Réquiem ao PT
Por Plinio de Arruda Sampaio
Jr. (*)
resistir.info, 22/02/05
Decididamente, não. Mas o processo de acomodação
do PT às exigências da ordem não ocorreu sem fortes embates dentro
do partido. Decididos a chegar ao governo a qualquer custo, os atuais
dirigentes do partido esmagaram todos os que se colocaram diante de
seu caminho. A vitória do pragmatismo desfigurou o partido. As
carreiras individuais sobrepuseram-se ao projeto coletivo. A organização
do povo, que constituía a essência da vida partidária, foi
abandonada, e o PT virou uma simples máquina eleitoral, com todos os
vícios da política burguesa.
Essa guinada à direita é ainda mais grave se
lembrarmos que o partido foi forjado nas lutas contra a opressão política
e a exploração econômica, tornando-se um importante instrumento do
povo brasileiro na sua caminhada pela construção de uma sociedade
justa e democrática.
Impulsionado por sua aguerrida militância, o PT
cresceu e se consolidou como a principal força política do Brasil,
tornando-se o grande portador do sentimento anticapitalista que brota
das terríveis contradições de uma sociedade em crise permanente. É
inaceitável, portanto, que no seu governo não haja o menor vestígio
de transformação social.
Seguindo à risca as recomendações do FMI, o
governo Lula aprofundou o neoliberalismo, transformando o Brasil num
paraíso dos grandes negócios. Sob a consigna "tudo pelo
capital, tudo para o capital", aos endinheirados o governo
oferece vantagens tangíveis: megasuperávits primários, populismo
cambial, juros estratosféricos, arrocho salarial, reforma da Previdência,
gigantescos saldos comerciais, Lei de Falências, independência do
Banco Central, Prouni, Parceria Público-Privada, liberdade para os
transgênicos, cumplicidade com os "contratos espúrios" que
sangram o erário e espoliam a população, opção preferencial pelo
agrobusiness, reforma trabalhista.
Convertido à filosofia do Banco Mundial, o
governo do PT abandonou toda veleidade de combater as desigualdades e
eliminar a pobreza. Aderindo à lógica das políticas compensatórias,
que atuam sobre os efeitos dos problemas sociais e não sobre as suas
causas, contenta-se em minorar, dentro das limitadas possibilidades orçamentárias,
o sofrimento do povo. Sob a palavra de ordem "tenham paciência e
confiem em mim", aos descamisados Lula faz promessas vãs. Sem
qualquer fundamento, ressuscita o "mito do crescimento" -- há
muito desmascarado por Celso Furtado e Florestan Fernandes. Com uma mão,
retira direitos sociais, e, com a outra, distribui fortuitamente as
migalhas da arrecadação fiscal, anunciando um punhado de programas
sociais esquálidos, mal definidos e desarticulados (Bolsa Família,
Fome Zero, Programa de Crédito Fundiário (ex-Banco da Terra), Prouni,
Farmácia Popular, etc).
A política externa, apresentada como a frente
mais ousada da administração petista, mal dissimula sua subserviência
aos cânones da ordem global. Nos fóruns internacionais, Lula faz
bravata e cobra coerência neoliberal aos países ricos. Nos
bastidores da diplomacia, em troca de um eventual assento no Conselho
de Segurança da ONU, negocia o envio de tropas ao Haiti para cumprir
o triste papel de gendarme do intervencionismo norte-americano.
A chegada de Lula ao Planalto iniciou o último
ato do desmonte. Em nome de uma suposta "razão petista de
Estado", começou um vale-tudo: alianças políticas espúrias,
massificação das filiações, acordos eleitorais com oligarquias
retrógradas e corruptas, campanhas eleitorais milionárias, atropelos
ao estatuto do partido, censura e expurgos de parlamentares, cooptação
e intimidação dos militantes, absoluta subordinação do partido aos
interesses do Planalto. Enfim, o PT completa seus 25 anos vivendo uma
grave crise de degeneração política e moral.
A ruptura com a tradição de luta em defesa dos
trabalhadores obrigou a direção a sufocar o debate democrático. É
inútil continuar lutando nas instâncias do partido. O PT é
irrecuperável. O tempo do PT acabou, mas o das transformações
sociais não. A retomada das lutas populares é mais necessária do
que nunca, pois, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nada
foi feito para enfrentar os problemas responsáveis pelas mazelas do
povo. Na realidade, o Brasil entra na terceira década de estagnação
econômica e grave crise social.
Estar livre das amarras do PT é condição
necessária para combater o ilusionismo lulista e derrotar a ofensiva
neoliberal que acelera o processo de reversão neocolonial e faz avançar
a barbárie. Estar fora do PT é condição necessária para começarmos,
em franco debate com todas as forças comprometidas com a mudança
social, a árdua tarefa de reorganizar a esquerda brasileira.
(*) 47 anos, doutor em teoria econômica,
professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). É
um dos organizadores do manifesto Momento de Ruptura , que conclama a
militância petista a abandonar o partido.
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