Seis
teses sobre o carácter das novas guerras de ordenamento mundial
Imperialismo
de crise
por
Robert Kurz (*)
1.
O capitalismo não é uma sessão budista e não pode ser entendido
com uma compreensão ahistórica. A lógica identitária do princípio
da valorização não causa o eterno retorno do mesmo, mas um processo
histórico irreversível com situações qualitativamente diversas. A
constelação mundial em vigor a cada dado momento apenas pode ser
explicada com base no desenvolvimento do capital mundial. De cada vez
que se esgota uma determinada fase da valorização, também as
instituições, os conceitos e as ideologias políticas que a ela se
encontram associados se tornam obsoletos. Isto tanto mais se aplica no
caso de o sistema mundial ter atingido um grau de maturidade como o
atingiu no final do século XX.
A
terceira revolução industrial, causada pela microelectrónica, começou
nos anos oitenta a colocar um limite histórico intrínseco à
valorização do trabalho vivo. O capital torna-se "incapaz de
explorar" na medida em que, à altura dos padrões de
produtividade e rentabilidade irreversíveis por ele próprio
produzidos, já não é possível uma reprodução alargada em termos
económicos reais (expansão da valorização). Esta "hiperacumulação
estrutural" do capital mundial conduz, nas metrópoles, devido à
aplicação da microelectrónica, a um desemprego estrutural, a
capacidades excedentárias à escala mundial e à fuga do capital
monetário para a superestrutura financeira (conjuntura das bolhas
financeiras). Na periferia, a falta de pujança económica impede o
reequipamento microelectrónico; mas isso apenas conduz a um colapso
tanto mais rápido de economias nacionais e regiões mundiais inteiras,
porque estas ficam tão aquém dos padrões da lógica do capital que
a sua reprodução social é declarada "nula" pelo mercado
mundial.
Em
consequência disso produz-se uma corrida à redução dos custos e
aos fechos de empresas. A globalização não é outra coisa senão
uma racionalização transnacional e, nessa medida, realmente tem algo
de qualitativamente novo. A tradicional exportação de capitais sob a
forma de investimentos de ampliação no estrangeiro segundo o sistema
Lego é substituída pelo outsourcing de funções da economia
empresarial a fim de se aproveitar as diferenças de custos a nível
global. Assim nascem, por um lado, cadeias transnacionais de criação
de riqueza, ao passo que, por outro lado e ao mesmo tempo, partes
crescentes da reprodução social vão secando e morrendo. Este
processo é encimado e controlado pelo igualmente globalizado capital
das bolhas financeiras.
No
entanto, a velha distância entre as metrópoles e a periferia também
se mantém nas condições de crise da globalização; agora, já não
sob a forma da distância no grau do desenvolvimento capitalista, mas
como a distância no grau da decomposição social. A criação
transnacional de riqueza adensa-se nos espaços da "tríade"
(EUA/América do Norte, União Europeia, Japão/Sudeste asiático), ao
passo que vai ficando cada vez mais rarefeita no resto do mundo. No
decurso deste processo, a dinâmica da globalização nos moldes da
economia empresarial no contexto dos mercados financeiros
transnacionais rebenta os espaços regulativos das economias nacionais.
O
estado nas metrópoles não desaparece, mas deixa de ser o
"capitalista global ideal" no sentido clássico. Como,
contrariamente à economia empresarial, não se pode dispersar a nível
transnacional, ele perde uma função regulativa após a outra e
converte-se numa administração meramente repressiva da crise. Mas não
se trata apenas de uma degradação social de partes crescentes da
sociedade mas, ao mesmo tempo, o capital também destrui
involuntariamente toda uma série das suas próprias condições de
enquadramento e existência. Isso manifesta-se, não em último lugar,
numa contradição de qualidade nova entre a valorização
transnacional do capital e a forma nacional do dinheiro (moeda).
Na
periferia, juntamente com a maior parte da reprodução capitalista,
os aparelhos de estado dissolvem-se numa medida muito maior. Os serviços
públicos desaparecem quase por completo, a administração capitula,
os aparelhos repressivos asselvajam-se. O que resta são apenas
pequenas ilhas da produtividade e da rentabilidade imersas num oceano
de desorganização e miséria. Qualquer desenvolvimento económico
nacional pára, as grandes empresas globais abotoam-se com esses
sectores insulares para os transformar em partes integrantes da sua
economia empresarial transnacional. Em paralelo nasce uma economia de
saque em que é esventrada a substância física da economia nacional
desmoronada e onde grupos da população, segundo critérios étnicos
ou religiosos, caem uns em cima dos outros numa continuação da
concorrência por outros meios. Às instituições estatais substituem-se
grupos rapinantes. Uma grande parte das elites transforma-se na
liderança de bandidos étnicos ou religiosos e milícias de clã, em
senhores da guerra e príncipes do terror.
