Brasil bajo Lula

 

MST vai continuar a pressionar governo, anuncia Stédile

Agência Senado online, 02/04/04

A pedido do relator da Comissão Parlamentar Mista (CPMI) da Terra, deputado João Alfredo (PT-CE), o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, analisou a política de reforma agrária do governo nos últimos anos e afirmou que vai continuar a pressionar o governo para que seja atingida a meta de assentar 400 mil famílias até o final de 2006.

Ele narrou que o MST fez um acordo político com o governo em novembro do ano passado que definiu a meta. Porém, no ano passado, informou, apenas 14 mil famílias foram assentadas em áreas já desapropriadas pelo governo anterior e este ano, mais 7 mil.

- Como vamos atingir a meta? Não vamos conseguir. O MST tem claro que seu papel é mobilizar e organizar o povo. As mudanças só acontecem quando o povo se organiza, é um direito constitucional. Para cumprir a meta, que é uma promessa, o papel do MST é acampar 400 mil famílias e o do governo é assentar 400 mil - resumiu.

Stédile analisou que a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma vitória política da reforma agrária e reafirmou que confia no presidente. Entretanto, reconheceu que o governo enfrenta muitas dificuldades para fazer a reforma agrária na atual conjuntura, já que o Instituto Nacional do Colonização e Reforma Agrária (Incra) está desaparelhado e não tem condições de realizar sua função em nome da sociedade.

- O governo tem que tratar a reforma agrária como política de Estado, fazer um mutirão dos organismos públicos, para dar crédito rural e assistência técnica - declarou.

Governo FHC

Apesar de o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso fazer propaganda de que assentou 500 mil famílias, Stédile informou que estudo da Universidade de São Paulo encontrou 358 mil famílias assentadas no período, 67% das quais na Amazônia Legal. Assentamentos na fronteira agrícola, analisou, estão distantes "do mercado, do Estado e até de Deus".

Como resultado, o abandono das famílias levou a um alto índice de fracasso de alguns assentamentos, que chegou a 40% no Pará, onde as famílias estavam expostas à malária. Segundo ele, o governo anterior somente cedeu a partir do massacre de Eldorado dos Carajás, que teve repercussão externa, apontando para o aumento da pobreza no campo, que poderia levar a grandes conflitos.

- Não adianta jogar o pobre em cima da terra no afã de produzir estatísticas, como estratégia para se livrar do pobre. O MST é contra assentamentos na Amazônia, onde não tem estrada, a família não tem para quem vender e, se fica doente, não tem para onde ir - declarou Stédile, para quem há terra suficiente fora da Amazônia para assentar os sem-terra.

Ele analisou que os assentamentos mais bem-sucedidos, com infra-estrutura de serviços públicos, geralmente são feitos pelos governos estaduais, que são mais sensíveis às pressões populares.

- Em todos os assentamentos tem escola e todas as crianças estão na escola. Brigamos por escola como brigamos por terra - afirmou.

Reforma agrária que o MST quer é possível com leis em vigor, afirma Stédile

No depoimento que prestou à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada para investigar a estrutura fundiária brasileira, tanto no campo quanto nas cidades, e a origem dos conflitos de terra no país, a CPMI da Terra, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, declarou que a legislação existente é suficiente para que o Brasil promova uma reforma agrária capaz de absorver os 23 milhões de trabalhadores sem terra no país.

O texto da Constituição de 1988, afirmou, permite que o problema da concentração fundiária seja enfrentado, pois determina que a grande propriedade rural que não cumprir sua função social deve ser desapropriada, o proprietário, indenizado e a terra, distribuída para gerar renda.

Segundo ele, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou, com base em cadastro de 2003, que existem 54.781 mil imóveis (cerca de 1% do total) classificados como grande propriedade improdutiva, passível de desapropriação, totalizando mais de 120 milhões de hectares.

- Aplicando a Constituição, seria possível assentar todas as famílias sem terra e sobraria muita terra. A concentração da terra é a razão porque os conflitos de terra estão aumentando. Enquanto houver propriedades que não estão produzindo, que estão escondendo a terra da sociedade e essa polarização, obviamente haverá conflito - analisou.

Depois de fazer um relato do processo histórico que levou à grande concentração da terra no Brasil, que vem se agravando, Stédile esclareceu que o objetivo fundamental do MST é combater a pobreza e a desigualdade social. A melhor maneira de chegar a essa finalidade, afirmou, é a democratização da terra, que passa pela eliminação do latifúndio.

- Não nos conformamos de viver num país com tanta riqueza e ainda existirem tantos pobres e tanta desigualdade social - declarou.

