Balanço das eleições
do DCE da USP - I
O
desafio de construir uma direção à altura
do movimento
estudantil
Boletim Práxis, 14
de Abril de 2012
Não se pode desconsiderar a luta contra a política
privatista e repressiva da reitoria da USP e da resistência
dos estudantes durante últimos meses de 2011 para entender
por que houve uma votação expressiva contra a chapa que
representava a direita – chapa Reação – na disputa
pela direção do Diretório Central dos Estudante da USP (DCE–USP).
Trata–se de uma flagrante derrota de um setor reacionário
dos estudantes que era diretamente apoiada pela reitoria,
pelo governo do estado de São Paulo e seu partido (PSDB).
O
balanço político da gestão “Todas as vozes”:
entreguismo da direção
do DCE e resistência dos
estudantes
Para se ter uma idéia da postura desta gestão,
quando os estudantes processados por ocasião da ocupação
do térreo do bloco G reivindicaram a gestão Todas as vozes
convocasse uma assembleia, os integrantes disseram
literalmente que não iriam convocar uma assembleia porque
este era um procedimento perigoso dentro da conjuntura que
vivia a universidade de São Paulo.
Nas duas assembleias realizadas no primeiro
semestre, a Todas as Vozes (PSOL–MÊS)[1] tratou de
implodir uma delas, além de simplesmente não encaminhar
absolutamente nada de concreto contra os ataques da reitoria.
A gestão (PSOL apoiada pelo PSTU) se posicionou o tempo
todo contra o avanço do movimento, chegando até mesmo à
tentativa de implodir a assembleia que decidiu pela ocupação
da reitoria quando perceberam que a proposta de ocupar a
reitoria poderia ser vitoriosa. Além disso, dividiram o
movimento após a ocupação: após a repressão à ocupação
da reitoria, PSOL e PSTU, em uníssono, estiveram contra
decretar a greve pela libertação dos estudantes presos e
contra os processos, política que foi rechaçada por ampla
maioria durante a assembleia.
Já no final do ano, mesmo sob ameaça da
eliminação de estudantes e novos ataques privatizantes e
contra o movimento, fatos que infelizmente se concretizaram
na eliminação de seis estudantes, no fechamento do espaço
do DCE (Diretório Central dos Estudantes) pela reitoria, na
privatização do circular (linha de ônibus anteriormente
gratuita), e na “catracalização” do restaurante
universitário, dentre outros, o bloco ora criticado teve a
política de propor o fim da greve.
Radicalização da luta dos estudantes e crise de
representatividade política
A vitória eleitoral da chapa Não Vou Me
Adaptar se insere dentro de um fenômeno mais geral de crise
de representatividade política e que não é apenas local.
Na medida em que as circunstâncias colocam a necessidade de
dar respostas aos ataques às suas condições de existência
(política ou econômica) os trabalhadores e a juventude
lutam com as ferramentas políticas que dispõem, não têm
tempo para criar uma direção ou organizações à altura
das tarefas, e isso acaba fazendo com que o resultado da sua
própria luta se coloque de maneira também mediada,
Em relação a USP, além de imediatamente não
ter sido vitorioso, o movimento ocorreu tendo que enfrentar
a reitoria e, também, em muitas ocasiões, a própria direção
do DCE. Porém, a greve dos estudantes foi fundamental para
pautar de forma crítica o projeto de privatização da
universidade e o seu mecanismo de implantação: a repressão
direta ao movimento e projetar uma percepção crítica de
uma ampla camada dos estudantes sobre o que ocorre na
universidade, fato que foi decisivo para a derrota da
direita na eleição do DCE e, também para uma votação
minoritária do setor que esteve à frente dos processos
mais avançados de luta na universidade.
Não podemos desconsiderar o papel que teve a
mobilização para que nas eleições do DCE, de 2012,
importantes mudanças ocorressem: maior número de votos (com
uma variação de cerca de 8 mil para 13 mil votos) e uma
votação massiva nas chapas de esquerda (cerca de 80%). Por
outro lado, não podemos desconsiderar que, principalmente
com o fim da greve, os setores mais moderados da
universidade, mesmo nos cursos mais mobilizados ganham mais
força.
O peso de uma eleição no primeiro semestre,
em que milhares de novos estudantes votam sem ter a experiência
política com as forças atuantes na universidade, o peso
nas eleições que têm os centros acadêmicos e os aparatos
nos quais se constituem e, por último, na ainda pouca inserção
das organizações revolucionárias. Mas o centro do fenômeno
é o de que, ao contrário do que afirmam os representantes
da chapa Não vou me adaptar, o resultado eleitoral não
representa diretamente a luta concreta dos estudantes
durante o segundo semestre de 2011, mas, por outro lado também
não podemos dizer que não é em nenhuma medida um reflexo
dela.
Balanço
triunfalista a serviço da política de conciliação
Como herança dos anos sem mobilização, os
setores que obtiveram a vitória eleitoral herdaram uma
situação favorável em relação à presença nos centros
acadêmicos, posição que claramente os favoreceu durante o
processo eleitoral. Todo o processo eleitoral reflete de
forma distorcida a realidade. O voto mesmo nas eleições
sindicais captam a consciência média dos trabalhadores, a
posição dos setores mais avançados acabam ficando diluídas
com esse mecanismo.
Em seu balanço o PSTU afirma que
desconsideram que o movimento estudantil tem uma
especificidade em relação ao movimento operário.
A questão é que desconsideram em toda ou qualquer
análise política que fazem o caráter poli–classista do
movimento estudantil e mesmo da sua base, fazendo com que
existam setores que estruturalmente assumam uma posição
conservadora. Essa ruptura com um critério clássico com
que se faz política no interior do movimento estudantil faz
com que invariavelmente tenham uma política para a consciência
média dos estudantes, o problema que essa consciência média
dos estudantes no geral significa estar sempre contra o
setor dos estudantes mais ativos.
É fato que Rodas não sai vitorioso do
processo eleitoral, mas também é fato que a continuidade
de seus ataques não dependem de qual força política está
à frente do DCE, basta ver qual foi a sua política diante
da gestão Todas as vozes, uma gestão absolutamente
conciliadora (que afirmou literalmente ter medo de
assembleias) que simplesmente desarmou os estudantes para a
luta contra rodas, que teve que ser feita apesar dessa direção
do DCE.
Mas, afirmar que o projeto de Rodas não tem
força alguma entre os estudantes (Ler–qi) desarma
politicamente da mesma forma que afirmar que o resultado
eleitoral foi uma derrota política para o projeto
privatista de Rodas (PSTU), ambas as caracterizações não
dão conta da realidade. Nem é verdade que o projeto de
Rodas está derrotado entre os estudantes e nem que as eleições
o enfraqueceram em si.