Esta
situação constitui apenas um estádio de transição da crise
mundial no limite histórico do processo de valorização. Para já, a
economia de saque ainda pode ligar-se ao mercado mundial e fazer
passar o esventramento das ruínas económicas pela continuação do
processo de valorização, tal como também acontece nos centros com o
sempre novo enfunar das bolhas financeiras. Mas ambos estes fenómenos
se aproximam da exaustão total.
2.
Perante este pano de fundo, o imperialismo clássico passou à história.
Tal como, por um lado, a economia empresarial já não pode ser
formada e regulada a nível nacional, assim, por outro lado a sujeição
e incorporação de massas populacionais inúteis para o capitalismo
deixa de fazer sentido. A forma territorial do domínio e da expansão
tornaram-se obsoletas. As "hands", na sua maioria global,
deixaram de ter uso, mas sem conseguirem sair da lógica capitalista
que, enquanto socialização negativa do mundo, é mantida de pé a
todo o custo.
Já
na história do pós-guerra, a concorrência entre as velhas potências
expansivas (sobretudo europeias) tinha sido substituída pela concorrência
bipolar entre as superpotências EUA e URSS. Nesse âmbito, o que era
decisivo já não era a luta por zonas de influência nacionais, mas a
questão pelos princípios regulativos e modalidades da reprodução
capitalista. Tratava-se da concorrência entre os neófitos históricos
no mercado mundial, das sociedades da "modernização a
posteriori" no espaço de referência da pax soviética, e as
sociedades do centro capitalista desenvolvido no espaço de referência
da pax americana. Os EUA já nessa altura se tinham afirmado como a única
potência a liderar o Ocidente com base em recursos continentais e no
maior mercado interno do mundo, puxados de um modo inigualável pela
dinâmica do seu complexo militar e industrial desde a segunda guerra
mundial.
Depois
do colapso da União Soviética e do fim da "modernização a
posteriori" no contexto da crise da terceira revolução
industrial não há regresso aos velhos conflitos intraimperialistas
entre as potências expansionistas nacionais. Em vez disso, assistimos
à padronização planetária da pax americana, no entanto, no
contexto de um precário capitalismo minoritário caracterizado pela
economia das bolhas financeiras e de saque. É ridículo falar-se de
uma nova concorrência intraimperial entre os EUA e a RFA ou a UE. O
aparelho militar dos EUA, edificado nos tempos do boom do pós-guerra,
não tem concorrência. Ano após ano, o orçamento militar dos EUA é
mais de vinte vezes superior ao alemão. Não existem condições nem
militares, nem políticas, nem económicas para uma nova potência
concorrente.
Apesar
de uma certa retórica alusiva e alguns momentos de interesses, os EUA
não actuam em nome de uma expansão territorial nacional, mas como
uma espécie de potência protectora do imperativo da valorização e
das respectivas leis sob as condições de crise do sistema mundial.
Todos se movimentam no contexto dos processos de valorização
transnacionais e sob a pressão simultânea de uma crescente massa de
"supérfluos". Por isso, o papel dos EUA como última
superpotência monocêntrica não se explica apenas exteriormente,
pelo seu peso militar, mas também pela situação desterritorializada
que caracteriza a própria globalização. Todo o capital
transnacional, os mercados financeiros e o que resta dos aparelhos de
estado do centro depende da operacionalidade dos EUA enquanto polícia
mundial.
O
que assim se formou é um "capitalismo global ideal" sob a
liderança solitária dos EUA, prolongados pela NATO e por outras
instituições do capitalismo mundial. A imagem do inimigo claramente
não é associada aos interesses nacionais interiores ao imperialismo,
mas é de cariz democrático e referido à globalidade do império,
simbolizado pelos fantasmas de crise do sistema mundial unificado. Ao
império capitalista de estado da falhada "modernização a
posteriori" substituiu-se, como novo "império do mal",
um difuso complexo de potenciais perturbadores, terrorismos étnicos e
religiosos, situações anómicas etc.