Especificamente, Stédile disse que o MST defende a Carta da Terra, que contém propostas para que o país realize uma reforma agrária casada com um modelo agrícola que valorize o mercado interno e que produza alimentos para retirar o povo da pobreza. Esse modelo, explicou, exige mudanças na política econômica de distribuição de renda, com aumento do salário mínimo, geração de trabalho e ampliação do número de consumidores.

O primeiro passo nesse sentido, afirmou o coordenador do MST, é a distribuição de terra, o que não representaria riscos à propriedade privada. Para isso, ele também identificou que é necessário reaparelhar o Incra.

O fato de um bem da natureza, que deveria ser utilizado por todos, ser monopolizado por uma parcela minoritária da nossa sociedade, acaba gerando distorções econômicas, sociais e políticas em toda a sociedade, com influência nos graus de pobreza e desigualdade. A sociedade foi construída sobre uma base injusta em que as pessoas não tem os mesmos direitos e oportunidades, de trabalho, terra, moradia e educação. Essa não é uma sociedade democrática, segundo a Revolução Francesa. Essa realidade impede que milhões de brasileiros se transformem em cidadãos; impede que nossa sociedade tenha pessoas iguais, fazendo com que muitos sejam párias - avaliou.

Stédile: MST não é contra a biotecnología

No Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não é contra a biotecnologia, declarou o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, em resposta ao relator da comissão, deputado João Alfredo (PT-CE).

Ele analisou que, na conjuntura atual do agronegócio no Brasil e no mundo globalizado, os transgênicos são monopolizados por multinacionais que se utilizam da Lei de Patentes para garantir, por exemplo, a exclusividade da comercialização de sementes de soja.

- Quem defende os transgênicos vai se transformar em refém das multinacionais. Se a soja transgênica não tivesse o monopólio da Monsanto [multinacional do setor de pesquisa agrícola], por que a empresa faria tanta propaganda? - questionou.

Ele disse esperar que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) continue pesquisando até encontrar transgenias que não representem perigo nem para a saúde do consumidor nem para o meio ambiente. Por meio da estatal, afirmou Stédile, não seria retirada autonomia aos agricultores na produção.

- Sem essa condição, limita-se a possibilidade de criação de empregos no campo, já que a matriz do capitalismo avançado é concentradora e gera menos postos de trabalho. A reforma agrária é a melhor forma de enfrentar o desemprego - declarou.

Contrário à violência, Stédile afirma que direita tenta criminalizar o MST

O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, acusou a imprensa e a direita de manipular suas declarações, retirando-as de contexto para que seja dado um caráter criminoso ao MST.

- Somos contra o uso da violência para resolver problemas sociais. Nossa força vem do número de famílias que conseguimos organizar. Quanto mais pobres estiverem organizados, mais pacífica será a mudança. Temos consciência que em situações de violência somente nós pagamos o pato. As mortes, são mortes do nosso lado - declarou.

A manifestação de Stédile se seguiu ao pedido do presidente da comissão, senador Alvaro Dias (PSDB-PR), que, ao abrir a reunião, solicitou que Stédile, em sua exposição, explicasse declarações recentes de que os movimentos sociais deveriam promover um "abril vermelho", em que o país "vai pegar fogo".

- Essas expressões fortes são um grito de guerra ou apenas um desabafo, um protesto, uma manifestação de indignação diante da paralisia do processo de reforma agrária no país? Essa é a posição institucional do MST? - perguntou Alvaro Dias.

O senador leu ainda declaração de Stédile de julho de 2003 reproduzida pela imprensa em que o líder dizia: "A luta camponesa abriga 23 milhões de pessoas. Do outro lado há 27 mil fazendeiros. Será que mil perdem para um? É muito difícil. Não vamos dormir até acabar com eles".

Stédile afirmou que as suas declarações sempre foram maldosamente manipuladas pela "imprensa burguesa". As "publicações direitistas", afirmou, dizem que o MST é revolucionário, radical e que só quer a violência.

O líder do MST explicou que no ano passado fez uma exposição sobre a concentração da terra no Brasil em que demonstrou que há 10 milhões de pequenos proprietários no Brasil e que 23 mil fazendeiros têm mais de 120 milhões de hectares. A palavra "acabar" ou "eliminar", afirmou, se referia à desigualdade exagerada que faz com que milhões de brasileiros não tenham cidadania.

- Por sorte temos a Constituição que diz que o latifúndio tem que ser exterminado. Não sou eu quem diz isso. Esse era o sentido da palavra eliminar. Isso foi distorcido como se eu tivesse declarado uma guerra mundial - disse Stédile.

Ele também comentou as declarações feitas este ano, em uma reunião em Campo Grande (MS) para preparar a mobilização da Coordenação dos Movimentos Sociais para a passagem do Dia do Trabalho (1º de maio).