Unidade
da esquerda versus frente oportunista
O que se percebe é que além da limitação
do PSTU e PSOL com relação ao emprego de todas as táticas
de luta, este setor tem a concepção de uma supervalorização
das táticas legais (que se dá apenas, segundo sua
perspectiva, a partir do controle do aparato do DCE) em
detrimento de uma efetivação de outras táticas, como por
exemplo, ocupações ou greves.[2]
A diferença que já se apontava era com que
compor essa frente de esquerda nas eleições e de que
“esquerda” se tratava, pois uma frente oposicionista,
pelo fato incontornável de que a gestão Todas as vozes,
mesmo sem que todas as suas traições fossem desenvolvidas
ou conhecidas, já naquele momento apresentava um balanço
político desastroso à frente do DCE, não possibilitava
aliança eleitoral com esse setor. Vejamos.
No mesmo dia em que ocorreu a prisão dos 3
estudantes por suposto porte de maconha, isto é, no dia 27
de outubro, havia uma reunião para discutir a formação de
uma frente eleitoral de esquerda, ocorreu a luta espontânea
contra a política protagonizada por centenas de estudantes.
Foi nessa ocasião que o PSOL fez o cordão de isolamento
para policia prender os estudantes. Depois dessa clara traição,
que o PSTU tenta apagar da história, ao velho estilo
estalinista, houve uma série de outros episódios que
poderiam servir para que essa organização rompesse com a
sua fixação pelo PSOL (particularmente MES que além da
política nefasta na USP é a corrente do PSOL que mais a
direita está.
O discurso triunfalista feito pelo PSTU
esconde o fato de que a sua aliança com o PSOL–MES nas
eleições não era alternativa para derrotar eleitoralmente
a direita no DCE com um voto de esquerda independente,
juntar–se a 27 de outubro e a outros setores de esquerda
era, na verdade, a única para que o resultado eleitoral
pudesse significar uma saída de luta, independente e democrática.
Desafios
para o próximo período: a centralidade da defesa dos
estudantes
e trabalhadores perseguidos
É improvável que a
composição PSOL–PSTU de repostas políticas a altura dos
ataques de Rodas, na verdade esse bloco sempre esta atrás
das respostas mais contundentes que amplos setores dos
estudantes deram no ultimo período. Assim temos que nos
preparar para a hipótese mais provável de que o movimento
terá novamente que deixar a direção do DCE para trás
para poder desenvolver sua mobilização.
Algumas pistas já estão sendo dadas. Na
conclusão do seu balanço o PSTU afirma que “mantendo o
DCE como instrumento de luta e não como apêndice do
reitorado” afirmação com uma contradição entre os seus
termos, porque na verdade é necessário retomar o DCE para
uma posição de luta que foi apagada pelas sucessivas gestões
do PSOL e do PSTU, mas vamos ao ponto central da nossa crítica,
o PSTU ainda afirma que o “movimento estudantil está em
melhores condiciones para continuar a luta contra a ofensiva
de Rodas–PSDB e em defesa da democracia e autonomia da
USP, onde um ponto central é expulsão da PM da
universidade”.[3]
É claro que o movimento estudantil tem como
tarefa central a expulsão da PM do campus como condição
muito importante para derrotar o projeto de Rodas, mas
verifica–se nesta e em outras declarações deste setor
que não captam de conjunto e não conseguem hierarquizar de
forma concreta os problemas da luta contra a reitoria e seu
projeto privatista. Uma das representantes dessa posição
no jornal do campus edição da primeira quinzena de abril
afirma que “apesar de algumas pessoas serem as mesmas, é
importante dizer que somos a chapa nova, que nunca aconteceu”
e que o primeiro passo da nova gestão é “o DCE ser mais
presente no cotidiano dos estudantes, o que seria
concretizado por meio de debates e assembleias nos
cursos”.
Para
nós, do PRÁXIS, é necessário ir muito
mais a fundo no problema da repressão aos lutadores e ao
projeto privatista. A luta contra a repressão tem na questão
da luta contra o convenio PM–USP (que só poderá ocorrer
com a revogação do convênio e com a expulsão total da
polícia do interior da universidade) é um tema permanente
para a luta estudantil, o mesmo acontece com a questão dos
processos, do sistema de vigilância, da repressão ao
movimento e da democratização da própria universidade
como um todo.
A luta contra os processos devem se
materializar, no momento, na construção de uma ampla e
militante campanha democrática contra a séria ameaça de
mais demissões de trabalhadores e eliminações de
estudantes pela reitora, pela suspensão de todos os
processos, pela reincorporação dos estudantes e
trabalhadores que foram demitidos e eliminados. Com o inicio
dos processos (verdadeiros tribunais de exceção com rito
sumário) contra os estudantes que ocupavam a reitoria e a
moradia retomada, e contra as lideranças sindicais com o
objetivo de excluí–los da universidade até o final do
semestre não podemos mais perder tempo, é hora de
juntarmos todas as forças para derrotar a política de
Rodas e da burocracia universitária, qual seja, a de impor
um regime ditatorial no interior da universidade.
Realizar uma campanha que articule a mais
ampla denúncia contra o reitor e sua política – acabar
com a luta política no interior da universidade – em
unidade com todos os setores do movimento social que
enfrentam também um intenso processo de criminalização;
este é o grande desafio. Uma campanha que combine um
intenso processo de esclarecimento, com debates públicos,
audiências no maior número de espaços, inclusive
institucionais, apoio de intelectuais e figuras públicas é
também muito importante. Essa campanha democrática deve
ser realizada não apenas em âmbito nacional, o tema da
repressão aos estudantes e trabalhadores na USP já é
noticia em várias partes do mundo, devemos lançar também
uma campanha que atinja todas as organizações democráticas
em outros países.
No
entanto, o ponto decisivo dessa campanha não
são as atividades super–estruturais. É necessário
construir um forte calendário de luta pela base com a
participação massiva de estudantes e trabalhadores com
assembléias conjuntas, atos, passeatas e outras ações que
criam novamente um ambiente de luta no interior da
universidade e que recoloque condições para organizarmos
uma greve geral contra a repressão e a privatização da
universidade. Esse será o primeiro grande desafio que o
movimento enfrentará neste semestre, será que a “nova”
direção do DCE passará pelo teste, tudo indica que não.
Mas como em momentos anteriores os estudantes e as organizações
combativas saberão se colocarem a frente da luta.
Notas:
1.– O MES é uma corrente
ligada ao Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST) que
atua na Argentina e a outras organizações que se
caracterizam pelo abandono quase que completo da política
revolucionária.
