Brasil bajo Lula

 

El 15 de noviembre de 1889 es una fecha fundamental de la historia de Brasil. Marca la caída del Imperio y la instauración de la República. Mario Maestri, historiador brasileño, analiza este hecho histórico, sus significados y consecuencias que llegan hasta hoy. (SoB)

A contra-revolução republicana

Por Mário Maestri (*)
La Insignia, novembro de 2004

A América lusitana foi um mosaico de regiões semi autônomas, de costas voltadas umas para as outras e de frente para a Europa e para a África. As fazendas regionais produziam mercadorias que eram exportavam pelos portos da costa. Todo export-import colonial passava por Portugal. Os mercados internos quase inexistiam. Os limitados meios de transporte e a política administrativa reforçavam os particularismos regionais. Os senhores americanos controlavam o essencial do poder regional e viviam em situação de associação subordinada com as elites metropolitanas. Eles sentiam-se membros do império lusitano e desconheciam sentimentos nacionais.

O desenvolvimento da produção manufatureira européia exigiu o fim do império colonial ibérico. Desgostosos com parasitarismo metropolitano, os grandes proprietários americanos sonhavam com a autonomia de suas respectivas regiões. As elites anglo americanas independizaram-se por primeiro, criando uma confederação que garantiu a autonomia dos Estados membros e facilitou a luta contra a Inglaterra e a submissão da população livre-pobre e escravizada. Nenhum ideário unitarista sobrepôs-se às tendências centrífugas dos blocos geoeconômicos hispano-americanos.

Durante a luta anti-holandesa, em 1645-54, e a Guerra dos Mascates, em 1711, os senhores-de-enegenho discutiram a independência de Pernambuco. Em 1789, os inconfidentes queriam apenas a liberdade das Gerais. Em 1817, a Revolução Pernambucana foi também separatista. Nas províncias luso-americanas atuavam as mesmas forças que explodiram a América espanhola em diversas nações. Porém, elas emergiram da Independência como um Estado unitário, centralizado e autoritário. A historiografia tradicional explica ingenuamente o unitarismo nacional como produto da intervenção de dom Pedro I e José Bonifácio.

A vinda da família real para o Rio de Janeiro e a liberdade de comércio puseram fim ao regime colonial. Porém, as províncias do Brasil continuaram exploradas e governadas autocraticamente desde a Corte distante, localizada no Rio de Janeiro. Em 1820, o projeto da burguesia comercial lusitana de recolonização do Brasil precipitou a decisão sobre a autonomia da antiga colônia portuguesa.

No Brasil, as classes proprietárias regionais desejavam pôr fim ao governo autocrático lusitano, nacionalizar o comércio monopolizado pelos portugueses e resistir às pressões inglesas pelo fim do tráfico. Elas defendiam soluções unitaristas, federalistas, monárquicas ou republicanas. No Norte, Nordeste, Centro-Sul e no Sul eram fortes as tendências independistas. Tudo sugeria que o Reino do Brasil explodiria em diversas repúblicas.

Independência negreira

Um grande problema angustiava os grandes proprietários de todo o Brasil. Era necessário realizar a independência sem comprometer a escravidão. A explosão do Brasil em repúblicas independentes causaria duros combates internos e com Portugal. Os choques militares colocariam em perigo a submissão dos cativos e dificultariam a defesa do tráfico. A guerra levaria ao alistamento e à fuga de cativos, como ocorrera quando da luta anti-holandeses. Havia o recente exemplo premonitório do Haiti. Os Estados que abolissem a escravidão acolheriam cativos fugidos. As pequenas nações negreiras vergariam-se ao abolicionismo britânico do tráfico.

