nessa percepção que a polícia atua cotidianamente. Ou seja, para a população pobre/negra um tratamento, para a população rica/branca outro. Isto ficou mais do que explícito na abordagem do sargento, pois ao aluno negar-se a se identificar, e sendo estudante universitário - o que poderia, por sua vez, segundo a lógica do policial, configurá-lo dentro de uma abordagem diferenciada -, simplesmente pelo fato de ser negro e usar dreads, não poderia ser um aluno, e, por isto, recebeu o tratamento que a polícia confere aos pobres/negros dos bairros periféricos da cidade.

Mas, esse é apenas um aspecto do problema, considerando-se que na USP estamos diante da instituição de um regime ditatorial imposto pela atual gestão. Além de instaurar o evidente episódio descrito de racismo e preconceito social ocorrido no interior da universidade (do qual, lembremos, a reitoria se omitiu, deixando todos os comentários do fato à PM), o convênio PM-USP tem um objetivo específico, ou seja, permitir o avanço de um projeto privatista e mercadológico de construção do conhecimento. Assim, desde a abordagem dos três estudantes no dia 27 de outubro até o dia 9 de janeiro, a mesma lógica perfaz a atuação da polícia militar no interior da universidade com o aval deste convênio assinado por Rodas. Esta atuação, aliás, ao contrário de garantir a segurança dos estudantes ou funcionários, está a serviço da imposição de uma forma autoritária de gestão acadêmica para a facilitação de um projeto de universidade que, para ser implementado, precisa exercer uma dura repressão sobre os estudantes e trabalhadores como meio para impor os interesses presentes na política de governo da gestão já mofada do PSDB.

A intensificação deste processo, acrescida ainda mais pela presença da polícia militar no campus leva a todos aqueles que se colocam contra esse projeto conservador - independentemente da origem social dos indivíduos que fazem parte deste movimento - a serem tratados como inimigos que devem ser eliminados, pela prisão, expulsão, demissão, perseguição ideológica ou qualquer outra forma de repressão. Todas estas medidas, vale aqui lembrar, que foram expedientes empregados durante o período da ditadura militar no intuito de instalar o medo como forma de paralisar seus opositores.

Num momento, portanto, em que as medidas repressivas da reitoria se tornam a cada dia mais brutais, é fundamental a necessidade de uma luta que vise não só a dar respostas imediatas a cada um dos ataques desferidos, mas que possa dar alento ao movimento num período de certa desmobilização, isto é, as férias. Assim, devemos criticar a inércia das correntes e grupos (PSTU, PSOL, LER-QI, MNN) - como já havíamos demonstrado em nosso boletim do dia 6 de janeiro -, que se colocaram contra as propostas de mobilização (acampamento e antecipação da reunião do comando de greve) na reunião após o ato, realizada no dia 19 de dezembro, e que deram continuidade a esta postura diante da intervenção da reitoria no espaço autônomo e histórico dos estudantes, pois simplesmente se abstiveram da luta, em alguns casos com a alegação de que não havia correlação de forças para resistir. Sobre esta alegação cabe aqui desobscurecer qual deve ser o papel da análise da correlação de forças dentro da luta de classes.

A questão é que a caracterização da correlação de forças é resultado da análise de um período dentro da realidade e serve para identificar as reais possibilidades da luta, bem como que métodos, táticas e estratégias adotar dentro deste período. Quando a correlação de forças é desfavorável não significa que não devemos fazer a luta - principalmente quando se trata de um ataque direto do inimigo -, mas de que precisamos identificar quais são os meios que iremos empregar e qual será o alcance da mobilização.

No caso específico da intervenção da reitoria no espaço de vivência, qualquer análise séria evidenciaria que as possibilidades de refutar a investida da PM e da Guarda Universitária a serviço da reitoria era remota, porém, isso não significa que não seria possível resistir dentro dos limites impostos pela correlação de forças daquele momento. A correlação de forças indicava concretamente que era possível, sim, realizar um processo de resistência ao lacramento do espaço estudantil, dando, por meio disso, visibilidade para as pautas da nossa luta e para o real caráter da política de Rodas. Foi, então, exatamente o que ocorreu graças à clareza política dos que resistiram até o final.

Em outras palavras, a análise da correlação de forças tem a função diferente da empregada pelos setores que foram citados acima; ela é um instrumento para que o movimento tenha clareza de como será a luta e não uma justificação para que a luta não seja feita. Nesse critério decisivo para a luta de classes e para a luta dos oprimidos de forma geral, mesmo parte do setor (LER-QI e MNN) que está à frente da mobilização, ao contrário do PSOL e do PSTU, que se esmeram nas suas tentativas de refrear o movimento, vem se equivocando profundamente.

Espera-se, contudo, que, a partir destes acontecimentos, esses companheiros façam uma profunda reflexão e revertam esse curso político, principalmente porque Rodas dá claros sinais de que irá continuar sua ofensiva e aproveita-se das férias para isso. É decisivo, portanto, que na próxima reunião do comando de greve, que ocorrerá no domingo, dia 15 de janeiro, os companheiros se posicionem e tomem medidas práticas ainda em janeiro. Para além disso, nós, do PRÁXIS, entendemos a necessidade de realizar uma reunião da chapa "27 de Outubro" - que congrega o setor mais consequente da atual luta - para que seus integrantes possam discutir medidas efetivas de atuação no movimento, principalmente a partir do encaminhamento de propostas concretas ao comando de greve e, assim, superar o isolamento dos que estão efetivamente no enfretamento contra a política interventora de Rodas, apoiado pela força repressiva policial.