2.– Neste ponto, cabe
lembrar um aspecto da polêmica de Lênin com os
“esquerdistas holandeses”, de onde se pode tirar uma
importante lição sobre a hierarquia das táticas de luta:
(...) “a ação das massas – por exemplo, uma grande
greve [como, por exemplo, o PSTU, podia ter almejado
colaborar para a construção no ano passado, quando era
crescente o movimento de greve] é sempre
mais importante do que a ação parlamentar, e não
apenas durante a revolução ou numa situação revolucionária.”
(LENIN, V.I. A doença infantil do “esquerdismo” no
comunismo, In: Obras escolhidas de Lênin, pág.307. Editora
Progresso, Lisboa, 1979)
3.– “Entre los días 27 y 29 de marzo se realizaron las
elecciones estudiantiles para...”
http://www.litci.org
Balanço
da eleição para o DCE da USP – II
O cenário político no
qual ocorreu a eleição:
ofensiva de Rodas e resistência
do movimento
Por Antonio Soler e Carlos E. Ranea
SoB–Práxis, 13/04/2012
A resistência dos
estudantes à nova onda de ataques privatistas/repressivos
da reitoria se iniciou com a indignação espontânea dos
estudantes e gerou duas ocupações e uma das greves
estudantis mais importantes dos últimos tempos. Este foi o
pano de fundo que emoldurou a luta dos estudantes iniciada
em 27 de outubro contra a prisão de três estudantes,
efetuada pela presença da polícia militar no interior da
universidade.
Desta forma, o resultado
da última eleição da USP não pode ser analisado apenas
dentro dos limites do próprio cenário eleitoral, mas deve
necessariamente incorporar a situação política gerada após
o intenso processo de mobilização que, como já apontado,
contou com duas ocupações e com uma greve estudantil que
se estendeu até o dia 8 de março de 2012. Ou seja,
devemos
levar em consideração a luta contra a política privatista
e repressiva da reitoria da USP e da resistência dos
estudantes durante últimos meses de 2011 para entender por
que houve uma votação expressiva nos setores que se
colocavam de maneira crítica ao projeto de Rodas e uma
flagrante derrota do setor reacionário dos estudantes,
representado pela chapa Reação, que era diretamente
apoiada pela reitoria, pelo governo do estado de são Paulo
e seu partido (PSDB).
A dura luta contra o avanço
das políticas privatistas e da repressão a serviço deste
avanço no interior da universidade, em um cenário nacional
de defensiva do movimento dos trabalhadores e de aumento
generalizado das políticas de criminalização de todo os
movimentos de resistência, que custou (dentro do movimento
estudantil) prisões, processos e possíveis eliminações
de estudantes, foi decisiva para a derrota da direita
organizada em torno da chapa Reação. Sem essa luta de
milhares de estudantes, e a experiência concreta que a
mesma possibilitou contra a política da reitoria,
certamente, o resultado eleitoral teria sido outro. Apesar
do falso alarde de que a direita poderia ganhar as eleições
– o que serviu de justificativa para a capitulação política
da MNN (Movimento Negação
da Negação) –, a chapa Reação obteve apenas 20,1 % dos
votos.
Além da evidente influência
das ocupações e da greve sobre o resultado eleitoral, outro
fato político sobre o qual não se pode tergiversar, foi o
papel que cumpriu cada um dos setores envolvidos direta ou
indiretamente nesse processo. Neste sentido, cabe realizar
uma breve análise da evolução política no interior da
universidade, ou seja, sobre quais foram os principais
fatores que determinaram essa evolução, bem como qual
foi a política dos setores mais ativos e organicamente
incorporados nas demandas e métodos necessários de luta do
movimento estudantil no desenvolvimento desse processo.
O balanço político da gestão
"Todas as vozes":
entreguismo da direção do DCE e resistência dos
estudantes
Durante todo o ano de
2011, a gestão Todas as Vozes (PSOL–MES),
apoiada sempre pelo seu fiel escudeiro, o PSTU, se negou até
em convocar assembleias para discutir questões como os
processos contra os estudantes e trabalhadores. Nas duas
assembleias realizadas no primeiro semestre, essa gestão
tratou de implodir uma delas, além de simplesmente não
encaminhar absolutamente nada de concreto contra os ataques
da reitoria.
Quando os estudantes processados – e no final do
ano, eliminados –, por ocasião da ocupação do térreo
do bloco G, reivindicaram uma assembleia, os integrantes da
gestão Todas as Vozes disseram literalmente que não iriam
convocar uma assembleia porque este era um procedimento
perigoso dentro da conjuntura que vivia a universidade de São
Paulo. Semanas antes do dia 27 de outubro, com o convênio
com a PM já em vias de ser assinado, a gestão Todas as
Vozes convocava um ato para discutir abstratamente a
democracia no interior da universidade. No dia 27 de outubro,
a mesma gestão realizou um cordão de isolamento para a polícia
levar os 3 estudantes presos por suposto uso de
entorpecente dentro do estacionamento do prédio da história,
fato assistido por quase mil estudantes e negado pelo PSTU
(Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), mesmo este
partido presenciando os fatos.
Na assembleia do dia 1,
que decidiu pela ocupação da reitoria, este setor (PSOL e
PSTU) tentou implodir a assembleia e dividir o movimento.
Durante toda a ocupação, em vez de apoiá–la e de se
valer dela como forma para ampliar o campo das lutas, a
gestão Todas as Vozes, diante da repressão, fez coro com a
reitoria, imprensa e classe dominante contra o movimento,
fato nunca criticado pelo PSTU, que apesar de não se
colocar abertamente contra a ocupação teve uma política
oportunista de apenas intervir nas assembleias sem colocar
nenhum esforço político no sentido de construí–las.
A campanha de calúnias e
tentativas de desmoralização levadas a cabo pela imprensa,
reitoria e, pela própria anterior gestão Todas as Vozes do
centro acadêmico dirigido na época pelo PSOL
(particularmente composto pelo MES (Movimento Esquerda
Socialista), corrente política que compôs com o PSTU a
chapa Não vou me Adaptar) contra os estudantes que estavam
à frente da ocupação da reitoria não foi suficiente para
impedir, como queria a reitoria, a indignação dos
estudantes da USP diante da invasão da universidade pela
tropa de choque no dia 8 de novembro. Demonstrando ainda um
potencial de combatividade, os estudantes em uma assembleia
com mais de 3000 pessoas decretaram greve.
Após a repressão à
ocupação da reitoria, PSOL
e PSTU, em uníssono, estiveram contra decretar a greve pela
libertação dos estudantes presos e contra os processos,
política que foi rechaçada por ampla maioria durante a
assembleia. No final do ano, mesmo sob ameaça da eliminação
de estudantes e novos ataques privatizantes e contra o
movimento, fatos que infelizmente se concretizaram na
eliminação de seis estudantes, no fechamento do espaço do
DCE (Diretório Central dos Estudantes) pela reitoria, na
privatização do circular (linha de ônibus anteriormente
gratuita), e na “catracalização” do restaurante
universitário, dentre outros, o bloco ora criticado teve a
política de propor o fim da greve, isto apenas para
ficar nas posições políticas mais escandalosas desse
setor. Contraditoriamente, esse é o balanço político no
processo de luta deste setor que hoje está à frente da
gestão do DCE.