O Estado monárquico, autoritário e centralizador foi partejado e embalado pelos interesses escravistas. A Independência deu se sob a batuta conservadora dos grandes proprietários e comerciantes de trabalhadores escravizados. O ideário republicano, separatista ou federalista - forte sobretudo entre as raquíticas classes médias regionais - foi reprimido. Os grandes proprietários brasileiros rompiam com a coroa portuguesa e com o absolutismo, mas entronizavam o herdeiro dos Braganças. Cortavam as amarras com Portugal, mas asseguravam os interesses lusitanos. Eles mantiveram-se unidos sobretudo para garantir o abastecimento e a exploração dos cativos.

Ao convocar uma assembléia constituinte, antes de 7 de setembro, Pedro I alcançou que os setores liberais e constitucionalistas transferissem a discussão sobre a organização do novo Estado para após a Independência. Em 1823, os trabalhos da primeira assembléia constituinte assinalaram as graves contradições que minavam o bloco independentista. Embalado pela reação anti-democrática européia, Pedro I reprimiu inicialmente a oposição liberal e constitucionalista e, a seguir, pôs fim à Constituinte, através do primeiro golpe de Estado do Brasil, em novembro de 1823. Em 1824, outorgaria uma constituição ao país profundamente autoritária e anti-liberal.

Através do Poder Moderador, o imperador controlava o poder judiciário, legislativo e os poderes executivos nacional e regional. As multidões de trabalhadores escravizados foram mantidos à margem da nacionalidade brasileira. A Confederação do Equador foi a primeira grande reação ao golpe de 1823. Isolado das elites regionais, que temiam o fim do tráfico, o movimento republicano pernambucano foi afogado no sangue. Dom Pedro governou apenas nove anos. Seu autoritarismo e a inabilidade levaram a que os escravistas retirassem-lhe o apoio. O imperador envolveu-se em infelizes aventuras expansionistas no Plata; negociou desastrados acordos internacionais; imiscuiu-se nas questões internas lusitanas. Sua vida privada e o apadrinhamento dos patrícios portugueses eram-lhe também fontes de descrédito.

Sofrendo o reflexo da recessão européia, o Brasil da época vivia grave crise econômica. Mais ainda, não havia produto exportável que se adaptasse ao trabalho feitorizado. Nesse contexto de decadência, o aparelho estatal acaparava as escassas rendas provinciais em favor da Corte. O que causava profunda insatisfação provincial. O marasmo da economia escravista e a vontade de obter o apoio inglês para sua política portuguesa, levaram Pedro I a tratar com a Inglaterra o fim do tráfico para 1831. A decisão desagradaria os escravistas. Com a Revolução Industrial, o Europa necessitava de bebida energizante e barata para a classe operária. A produção cafeicultora adaptava-se maravilhosamente à escravidão.

Renascimento escravista

Cafezais foram plantados nas encostas dos cerros que cercavam a Corte e, a seguir, ocuparam o vale do Paraíba fluminense. Logo que se esgotaram os cativos empregados em atividades pouco rentáveis, os negreiros reiniciaram as importações desde a África. Era inaceitável a interrupção do tráfico. Em abril de 1831, Pedro I foi deposto e partiu para o exílio. Com as rédeas do Estado nas mãos, os grandes proprietários concluíam a ruptura política e ideológica com a ex-metrópole e ocuparam-se da fundação plena da nação brasileira, na sua versão escravista excludente.

Quando da Abdicação, continuavam fortes as tendências centrífugas - liberalismo, federalismo, separatismo. O Estado unitarista e centralizador surgido em 1822 mantinha com dificuldade sua autoridade sobre imenso território transpassado por profundos singularismos sociais, históricos, lingüísticos, étnicos, etc. Os governos regenciais promoveram reformas na ordem centralizadora. O Conselho do Estado foi dissolvido e o parlamento tornou-se indissolúvel. As tropas militares estrangeiras foram dispensadas e criou-se uma Guarda Nacional, sob o controle dos grandes proprietários escravistas. Assembléias provinciais foram criadas.