- "Vamos infernizar", foi uma frase infeliz. O objetivo era pressionar, azucrinar. Ibéricos, somos generosos no uso do idioma e as palavras às vezes têm conotações exageradas. O "abril vermelho" quer dizer que vamos ter que recuperar nossas bandeiras vermelhas e construir um grande mobilização contra o desemprego - afirmou.

Favorável ao Estatuto do Desarmamento, Stédile informou que o MST orienta os militantes a não andarem armados.

- Nossa força não está na armas, está na luta política - disse.

UDR fará contraponto a depoimento de Stédile

Durante a audiência da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra com o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, o presidente da comissão, senador Alvaro Dias (PSDB-PR), anunciou que o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, será ouvido pela CPMI no dia 13 de abril, como forma de "fazer um contraponto" ao que disse Stédile. "Precisamos ouvir todos os lados envolvidos nessa questão", disse Alvaro Dias.

O relator da comissão, deputado João Alfredo (PT-CE), disse que o objetivo é oferecer um amplo diagnóstico da estrutura fundiária brasileira e oferecer propostas para superar os conflitos no campo. Ouvir Stédile, na opinião do deputado, é importante porque existem diferentes juízos de valor sobre a atuação do MST no Brasil, que tem a ocupação de terras como uma de suas táticas.

- As ocupações poderiam ser caracterizadas como criminosas ou são fruto de necessidade? Como a justiça tem tratado essa questão? - questionou o relator a Stédile.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que foi chamado por Stédile de senador-militante nº 1 do MST, lembrou que Celso Furtado e Darcy Ribeiro destacaram a "extraordinária relevância" do MST no combate à pobreza e às grandes desigualdades do país. Na opinião de Suplicy, a causa do MST ganharia maior respaldo da população brasileira com manifestações pacíficas, como a marcha a Brasília, realizada em 1997.

Suplicy esclareceu ainda que compreende que as ações de ocupação do MST servem para demonstrar como a terra é usada contra o interesse social no Brasil. Pela sua atuação, o senador informou que o MST foi premiado na Bélgica como um dos movimentos sociais da maior importância no mundo.

Stédile explica que coordenação nacional não controla ocupações

O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, explicou que, por conta da estrutura descentralizada do MST, a coordenação nacional não tem ingerência nas decisões das famílias de ocuparem terras em diferentes regiões do país.

- A estrutura do MST não é vertical, nem centralizada, nem tem hierarquia. Podemos [a coordenação nacional] até entender que determinado momento não seria hora para uma manifestação ou uma ocupação. Mas as instâncias nacionais não têm poder de interferir - explicou.

Por organizar atos de grande repercussão e visibilidade no país, Stédile disse que muitos pensam que o MST é uma "superorganização" com uma estrutura de poder vertical, mas isso não é verdade.

- Aprendemos das organizações de camponeses que nos antecederam, algumas organizadas pela Igreja Católica, que um movimento social só mantém sua autenticidade e seus objetivos com métodos de organização - afirmou.

Ele registrou que as ocupações não são novidade, pois se tratam de um método de pressão usado como forma de acelerar o processo de reforma agrária adotado desde a década de 60 pelas ligas camponesas. Para participar de uma ocupação, Stédile explicou que a pessoa tem que tomar essa decisão e levar consigo toda a família, que tem a responsabilidade de levar a sua lona e a sua comida.

- Ninguém vai porque alguém mandou. Não é necessário dinheiro para fazer ocupação. É preciso consciência - informou.

Do ponto de vista jurídico, apesar de apontar que setores conservadores da sociedade querem que as ocupações sejam consideradas ilegais, Stédile relatou que diversos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outros tribunais trazem o entendimento de que as ocupações não se tratam de "esbulho concessório", ou seja, de espoliação de terras, e, por isso, a ocupação não é crime que deva ser tratado pelo Código Penal.

- Por isso continuamos a fazer ocupações. São uma forma de dar visibilidade e acelerar desapropriações - declarou Stédile.

Para que as ocupações diminuam, Stédile disse que a solução "é só distribuir a terra". Sem isso, ele afirmou que não resta outra alternativa ao MST. Como exemplo de que as ações oficiais não oferecem resultados aos sem-terra, ele lembrou que os trabalhadores atenderam a apelo do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, para se cadastrarem nas agências dos Correios.

- Oitocentas e cinqüenta mil famílias se cadastraram em três anos. Quantas famílias desse cadastro foram assentadas? Nem uma. É claro que a pessoa que pensa diz: isso aí é uma enrolação. É preciso debater o porquê de a reforma agrária estar parada. Por isso fazemos a ocupação - avaliou.

Stédile pediu ainda a rápida aprovação do projeto de lei que torna mais severa a punição de quem patrocina o trabalho escravo, que está em discussão no Senado.

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