Durante esta greve, o que
na verdade já havia sido começado no decorrer da ocupação
da reitoria (apesar, como dito anteriormente, de toda a
propaganda contrária feita pela imprensa e pela anterior
gestão do DCE (PSOL)), foi ficando cada vez mais claro para
os estudantes, sobretudo sobre qual é o verdadeiro papel da
PM no interior da universidade. Também, fatos como a agressão
de um aluno negro no interior da universidade por um tenente
da PM também ajudaram a esclarecer a questão e fazer com
que a opinião oposta à presença da PM e uma crítica
crescente ao endurecimento do regime interno da universidade
se desenvolvessem criando, inclusive, um movimento mais
amplo entre a intelectualidade pela democratização da
universidade.
Enfim, a greve dos estudantes foi fundamental para
pautar de forma crítica o projeto de privatização da
universidade e o seu mecanismo de implantação: a repressão
direta ao movimento. A greve que, apesar de não se sustentar no
início de 2012 por uma série de razões (principalmente
por não superar o seu isolamento em relação às demais
categorias) por um lado acabou restrita aos estudantes e com
uma direção que não apostou a fundo em sua continuidade e
superação do isolamento em relação às demais categorias,
e por outro, foi
crucial para projetar uma percepção crítica de uma ampla
camada dos estudantes sobre o que ocorre na universidade,
fato que foi decisivo para a derrota da direita na eleição
do DCE e, também para uma votação minoritária do
setor que esteve à frente dos processos mais avançados de
luta na universidade.
É esta a contradição
que é importante nos dedicarmos a compreender. Ao
não encarar essa contradição de frente, todos os setores
que se dedicam a fazer um balanço do resultado eleitoral,
principalmente o seu significado – que têm determinantes
políticos e alcances que evidentemente transcendem ao círculo
do movimento estudantil – para a continuidade da luta
contra rodas, acabam não tirando as devidas conclusões.
Radicalização da luta dos estudantes e crise de
representatividade política
A vitória eleitoral da chapa Não Vou Me Adaptar se
insere dentro de um fenômeno mais geral denominado crise de
representatividade política e que não é apenas local.
Em que pese o fato de a
classe trabalhadora ter um longo caminho para recolocar de pé
um projeto socialista capaz de superar definitivamente o
capitalismo, a configuração do cenário econômico e político
a partir da crise
aberta em 2008 e a onda de rebeliões que tomaram conta do
planeta desmente a tese do “fim da história”, que foi
moda durante as últimas décadas. O capitalismo passa a
ser amplamente questionado, particularmente na sua forma
puramente especulativa, a classe operária cresce
numericamente e em importância política, a sua participação
nos processos de luta quando a burocracia não consegue
obstruir sua força, é fator decisivo para o resultado do
processo, vide o papel que tiveram os portuários no Egito.
O processo de radicalização da luta em termos
planetários sofre com o fenômeno da crise de
representatividade política à altura da ação prática
que desenvolvem os trabalhadores e a juventude. Apesar de derrubarem governos, protagonizar greves
gerais, tomar praças durante longo período, e estarem à
frente de guerras–civis, falta–lhes direções e
organizações políticas à altura, e isso se expressa
inclusive nos processos eleitorais posteriores às suas
lutas, vide caso do Egito onde após uma rebelião que
derrubou o antigo governo/regime, hoje o mais provável é
que o governo seja composto por uma organização
conservadora, a Irmandade Mulçumana.
Na medida em que as
circunstâncias políticas os colocam diante da necessidade
de dar respostas aos ataques às suas condições de existência
(política ou econômica) os
trabalhadores e a juventude as exercem com as ferramentas
políticas que dispõem, não têm tempo para criar uma direção
ou organizações à altura das tarefas, e isso acaba
fazendo com que o resultado da sua própria luta se coloque
de maneira também mediada, ou seja, não podem com uma
direção e organização políticas não revolucionárias
ir para além dos limites do capitalismo ou mesmo do estado
burguês.
No caso da luta na USP,
vivido durante o segundo semestre de 2011, e mesmo depois
com o resultado eleitoral verificado, um fenômeno similar
se estabeleceu. É evidente que as ocupações e a greve não
conseguiram ainda barrar o projeto privatista em curso na
universidade e que, para isto, uma série de limites
observados na luta do ano passado devem ser superados, mas,
por outro lado, também é possível afirmar que os
estudantes durante esse período realizaram um importante
ensaio em que, apesar da violenta repressão, não saíram
derrotados de forma que não possam retomar a luta,
inclusive, em um patamar superior.
Mas a questão aqui é que esse processo de luta, além de imediatamente
não ter sido vitorioso, ocorreu tendo que enfrentar a
reitoria e, também, em muitas ocasiões, a própria direção
do DCE.
Este processo de luta,
inclusive a greve, não encontrou uma direção imediata na
gestão do DCE ou nas organizações de esquerda com o maior
número de ativistas (PSOL e PSTU) organizados e com maior
estrutura, mas nas organizações revolucionárias e nos
independentes radicalizados que, apesar de ainda terem um
peso numérico e uma presença nos centros acadêmicos menor
do que os que compõem a Não vou me adaptar, tiveram um
papel decisivo. Com o fim da greve e a volta a
“normalidade” (colocamos entre aspas porque estamos em
meio à continuidade do processo repressivo levado a cabo
pela reitoria) na disputa eleitoral passa a ter mais peso os
elementos estruturais. Mas, por outro lado, não
podemos desconsiderar o papel que teve a mobilização para
que nas eleições do DCE, de 2012, importantes mudanças
ocorressem: maior número de votos (com uma variação de
cerca de 8 mil para 13 mil votos) e uma votação massiva
nas chapas de esquerda (cerca de 81%).
Contudo, o centro do fenômeno
que queremos discutir é o de que, ao contrário do que
afirmam os representantes da chapa Não vou me adaptar, o resultado eleitoral não representa diretamente a luta concreta dos
estudantes durante o segundo semestre de 2011, e também não
podemos dizer que não é um reflexo dela. Afirmar isto
é querer forjar, na verdade, um resultado bastante
distorcido da realidade.
As ocupações e a greve
dos estudantes, enquanto estavam em curso, não foram
dirigidas pelos setores que obtiveram a vitória eleitoral.