O
"capitalismo global ideal" actua essencialmente como um
imperialismo securitário e exclusionista do centro democrático e
capitalista contra as situações de crise criados pelo próprio
capital, sem jamais poder pôr-lhes cobro. Pretende-se a criação de
segurança a fim de se garantir o funcionamento regular das transacções
capitalistas até às precárias ilhas de valorização da periferia.
Disso faz parte, como um dos pressupostos principais, que fique
salvaguardado o abastecimento de combustível para a máquina do mundo
capitalista. No entanto, também aqui não se trata de interesses
ligados ao petróleo de cariz especificamente nacional, mas do
processo da valorização transnacional. Muito mais se encontra fora
do âmbito das pretensões de poder territorial o comum interesse
exclusionista do centro face aos movimentos globais de fuga e migração
vindos das regiões em derrocada da periferia.
3.
As contradições no âmbito do imperialismo global democrático (tais
como a presente disputa entre a RFA, a França, a Bélgica etc., por
um lado, e a potência hegemónica dos USA, por outro) são apenas de
segunda ordem. Deduzir daí a lógica de um novo grande conflito
intraimperial segundo o padrão da era das guerras mundiais seria
aproximadamente tão inteligente como por exemplo a tentativa de fazer
das diferenças entre a Alemanha nazi e a Espanha franquista (que,
como é sabido, não se imiscuiu na segunda guerra mundial) o "verdadeiro"
conflito desse época.
Não
é uma relação concorrencial segundo o padrão antigo que domina as
presentes disputas intraimperiais mas, sim, o receio de alguns
governos subalternos de consequências que possam deixar de ser
controláveis. A NATO e os estados restantes diferenciam-se em
vassalos devotos e hesitantes, sem que estes últimos sejam capazes
de, ou sequer queiram, passar à rebelião aberta contra os EUA. A
hesitação deve-se antes ao receio dos que não têm o dedo no
gatilho, ao passo que os voluntariosos são os que mais nada têm a
perder, tal como também nada têm a dizer.
Enquanto
que, até à data, incluindo a intervenção no Afeganistão, não se
levantou qualquer oposição às guerras de ordenamento mundial sob a
égide dos EUA e o governo alemão vermelho e verde tinha enviado as
suas tropas auxiliares germânicas para o campo de batalha munidas de
uma ideologia democrateira, agora o golpe preventivo anunciado contra
o Iraque desperta preocupações por serem abertamente desrespeitados
o direito internacional, a ONU e a soberania - as garantias da tão
invocada comunidade dos estados e dos "povos". A RFA, a França
e companhia são assaltados pelo receio de que num futuro próximo
poderiam ser alvo de um tratamento similar e a construção legitimatória
válida até a data poderia ir à vida.
O
facto de os EUA maltratarem com esta rudeza as regras do jogo do mundo
político capitalista que eles próprios instauraram após 1945
decorre formalmente da contradição interior entre a constituição
nacional da última potência mundial por um lado, e a sua "missão"
transnacional como potência protectora do processo de valorização
globalizado por outro. No entanto o motivo mais profundo, que se
prende com o conteúdo, é que se tornou obsoleto o próprio princípio
da soberania que consiste justamente em reunir populações
territorialmente como "força do trabalho global". Até os
estados do centro, incluindo os próprios EUA, através da "privatização"
que vai até ao aparelho de violência vão cedendo cada vez mais funções
internas da soberania. Agora, ao declararem, também na relação
externa, nula a soberania dos "estados patifes" os EUA
limitam-se a executar a crise mundial no plano politico-jurídico,
onde se anuncia, de um modo geral, o fim de todas as relações
contratuais burguesas (e, a prazo, também o fim da soberania dos próprios
EUA). A resistência conservadora de uma parte do mundo político
europeu contra este desenvolvimento está votada ao fracasso. Neste âmbito
também podem ter alguma importância os velhos ressentimentos
antiamericanos, mas esta já não é decisiva.
4.