A crise econômica era geral e as concessões feitas aos liberais províncias, limitadas. Os presidentes provinciais eram designados pelo governo central e não arrefecia a pressão fiscal. Em diversas regiões, eclodiram movimentos liberais, federalista e separatistas - Balaiada; Cabanagem; Revolta Farroupilha, etc. Esses movimentos não prosperaram. Eles foram traídos pelas forças senhorias regionais, quando receberam a adesão dos livres-pobres e dos trabalhadores escravizados. As elites provinciais preferiram o tacão imperial a pôr em perigo a ordem escravista.

Em 1837, a governo regencial de Pedro de Araújo Lima iniciou a reação anti-liberal e anti-federalista que abriu caminho ao Segundo Reinado. O novo governo interpretava sobretudo os ricos comerciantes de trabalhadores escravizados e os grandes plantadores do Centro-Sul e da Bahia. Ele liquidou com as tímidas arremetidas contra o tráfico ilegal e com as tentativas de resistência liberal.

Em 1840, a entronização de Pedro II pôs fim à experiência presidencialista regencial. A longa estabilidade do seu reinado deveu-se à pujança da expansão cafeicultora e à interpretação imperial das necessidades da ordem escravista. O Segundo Reinado encobriu sob um falso verniz liberal o governo despótico dos negreiros. Em 1850, a pressão inglesa obrigou o governo imperial a pôr fim ao tráfico transatlântico de trabalhadores escravizados. Ele foi substituído pelo tráfico interprovincial que alimentou a cafeicultura com cativos enviados de todo o Brasil. O fim do tráfico internacional e a concentração dos cativos no Centro-Sul determinaram que, em muitas regiões, a produção escravista se tornasse forma de produção subordinada.

Nova conjuntura

Desde o início da escravidão, os cativos haviam lutado sós contra o cativeiro. Quanto muito, vozes isoladas pediam inutilmente reformas para a instituição. A partir de 1860, os trabalhadores escravizados começaram a contar com potenciais aliados entre as classes livres que viviam à margem ou mesmo em contradição com a ordem negreira. Nos anos sessenta, o fim da Guerra da Secessão nos USA, o desenvolvimento do abolicionismo na Europa e a gênese de setores livres nacionais desvinculados do escravismo ensejaram o surgimento de um movimento, primeiro emancipacionista, mais tarde abolicionista, no Brasil.

Os cafeicultores escravistas constituíam a classe nacionalmente dominante. Através do governo pessoal de Pedro II, determinaram que qualquer reforma na instituição permanecesse assunto nacional, impedindo que o Brasil se dividisse em regiões escravistas e não-escravistas. O governo imperial serviu-se da guerra do Paraguai, em 1865-70, para postergar a reforma da instituição servil. Com o fim do confronto, empreendeu hábil manobra que neutralizou o movimento anti-escravista, nacional e internacional. Em 1871, aprovou a Lei do Ventre Livre, apresentada, a seguir, como o melhor caminho para um fim lentro, gradual e seguro da escravidão.

A partir da data da lei, os filhos de cativas nasciam livres. Porém, eles deveriam trabalhar, gratuitamente, até os 21 anos, para os proprietários de suas mães. Por mais dez anos, os negreiros exploraram seus trabalhadores, quase sem oposição. Os cativos morriam, envelheciam e eram vendidos para o Centro-Sul. Em importantes regiões, a escravidão tornou-se uma instituição agonizante. Em 1880, o movimento anti-escravista renasceu com vigor, exigindo o fim imediato da ordem negreira, sem indenização.

Em 1885, o governo imperial tentou desarmar, mais uma vez, o movimento abolicionista, com a Lei dos Sexagenários. Não alcançou porém seus objetivos. A luta pelo abolicionismo transformara-se no primeiro grande movimento democrático nacional. Abolicionistas radicais passaram a organizar fugas de trabalhadores escravizados. Por primeira vez na história do Brasil, homens livres e trabalhadores escravizados uniam suas forças. A abolição era vista como o início da regeneração nacional. A reforma eleitoral; a universalização do ensino; a democratização da propriedade da terra eram propostas discutidas pelos abolicionistas.