Pelo contrário, PSOL e PSTU se posicionaram o tempo todo contra o avanço do movimento,
chegando até mesmo à tentativa de implodir uma assembleia
quando perceberam que a proposta de ocupar a reitoria
poderia ser vitoriosa, além disso, dividiram o movimento após
a ocupação, fazendo coro com a imprensa burguesa e com
a reitoria e, mesmo com a invasão da tropa de choque no dia
oito de novembro, colocaram–se contra a greve em uma
assembleia de mais de três mil estudantes. Uma vez a greve
em curso, atuaram no sentido de enfraquecer o comando de
greve eleito na base e, também, as deliberações que iam
ao sentido de superar o isolamento do movimento e de
combater os ataques de Rodas durante o final do ano.
Não podemos
desconsiderar que, principalmente com
o fim da greve, os setores mais moderados da universidade,
mesmo nos cursos mais mobilizados ganham mais força, em
segundo, que o peso de uma eleição no primeiro semestre,
em que milhares de novos estudantes votam sem ter a experiência
política com as forças atuantes na universidade, o peso
nas eleições que têm os centros acadêmicos e os aparatos
nos quais se constituem e, por último, na ainda pouca inserção
das organizações revolucionárias.
Balanço triunfalista a serviço da política de
conciliação
Tendo observado todos
estes fatores, antes de concluir com os desafios para o
movimento estudantil no enfretamento a situação atual,
passemos, portanto, a verificar o balanço feito por algumas
organizações. Vamos analisar dois casos, PSTU e LER–QI,
não que as demais posições não tenham importância, mas
porque acabam sendo matizes dessas posições da qual nós,
do PRÁXIS, temos
uma visão totalmente distinta.
Até o momento o setor
que apresentou um balanço
mais extenso e também mais ideologizado – em muitas
passagens até mesmo falsificado – foi o PSTU, em um
artigo publicado no dia 7 de abril.
Este é um texto que pelo conjunto de falsificações que
apresenta, por ser um texto que esta corrente está fazendo
circular nos países que tem alguma inserção e pela
vanguarda nestes países muitas vezes não ter acesso a
informações de primeira mão sobre os fatos analisados,
tal fato merece a composição de uma crítica que abarque
os seus principais aspectos.
Com o final da greve,
defendido pela Não vou me adaptar, a situação lhes cai
mais favorável. Precisamos analisar alguns aspectos para
compreender este fenômeno contraditório. O
movimento – que os mesmos estavam contra e depois foram
obrigados a adaptarem–se de forma a tentar controlá–lo
burocraticamente – tratou de criar uma situação de maior
politização pela esquerda dos estudantes. Como
herança dos anos sem mobilização, esses setores herdaram
uma situação favorável em relação à presença nos
centros acadêmicos, posição que claramente os favoreceu
durante o processo eleitoral. Toda uma “geração” de
estudantes entrou na universidade sem poder ter a experiência
das políticas oportunistas desse setor, dessa forma a
propaganda de que eram a única alternativa em relação à
direita foi facilitada.
O que não se pode
considerar é que o resultado eleitoral tenha em si
significado uma “importante derrota política ao nefasto
projeto privatista–elitista e repressor impulsionado por
Rodas, o PSDB e os poderosos meios de comunicação
burgueses”.
Mais uma vez o PSTU
muda totalmente de critério para justificar a sua política
oportunista de se ligar carnalmente com os traidores do MES.
No texto de novembro de 2010, afirma que “o
tamanho do peso social da direita na universidade não pode
ser reduzido à sua expressão eleitoral em uma eleição do
movimento. A opinião política de direita não se expressou em
votos, mas em apatia e abstenção. Mas se a direção do
DCE tiver a ilusão de que, por isso, derrotou a direita,
vai armar a derrota do movimento e nada mais. O movimento
precisa saber que é a direita quem está na ofensiva e, por
isso, é necessária a unidade para lutar”.
Como se pode ver o critério utilizado anteriormente
é muito distinto, trata–se de uma organização casuísta
em relação aos critérios políticos e capaz de construir
qualquer ideologia para tentar justificar os seus desvios
políticos. Atualmente, portanto, se assiste a um desvio político
prolongado no sentido do mais deslavado oportunismo.
Ainda sobre o significado
da disputa eleitoral, é importante fazer algumas observações
críticas. A eleição de uma chapa é determinada por uma série
de fatores e reflete um momento da consciência política média
de uma determinada categoria. No caso do movimento
estudantil ou dos setores que não estão diretamente
ligados à produção, é necessário que alguns cuidados
metodológicos sejam tomados para que o seu resultado não
seja entendido de forma equivocada. No seu balanço, e ao
fazer uma crítica às posições da LER–QI (que iremos
analisar em seguida), afirmam que “primeiramente, a ideia
de que as eleições não têm relação com a realidade é
equivocada. Inclusive as eleições burguesas, ainda que de
forma distorcida, expressam a realidade política. Porém,
inclusive descontando estas questões, se é verdade que as
eleições não expressam nada da realidade, se estas nunca
deixaram de ser uma “farsa”, para que, então, se
dispuseram a tão irrelevante processo?”.
É claro que todo o
processo eleitoral, principalmente os que se dão no
interior da democracia burguesa, com todo o peso econômico
e ideológico da classe dominante, reflete de forma
distorcida a realidade. O
voto em urna mesmo nas eleições sindicais captam a consciência
média dos trabalhadores, a posição dos setores mais avançados
acabam ficando diluídas com esse mecanismo. Isto posto,
o problema se complica quando argumentam que “muito mais
equivocado é afirmar isto no caso de uma eleição para um
organismo sindical de luta”, desconsiderando que o
movimento estudantil tem uma especificidade ainda maior. Se
mesmo no interior de uma fábrica existem categorias com
desigualdades materiais e políticas, pois nenhuma categoria
é homogênea, isto é ainda mais acentuado quando se trata
de uma realidade como a da USP, onde participam da mesma
eleição setores sociais ainda mais diversos e até
antagônicos.
A
questão é que desconsideram em toda ou qualquer análise
política que fazem o caráter poli–classista do movimento
estudantil e mesmo da sua base, fazendo com que existam
setores que estruturalmente assumam uma posição
conservadora. Essa ruptura com um critério clássico com que se faz política no
interior do movimento estudantil faz com que invariavelmente
tenham uma política para a consciência média dos
estudantes, o problema que essa consciência média dos
estudantes no geral significa estar sempre contra o setor
dos estudantes mais ativos. Este fetiche supostamente
democrático de alcance de todos os estudantes muitas vezes
faz com que sua linha aceite até mesmo giros programáticos
profundos, como a unificação com um setor mais à direita
dentro do Movimento Estudantil, isto é, o MES.