O problema da polícia mundial do império global consiste no
facto de apenas poder actuar ao nível da soberania que ela, por outro
lado, tem de se encarregar de destruir. O mesmo também se aplica aos
sistemas de armamento de alta tecnologia que estão concebidos para
conflitos territoriais clássicos. Os fantasmas da crise, potenciais
perturbadores, bandos terroristas etc. com eles não podem ser
atingidos, porque eles próprios actuam a coberto da globalização. A
Al-Quaeda encontra-se estruturada à imagem e semelhança de uma
grande empresa transnacional. A superioridade militar torna-se inútil,
a "guerra contra o terror", um tiro no escuro. Ao mesmo
tempo, com o fim da conjuntura das bolhas financeiras, paira a ameaça
de uma grave crise sobre o centro capitalista e, em especial, sobre o
seu coração que é a própria economia dos EUA, o que teria por
consequência uma grave depressão mundial. Isso também colocaria em
xeque a capacidade de financiamento ulterior do aparelho de violência
da última potência mundial.
É
por isso que a administração dos EUA voltou da "guerra contra o
terror" para o paradigma dos "estados patifes". O golpe
preventivo contra o Iraque sinaliza uma dupla fuga para a frente. Por
um lado, a intenção é a de "vencer" a ruína da soberania
iraquiana com o seu exausto exército como inimigo fácil de cariz clássico
estatal e territorial para mostrar ao mundo quem manda. Por outro
lado, existe o intuito de amortecer a iminente quebra económica
deitando mão directamente aos campos petrolíferos do Iraque (e
talvez também da Arábia Saudita) e destruindo a OPEP. O que está em
causa é menos o fluxo material do petróleo, que estaria garantido
mesmo sem a intervenção militar, mas a salvação dos mercados
financeiros no curto prazo. Os retornos das bolhas financeiras, em
vias de secar, têm de ser renovados, e isso é impossível sem uma
"opção de futuro" para uma nova prosperidade secular.
Depois de, neste aspecto, a opção do "século do Pacífico"
ter saído furada com o colapso do modelo japonês e do Sudeste asiático,
tal como a nova economia do capitalismo da internet e das telecom,
agora a mais recente opção destina-se a trazer "petróleo a preços
anteriores à OPEP" sob o controlo directo dos EUA.
Mas
o tiro também poderia sair perla culatra. Embora o exército
iraquiano não seja um adversário sério, uma possível batalha
urbana pelo domínio de Bagdade e de outros centros com grandes números
de vítimas, grandes destruições e milhões de refugiados
desacreditariam os EUA moralmente em todo o mundo. Sobretudo, porém,
com toda a certeza não poderá ser instalado um regime estável;
Milosevic e Saddam representam, de qualquer modo, modelos de fim de
linha da soberania. Uma administração militar do Iraque e de toda a
região petrolífera, em confronto constante com a guerrilha e o
terror, no entanto nem poderia ser paga, nem aguentada nos planos político
e militar e, para além do mais, seria tudo menos um sinal euforizante
para os mercados financeiros. A "vitória" sobre o Iraque
tornar-se-á inevitavelmente uma vitória de Pirro que apenas pode
agudizar a crise global do sistema mundial.
5.
No entanto, o que está em causa não é apenas a racionalidade
aparente de determinados "interesses" que desde sempre se
encontram subordinados ao fim-em-si irracional do princípio da
valorização. O vulgar materialismo dos interesses não identifica a
metafísica real do capital como uma religião secularizada cuja
irracionalidade, nas franjas do sistema, se sobrepõe aos interesses
racionais do interior. O imperativo da valorização, indiferente face
a todos os conteúdos sensíveis, acaba por exigir a dissolução do
mundo físico na vazia abstracção formal do valor, ou seja, a sua
aniquilação. Nesta medida pode falar-se de uma pulsão de morte a
bem dizer gnóstica do capital, que se manifesta tanto na lógica
destrutiva da economia empresarial como nos potenciais de violência
inerentes à concorrência. Como as contradições já não podem ser
resolvidas num novo modelo de acumulação, esta pulsão de morte
manifesta-se hoje de forma imediata e à escala global.
A
autopreservação do sistema a qualquer preço degenera na autodestruição
dos seus actores. Assassinos em amoque, seitas suicidárias e autores
de atentados suicidas executam a loucura objectiva numa medida nunca
antes vista como uma reacção à crise desprovida de qualquer
perspectiva. Estreitamente associado a isso encontra-se a síndroma do
antisemitismo como último recurso ideológico de crise da forma do
sujeito capitalista, que volta a fazer-se sentir e que já não se
concentra numa determinada história de constituição nacional e
imperial (como a alemã e austríaca no passado) inundando antes o
mundo em difusas amálgamas pós-modernas e pós-nacionais de uma
proveniência mormente religiosa.