No Natal de 1886, fracassou o abandono maciço de fazendas paulistas pelos cativos, planejado por abolicionistas. No início de 1887, trabalhadores escravizados começaram a fugir, individualmente e em pequenos grupos, para as cidades. Logo, o movimento assumiu um caráter maciço. Com as fazendas desertadas, vendo o fim inevitável da instituição, os cafeicultores paulistas aderiram ao imigrantismo. Os fluminenses - proprietários de terras esgotadas e de muitos escravos - aferraram-se à reivindicação da abolição com indenização. Os proprietários paulistas preferiam empregar os recursos nacionais no financiamento da importação de imigrantes. A abolição da escravatura foi a única revolução social vitoriosa no Brasil.

Edifício sem fundamentos

Havia muito que as relações escravistas emperravam a expansão da área plantada e da produtividade da cafeicultura. Seu fim permitiu que centenas de milhares de imigrantes entrassem no país, atraídas pelos altos salários e pelo sonho da terra. Quando os campos e as cidades transbordaram de trabalhadores, os salários despreciaram-se. O Segundo Reinado arrancara sua força da defesa da ordem negreira. O fim do escravismo dissolvia as condições que haviam sustentado o centralismo monárquico. A defesa do tráfico e a manutenção da ordem escravista passavam das preocupações das elites para as páginas da História. Novas e mais complexas formas de produção exigiam novas e mais complexas formas de dominação.

Sem o apoio dos fazendeiros, a monarquia tentou apoiar-se em novos setores sociais. Sobretudo, tentou galvanizar a simpatia da população negra que via a princesa Isabel como a redentora e esperava que o III Reinado lhes garantisse melhores condições de existência. Para sobreviver, os Braganças metamorfoseavam-se nos defensores do povo que haviam aguilhoados por mais de três séculos.

Em junho de 1889, o gabinete liberal-reformista de Ouro Preto apresentou projeto reformista que procurava adaptar a monarquia à nova situação - voto secreto; ampliação do colégio eleitoral; liberdade de culto e ensino; autonomia provincial; etc. A pouca atenção dada às reivindicações federalistas, as propostas de democratização do acesso da terra e a vitória esmagadora dos liberais nas eleições aceleraram a conspiração republicana.

Na sua última "Fala do Trono", dom Pedro propôs a aprovação de lei que regulamentasse a "propriedade territorial" e facilitasse "a aquisição e cultura das terras devolutas", concedendo ao governo "o direito de expropriar, no interesse público, as terras que confinam com as ferrovias, desde que não sejam cultivadas pelos donos".

A proposta de reforma fundiária acelerou a conspiração monárquica, com a maciça dos conservadores ao republicanismo federalista. O golpe militar de 15 de novembro de 1889 pôs por terra edifício sem fundamentos. Nenhuma grande facção das classes dominante apoiava então a monarquia. A primeira constituição republicana sancionaria o novo reordenamento nacional. A estrutura agro-exportadora-latifundiária sustentada pelo trabalho livre permitia a reorganização federal do Estado, reivindicação das elites provinciais velha de setenta anos. O federalismo interessava aos grandes estados, que abandonavam as regiões pobres a sua sorte.

A transição ditada desde as alturas gerava uma institucionalidade profundamente elitista. O novo Estado assumia uma essência profundamente conservadora, federalista e elitista e nulamente republicana, democrática e popular. A autonomia federalista pôs fim ao movimento nacional abolicionista de refundação da nação. Quando populações nacionais levantaram-se, confusamente, contra uma ordem que compreendiam ser-lhes absolutamente madrasta - como em Canudos, no Contestado, ou na revolta dos Marinheiros, em 1910 - foram acusadas de barbárie e duramente massacradas. Para que ficasse claro que a República era coisa das elites. Realidade que se mantém imutável até os inícios desse terceiro milênio.

(*) Mário Maestri, 56, é professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF, RS. É autor de, entre outros: Uma história do Brasil. O Império. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2002.

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