De outro lado, também
nos defrontamos com um critério triunfalista na posição a
LER–QI. Esta organização, apesar de muito relutar em
compor uma chapa independente do PSTU, só se convencendo
durante a ocupação da reitoria, ao contrário do MNN, não
capitulou a pressão do aparato eleitoral/oportunista. Mas
acaba caindo na mesma lógica do PSTU ao afirmar que “o
resultado eleitoral – com a “Reação” com pouco mais
de um terço dos votos da chapa vencedora – deixou clara a
fraqueza da política desses setores e da Reitoria entre os
estudantes. É uma mostra muito mais significativa do que as
pesquisas de opinião da grande imprensa de que os
estudantes rejeitam a política de Rodas”.
É fato que Rodas não sai vitorioso do processo
eleitoral, mas também é fato que a continuidade de seus
ataques não dependem de qual força política está a
frente do DCE, basta ver qual foi a sua política diante da
gestão Todas as Vozes, uma gestão absolutamente
conciliadora (que afirmou literalmente ter medo de
assembleias) que simplesmente ajudou a desarmar os
estudantes para a luta contra rodas, que teve que ser feita,
apesar desta direção do DCE.
Mas, afirmações de
triunfo político contra Rodas, apesar de poderem ter um
efeito psicológico animador diante da ofensiva brutal
contra o caráter público da universidade e contra toda
forma de organização autônoma, devem ser criticadas pelo
seu aberto triunfalismo, que pode gerar uma falsa percepção
sobre a realidade. É fato que a derrota da chapa Reação
foi uma vitória eleitoral e política e que Rodas/PSDB
tinham na chapa Reação um representante político, assim a
sua derrota tem um significado político importante no
sentido de que os estudantes, principalmente os setores críticos
ao projeto de Rodas e dispostos a levar a luta contra o
conjunto dos seus ataques tenham mais clareza das suas forças.
Afirmar que o projeto de Rodas não tem força alguma entre
os estudantes (LER–QI) desarma politicamente da mesma
forma que afirmar que o resultado eleitoral foi uma derrota
política para o projeto privatista de Rodas (PSTU), ambas
as caracterizações não dão conta da realidade. Nem é
verdade que o projeto de Rodas está derrotado entre os
estudantes e nem que as eleições o enfraqueceram em si.
O que podemos dizer, sem
impressionismos políticos, é que a luta do ano passado foi
fundamental para desmistificar o projeto de modernização
reacionária da universidade, como também o conjunto do
seu modus operandi, bem como para colocar no devido lugar a
representação política dos setores mais ativos da
universidade com a derrota da chapa Reação. Ficou, ademais,
claro para quem tinha dúvidas que eleitoralmente a direita
ainda não é uma opção majoritária para dirigir o DCE.
Qualquer inferência que transcenda isso se situa no campo
da especulação e não pode ser base real para a ação política,
sob pena de não verificarmos o tamanho real dos nossos
desafios. Por outro lado, a
derrota definitiva deste projeto exigirá um combate político
com uma intensidade, capacidade de articulação entre os
setores e uma direção política que ainda está por se
construir.
Continuam as imprecisões/falsificações
do PSTU. Vejamos: “Rodas e o PSDB entendem que, para poder
entregar a USP para mãos privadas e colocá–la
inteiramente ao serviço das multinacionais, precisam
desmoralizar e derrotar o movimento estudantil e setores
sindicais combativos”.
É
fato que a derrota da chapa Reação é favorável a luta
mais geral contra rodas. Mas, de maneira oposta ao que
afirma o balanço do PSTU, isto é, de que a vitória contra
a reação foi fundamental para “manter
o DCE como um instrumento democrático para a luta dos
estudantes, Independente do reitorado e do governo”. Ora,
esta última afirmação está totalmente descolada da mais
recente história de luta dos estudantes na USP, pois nem
democracia (implosão de assembleias movidas pelo PSOL e
pelo PSTU) e muito menos independência foram garantidas na
última gestão.
O
problema que está colocado é que não há nenhuma garantia
de que a nova direção do DCE irá significar uma ruptura
com a política da gestão anterior que dentre suas traições
negociou com a reitoria nas costas do movimento a reintegração
da ocupação da sede administrativa da FFLCH, dentre outras
políticas não só oportunistas, mas que rompem até com a
própria linha de classe. É
improvável que a composição PSOL–PSTU dê repostas políticas
à altura dos ataques de Rodas, na verdade esse bloco sempre
esta atrás das respostas mais contundentes que amplos
setores dos estudantes deram no último período.
De qualquer modo, é
necessário colocar a derrota da chapa Reação e a vitória
da Não Vou Me Adaptar no seu devido lugar, ou seja,
trata–se de uma derrota da direita e da vitória do setor
que tem desenvolvido uma espécie de “salada política”
que combina elementos de traição com elementos de
oportunismo. Então, a conclusão que se pode tirar é a de
que os desafios políticos, mesmo no campo da representação
política do movimento estudantil através da sua entidade,
estão longe de ser resolvidos, e não há nenhuma garantia
(vide o que ocorreu em 2011), que esta chapa politicamente
estará à frente do movimento. Assim temos que nos preparar para a hipótese mais provável de que o
movimento terá novamente que deixar a direção do DCE para
trás para poder desenvolver sua mobilização.
Unidade da esquerda versus frente oportunista
Em relação ao acerto da
política de ampla unidade de esquerda que o PSTU reivindica
em vários momentos do seu balanço e da política sectária
dos demais setores é oportuno que façamos algumas
considerações também.
Primeiramente, no que
tange a caracterização de “esquerdismo” do qual o PSTU
acusa toda e qualquer posição opositora pela esquerda, é
necessário esclarecer que, além desta organização se
apropriar da teoria de Lênin de maneira parafrásica e
superficial,
o PSTU parece não ter concebido sobre a totalidade dos métodos
de luta, caracterizados pelo emprego de todas as táticas,
legais e ilegais (demonstrando, portanto, que não se
pode estabelecer a luta contra o capitalismo munindo–se
apenas de meios legais, mas que se deveria constantemente
procurar mobilizar as massas operárias e, em nosso caso,
estudantis), e reiterados incessantemente dentro da obra
“A doença infantil do “esquerdismo” no comunismo,”
por Lênin.
Nesse sentido, o que se percebe é que além da
limitação do PSTU e PSOL com relação ao emprego de todas
as táticas de luta, este setor tem a concepção de uma
supervalorização das táticas legais (que se dá apenas,
segundo sua perspectiva, a partir do controle do aparato do
DCE) em detrimento de uma efetivação de outras táticas,
como por exemplo, ocupações ou greves.
Apontado isto, é preciso
dizer que, como faz toda a burocracia quando está à frente
de qualquer aparato, o PSTU prossegue sua frágil argumentação
fazendo uma “condenação” moral contra os grupos por
quererem se autoconstruir, como se essa vontade em si fosse
condenável e como se qualquer corrente não tivesse a sua
construção como objetivo permanente. A questão nesse tema
não é o direito que qualquer corrente política tem de se
construir, mas em que política essa construção se apoia.