Uma
vez que a racionalidade interior capitalista do sujeito iluminista
burguês não se pode apresentar em um novo modelo de acumulação,
ela também já não constitui uma potência imanente contra a pulsão
de morte sistémica mas converte-se ela própria de forma imediata em
um momento dessa irracionalidade. O Iluminismo, o Contra-Iluminismo, a
razão e a loucura, a democracia e a ditadura vão dar ao mesmo. O
imperialismo global democrático não consegue pacificar o seu próprio
mundo em crise, convertendo-se num "amoque global ideal",
que vai até ao uso de armas nucleares contra zonas de insegurança,
os intocáveis fantasmas da crise e as massas dos "supérfluos",
como a administração dos EUA já ameaçou abertamente.
6.
Já não existe uma alternativa imanente. Mas como a esquerda não
conhece outra coisa senão a ocupação de alternativas imanentes no
solo da ontologia e da história do desenvolvimento capitalista, ela
refugia-se em grande parte no passado e entretém uma absurda disputa
sobre se estamos em 1914 ou em 1941. Ambas estas facções ficaram
intelectualmente retidas na época de um capital formado em economias
nacionais e de potências expansivas nacionais e imperiais. No que diz
respeito à teoria da crise e, de um modo geral, quanto à crítica da
economia política, ambas são analfabetas, e ambas se agarram à
racionalidade interior capitalista do sujeito iluminista burguês.
Os
nostálgicos de 1914 e os adeptos da múmia de Lenine invoca o
fantasma de uma aliança "anti-imperialista" dos opositores
da guerra de esquerda nas metrópoles com os "soberanistas"
e os "povos" do terceiro mundo que precisam de defender a
sua independência burguesa contra o imperialismo dos EUA, da RFA ou
da UE. Os nostálgicos de 1941, pelo contrário, deliram com a visão
de uma coligação "contra Hitler" liderada pelas
"boas" potências ocidentais contra o "fascismo islâmico"
e os seus cúmplices alemães em protecção de Israel e "da
civilização".
No
entanto, o regime de Saddam não serve nem para fazer de império nazi
que ameaça o mundo, nem para esperança da força do desenvolvimento
nacional, e Bin Laden não é nem Hitler, nem Che Guevara. O estado
palestiniano desmorona-se ainda antes da sua fundação porque a
soberania de estado já não constitui uma opção emancipatória;
inversamente, a barbárie da intifada e dos atentados suicidas não
pode ser equiparada à aniquilação fabril dos judeus em Auschwitz.
Os falsos amigos do terceiro mundo subsumem Israel ao imperialismo e
ignoram a sua qualidade essencial como resultado do antisemitismo
global; os falsos amigos de Israel exaltam as forças reaccionárias e
ultra-religiosas responsáveis pelo assassínio de Rabin e deixam-se
cair, eles próprios, numa agitação racista primária. Uns negam
Israel como local de refúgio, os outros ignoram o facto da sua existência
estar a ser posta em causa mais pela sua própria barbárie de crise
interna do que por ameaças militares externas.
Os
mortos-vivos de 1914 aceitam a barbarização nacionalista e
antisemita, culturalista e anti-americana, da "luta de classes"
e do "anti-imperialismo". Os mortos-vivos de 1941 sacrificam
toda e qualquer crítica da imperial guerra de ordenamento mundial,
denunciam impávidos e serenos a acossada oposição israelita, assim
como a oposição de esquerda dos EUA, e transformam a necessária crítica
do antisemitismo e do anti-sionismo na legitimação do terror
bombista democrático. O que é necessário, em vez de tudo isso, é
uma oposição radical à guerra que encare de frente a verdadeira
situação no mundo e desenvolva uma crítica categorial da
Modernidade capitalista que vá além da errónea imanência de
alternativas aparentes que já apenas representam formas diversas da
mesma barbárie de crise cosmopolita.
*
Robert Kurz, nascido em 1943, desde há 35 anos activo na esquerda
radical, é redactor e co-editor da revista teórica "Krisis".
O se último livro publicado chama-se A guerra de ordenamento mundial.
O fim da soberania e as mutações do imperialismo na era da globalização
(Horlemann, Bad Honnef 2003). As teses acima resumem alguns dos
pensamentos fundamentais deste livro.
Texto
no site da Revista Streifzuëge (Viena)
http://www.widerspruch.at/streifzuege/
Março
de 2003
|
|