Afirmam, então, que “pouco importava se a chapa de Rodas
e o PSDB triunfavam, pois o central era se diferenciar a
qualquer custo do PSTU e se apresentar como os mais
“radicais” e que “a verdade é que ninguém, a não
ser aqueles que a todo custo se negam a reconhecer o enorme
acerto que significou uma política de unidade da esquerda
contra a chapa direitista, pode negar que toda a ofensiva
ideológica de Rodas e da mídia burguesa paulista criou
condições muito favoráveis para o avanço e
fortalecimento da direita no interior do movimento
estudantil.”[13]
Nas suas falsificações
o PSTU tenta ficar com a bandeira de ser o único setor que
quis construir uma unidade de esquerda contra a direita.
Outros setores também convocaram uma frente de esquerda nas
eleições que se avizinhavam e ainda estavam marcadas para
o final de 2011. Durante as primeiras reuniões para
discutir aliança eleitoral, inclusive dentre os que vieram
a compor a chapa 27 de outubro, a proposta de se conformar
uma frente de esquerda foi apresentada ao PSTU e esse se
negou sistematicamente a aceitar. A
diferença que já se apontava era com que compor essa
frente de esquerda nas eleições e de que “esquerda” se
tratava, pois uma frente oposicionista, pelo fato incontornável
de que a gestão Todas as Vozes, mesmo sem que todas as suas
traições fossem desenvolvidas ou conhecidas, já naquele
momento apresentava um balanço político desastroso à
frente do DCE, não possibilitava aliança eleitoral com
esse setor.
É “curioso” que em
um texto recente, após a eleição do DCE para a gestão de
2011, o PSTU que foi derrotado pelo PSOL (principalmente
pelo MES) se utiliza de um critério bastante distinto para
julgar o resultado eleitoral daquele ano, afirmam que “durante todo um pleito, submetido a todo esse
controle burocrático, a agitação mais permanente do MES
entre os estudantes era de que o ‘PSTU estava fazendo o
jogo da direita’, porque se posicionava contra a atual
gestão do DCE, quando havia chapas de direita inscritas”.
Dizemos curioso porque é exatamente essa linha de argumentação
que agora o PSTU está usando para tentar deslegitimar a
esquerda revolucionária. Por que será que o PSTU mudou de
forma tão abrupta de posição em relação à eleição
anterior? Existem várias hipóteses, dentre as quais uma
experiência política com o objetivo de ir criando condições
para outros processos eleitorais com o MES–PSOL e, é
claro, a partir sempre uma lógica oportunista. Hipóteses
nossas apenas? Mas, o fato é que a visão dessa organização
mudou brutalmente nos últimos anos e, como se vê, para
pior.
No dia 27 de outubro, havia uma reunião para
discutir a formação de uma frente eleitoral de esquerda
com todos os setores. No entanto, neste mesmo dia, ocorreu a
prisão dos 3 estudantes por suposto porte de maconha, o que
desencadeou também a luta espontânea contra a polícia,
protagonizada por centenas de estudantes. Foi nessa ocasião
que o PSOL fez o cordão de isolamento para polícia prender
os estudantes. Depois
dessa clara traição, que o PSTU tenta apagar da história,
ao velho estilo estalinista, houve uma série de outros episódios
que poderiam servir para que essa organização rompesse com
a sua fixação pelo PSOL (particularmente MES que, além de
sua política nefasta na USP, é a corrente do PSOL que mais
a direita está, inclusive pela sua relação com a classe
dominante – aceita apoio material da burguesia – e por
sua política abaixo do reformismo). Mas não foi isso o que
ocorreu.
O PSTU teve tempo político,
com as experiências do movimento com o PSOL–MES, para
rever o curso da sua política eleitoral. Mas, fez uma clara
opção política: aliança eleitoral, política e tática
com o setor mais à direita da esquerda. Ao passo de que
seria perfeitamente possível ter mudado o seu curso
capitulador e construir uma chapa verdadeiramente de
esquerda a partir de um duro balanço contra o MES, com um
programa e métodos de enfrentamento direto e amplo contra a
política de Rodas, a partir do respeito aos fóruns de
democracia de base. Uma combinação política nesses moldes
seria suficiente não apenas para derrotar a direita, mas
também para que à frente do DCE se colocasse uma direção
capaz de estar à frente das lutas e à altura dos atuais
desafios. O discurso triunfalista feito pelo PSTU esconde o fato de que a sua
aliança com o PSOL–MES nas eleições não era
alternativa para derrotar eleitoralmente a direita no DCE,
com um voto de esquerda independente. Juntar–se a 27 de
outubro e a outros setores de esquerda era, na verdade, a única
forma para que o resultado eleitoral pudesse significar uma
saída de luta, independente e democrática.
Aqui repetimos ao PSTU
exatamente a pergunta que ele fez ao MES em novembro de
2010: quem queria realmente a unidade da esquerda no
processo eleitoral de forma a permitir uma gestão de luta
no DCE? A resposta é simples. O PSTU realizou uma profunda
inflexão na sua linha política, desenvolveu um perfil político
muito mais conciliador e vem se esmerando nas elaborações
falsificadoras da realidade para compor com o MES. Cabe aqui
outra pergunta, foi o MES ou o PSTU que mudou? Parece–nos
que quem mais se deslocou politicamente foi o PSTU e,
ressalve–se, para pior.
É esse um dos motivos do
triunfalismo com o qual encara a vitória eleitoral, mas
esta não tarda para dizer ao que veio, basta verificar qual
é a forma como pensam nos desafios no qual estamos diante.
Vejamos. Na conclusão do seu balanço afirmam que mantém
“o DCE como instrumento de luta e não como apêndice do
reitorado”. Esta afirmação, se bem observada,
entretanto, apresenta uma contradição entre os seus
termos, porque na
verdade é necessário retomar o DCE para uma posição de
luta que foi apagada pelas sucessivas gestões do PSOL e do
PSTU. A parte tal afirmação equivocada realizada por
esta organização, devemos ir ao ponto central da nossa crítica,
ou seja, o de que o PSTU ainda afirma que o “movimento
estudantil está em melhores condiciones para continuar a
luta contra a ofensiva de Rodas–PSDB e em defesa da
democracia e autonomia da USP, onde um ponto central é
expulsão da PM da universidade”.[15]
É claro que o movimento
estudantil tem como tarefa central a expulsão da PM do
campus como condição muito importante para derrotar o
projeto de Rodas, mas verifica–se nesta e em outras
declarações deste setor, que não captam de conjunto e não
conseguem hierarquizar de forma concreta os problemas da
luta contra a reitoria e seu projeto privatista. Uma das
representantes desta organização (e, por conseguinte,
desta posição), declara no jornal do campus, edição da
primeira quinzena de abril, que “apesar de algumas pessoas
serem as mesmas, é importante dizer que somos a chapa nova,
que nunca aconteceu” e que o primeiro passo da nova gestão
é “o DCE ser mais presente no cotidiano dos estudantes, o
que seria concretizado por meio de debates e assembleias nos
cursos”.
Para
nós, do PRÁXIS, é
necessário ir muito mais a fundo no problema
da repressão aos lutadores e ao projeto privatista.
A luta contra a repressão tem na questão da luta contra o
convênio PM–USP (que só poderá ocorrer com a revogação
deste convênio e com a expulsão total da polícia do
interior da universidade) um tema permanente para a luta
estudantil, e o mesmo acontece com a questão dos processos,
do sistema de vigilância, da repressão ao movimento e da
democratização da própria universidade como um todo.
A luta contra os processos devem se materializar, no
momento, na construção de uma ampla e militante campanha
democrática pela suspensão de todos os processos, e pela
reincorporação dos estudantes e trabalhadores que foram
demitidos e eliminados, respectivamente. Com o início de
novos processos, avolumados aos anteriores (verdadeiros
tribunais de exceção com rito sumário), contra os
estudantes que ocupavam a reitoria e a Moradia Retomada, e
contra as lideranças sindicais com o objetivo de excluí–los
da universidade até o final deste semestre, não podemos
mais perder tempo, é hora de juntarmos todas as forças
para derrotar a política de Rodas e da burocracia universitária,
qual seja, a de impor um regime ditatorial no interior da
universidade.
Realizar uma campanha que
articule a mais ampla denúncia contra o reitor e sua política
de acabar com a luta política (oposta ao seu projeto
privatista) no interior da universidade, em unidade com
todos os setores do movimento social que enfrentam também
um intenso processo de criminalização; este é o grande
desafio. Uma campanha que combine um intenso processo de
esclarecimento, com debates públicos, audiências no maior
número de espaços, inclusive institucionais, apoio de
intelectuais e figuras públicas é também muito
importante. Essa campanha democrática deve ser realizada não
apenas em âmbito nacional, pois o tema da repressão aos
estudantes e trabalhadores na USP já é notícia em várias
partes do mundo, e por isto, devemos lançar também uma
campanha que atinja todas as organizações democráticas em
outros países.
No
entanto, o ponto decisivo
dessa campanha não são as atividades superestruturais. É
necessário construir um forte calendário de luta pela base
com a participação massiva de estudantes e trabalhadores
em assembléias conjuntas, atos, passeatas e outras ações
que visem criar novamente um ambiente de luta no interior da
universidade e que recoloquem condições para organizarmos
uma greve geral contra a repressão e a privatização da
universidade. Esse será o primeiro grande desafio que o
movimento enfrentará neste semestre, e pelo que tudo
indica, a “nova” direção do DCE não será capaz de
passar por este desafio. Mas, mais uma vez, como em momentos
anteriores, os estudantes e as organizações combativas
saberão se colocarem à frente da luta.
[1] O MES é uma corrente ligada ao Movimento Socialista dos Trabalhadores
(MST) que atua na Argentina e a outras organizações
que se caracterizam pelo abandono quase que completo da
política revolucionária.
[2] Entre los dias 27 e 29de marzo se realizaron las elecciones estundatiles
para...http://www.litci.org
[4] Eleições DCE–USP: burocratização e degeneração moral no
movimento estudantil. 23 de novembro de 2010.
http://www.pstu.org.br
[5]
Trotski, em “Los errores de los sectores de derecha de la Liga
Comunista sobre la cuestion sindical” determina bem
quais são os aspectos subjetivos que implicam práticas
objetivas dos oportunistas: “ uma das origens psicológicas
do oportunismo é uma espécie de impaciência
superficial, uma falta de confiança no crescimento
gradual da influência do partido, o desejo de ganhar as
massas mediante a diplomacia pessoal. Disto surge a política
de acordos de bastidores, a política de silêncio, de
encobrimento, das renúncias, do adaptar–se a
consignas alheias, e finalmente o passar–se totalmente
a posições de oportunismo” ( Trotski, L. Los errores
de los sectores de derecha de La liga comunista sobre la
cuestio sindical, pág.27 In: Sobre los sindicatos.
Ediciones Pluma, tradução livre).
[6] Entre los dias 27 e 29de marzo se realizaron las elecciones estundatiles
para...http://www.litci.org
[8] Mais de 500 votaram na “27 de outubro” que fez
uma grande campanha militante”, 3 de abril de 2012.
www. ler–qi.org.
[9] Entre los dias 27 e 29de marzo se realizaron las elecciones estundatiles
para...http://www.litci.org
[10]
Parafrásica, porque evoca algumas caracterizações de Lênin, sem
mencioná–lo, mas também sem perceber a diferença
histórica de contextos, efetivando assim, uma transposição
mecânica de conceitos. E superficial porque se apropria
de tais caracterizações sem um aprofundamento na
totalidade dos conteúdos desenvolvidos pelo autor.
[11] Como
dizia o próprio Lênin: “Sem dominarmos todos os
meios de luta podemos sofrer derrota enorme – por
vezes mesmo decisiva – se mudanças independentemente
da nossa vontade na situação das outras classes põem
na ordem do dia uma forma de ação na qual somos
particularmente fracos”. (LENIN, V.I. A
doença infantil do “esquerdismo” no comunismo,
In: Obras escolhidas de Lênin, pág.333. Editora
Progresso, Lisboa, 1979).
[12] Neste ponto, cabe lembrar
um aspecto da polêmica de Lênin com os “esquerdistas
holandeses”, de onde se pode tirar uma importante lição
sobre a hierarquia das táticas de luta: (...) “a ação
das massas – por exemplo, uma grande greve [como, por
exemplo, o PSTU podia ter almejado colaborar para a
construção no ano passado, quando era crescente o
movimento de greve] é sempre
mais importante do que a ação parlamentar, e não
apenas durante a revolução ou numa situação
revolucionária.” (LENIN, V.I. A doença infantil do
“esquerdismo” no comunismo, In: Obras escolhidas de
Lênin, pág.307. Editora Progresso, Lisboa, 1979)
[13] Entre los dias 27 e 29de marzo se realizaron las elecciones estundatiles
para...http://www.litci.org.
[14] Eleições DCE–USP: burocratização e degeneração moral no
movimento estudantil. 23 de novembro de 2010. http://www.pstu.org.br.
[15] Entre los dias 27 e 29 de marzo se realizaron las elecciones estundatiles
para...http://www.litci.org.
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