Para uma análise de conjuntura
Por Marcelo Badaró Mattos
www.grupopraxis.org, Agosto 2005
Não é simples realizar análises de conjuntura nestes
tempos de perplexidade e desilusão, diante da extensão do estrago
causado pelo governo do PT. Um estrago de grandes dimensões não
apenas porque demonstra que esse partido surgido das lutas da classe
trabalhadora contra a ditadura militar está irremediavelmente perdido
como instrumento da classe, desde que assumiu no governo uma lógica
contrária aos interesses desta classe. Mas, hoje principalmente
porque se instaura um senso comum de que a esquerda no governo faz o
mesmo ou pior do que a direita, vendendo–se politicamente através
da corrupção.
A perplexidade e a desilusão não nos devem paralisar,
pois os socialistas sabem que das contradições inerentes às crises
podem surgir movimentos de confrontação à ordem do capital de maior
magnitude. Para que tenhamos condição de intervir adequadamente num
contexto destes, o primeiro passo é dimensionar a crise atual, o que
não é simples, pois se trata de um processo em curso. Das denúncias
de corrupção visando atingir o PT e os partidos da base aliada,
passamos a uma crise política mais ampla, atingindo todo o sistema
partidário (já que o esquema de distribuição de recursos do "Valerioduto"
é suprapartidário e mais antigo) e caminha–se para uma crise
institucional, em que estão em questão a legitimidade dos – até
aqui dezenas – mandatos de parlamentares envolvidos, do Legislativo
em si e das relações entre Legislativo e Executivo. No entanto, não
há elementos para que avaliemos que tal crise possa abalar as bases
da dominação de classes, pois, até aqui, as forças políticas que
representam os interesses dominantes no Brasil estão sendo bem
sucedidas em evitar que tal crise atinja os fundamentos de sua dominação,
que se traduzem hoje na política econômica do governo Lula da
Silva.(1)
Sustentando o insustentável
Em meio a esse quadro, surgem duas estratégias
combinadas de defesa do governo e das figuras envolvidas no escândalo,
particularmente as vinculadas ao PT. De um lado, tentam nos vender a
idéia de que o crime que cometeram todos os que de alguma forma se
vincularam ao esquema ao redor de Marcos Valério e suas empresas foi
o crime eleitoral. Dinheiro e mais dinheiro teria circulado através
de "caixas 2" com o objetivo de cobrir gastos de campanha.
Embora só isto já configure de fato um grave atentado às nossas já
limitadas instituições democráticas e a questão do financiamento
das campanhas deva ser investigada até o fim, o fato que se tenta
encobrir com tal ênfase nos desvios eleitorais é bem mais grave:
todas as votações contrárias aos interesses dos trabalhadores
perpetradas ao longo dos últimos anos (por enquanto tratamos do
governo Lula, o que não dispensa as investigações sobre a "era
FHC") – como a contra–reforma da previdência, a lei de falências,
a liberação dos transgênicos, etc. – foram movidas à compra de
votos dos parlamentares, sendo, portanto, ilegítimas e ilegais, mesmo
do ponto de vista dos limitados controles de nosso sistema
representativo atual.
De outro lado, e complementarmente, apresenta–se a
tese de que a onda de denúncias é movida pelas "elites"
– expressão vaga do jargão petista, cunhada justamente para se
tirar de foco a dimensão de luta de classes e a precisa localização
dos interesses das classes dominantes – inconformadas com o governo
do operário Lula, buscando desestabilizá–lo, até mesmo através
de um golpe. A ficção do "golpe das elites" já foi
fartamente criticada e cabe retomar o argumento apenas para, ao
destacar sua inconsistência, tentar explicitar o sentido de classe do
governo Lula, moldura em que se desenrola a crise. Existisse de fato
uma tentativa de desestabilização de Lula a partir das
"elites", de onde ela viria? De fora, do imperialismo ianque,
ameaçando Lula tal como ameaçou e ameaça Chavez na Venezuela?
Esse argumento é insustentável. O quadro
internacional atual é marcado pelo domínio imperialista
estadunidense. Um domínio afirmado não apenas pelo caminho econômico,
mas também pela via militar, por guerras imperialistas de novo tipo,
deflagradas não por conflitos entre potências imperialistas, como no
quadro das Guerras Mundiais da primeira metade do século XX, nem pelo
conflito bi–polar, que opôs o "bloco capitalista" ao
"bloco comunista" durante a Guerra Fria.
A invasão do Iraque, dando seqüência ao movimento
iniciado com a invasão do Afeganistão, é uma guerra imperialista de
novo tipo justamente por marcar a posição estadunidense de dispensar
inclusive a construção de uma coalizão internacional legitimada
pela ONU. Trata–se de trocar sangue por petróleo, mas também de
uma afirmação do poderio imperial da potência única, detentora de
enorme poderio bélico, decorrente da dimensão gigantesca de seu
complexo industrial militar. Duas ameaças em potencial poderiam hoje
desestabilizar o projeto imperial estadunidense. Uma delas seria
recrudescimento da crise econômica capitalista de longa duração,
crise estrutural na análise de muitos. O outro, a ampliação da luta
anti–imperialista, que se manifesta na resistência iraquiana, na
resistência palestina, e no movimento anti–guerra e anti–globalização
em suas dimensões internacionais.
Neste contexto, um dos focos de resistência ao
Imperialismo estadunidense hoje surge, com todas as suas debilidades,
na América Latina. Colocando em cheque as políticas neoliberais e os
governos títeres do "grande irmão do norte" que as
executam, as sucessivas rebeliões populares dos últimos anos, na
Argentina, Bolívia, Equador e na Venezuela – as três primeiras
para defenestrar governos pró–imperialistas e a última para manter
um governo que se opõe aos interesses estadunidenses – constituíram–se
sim em ameaças aos interesses dos EUA no território que desde o fim
do século XIX seu governo tenta tratar como quintal. A resposta
estadunidense vem através de mais cerco econômico para a manutenção
do receituário ortodoxo imposto pelos organismos financeiros
internacionais e mais cerco militar, como o demonstra o recente acordo
para a instalação de mais um enclave militar estadunidense, através
de uma base no Paraguai. Por isso, para o governo Bush, é muito
importante manter, no maior país da América do Sul, um governo fiel
à ortodoxia do FMI/Banco Mundial e parceiro do Imperialismo em ações
de contenção pela América Latina, como no Haiti. Enquanto Lula da
Silva continuar a cumprir esse papel, não haverá desestabilização
imperialista contra ele.
Se não vem de fora, não viria de dentro – dos
interesses contrariados das classes dominantes locais – a
desetabilização, ou o "golpe das elites"? Trata–se de
tese ainda mais insustentável. Mesmo para os que se apegam à superfície
do debate partidário é difícil não constatar que a dita "oposição"
dos partidos conservadores, formada pelo PSDB/PFL no Congresso
Nacional, faz o que pode para equilibrar a equação – desgastar o
governo, mantendo a governabilidade. Não lhes interessa que a crise
política atinja dimensões de contestação social aberta, porque
caso isso ocorra as maiorias trabalhadoras podem ir às ruas exigir não
apenas a saída de Lula da Silva, mas o fim de sua política econômica.
Por outro lado, querem fazer crer à população que a corrupção é
coisa desse governo, e que a saída – sempre eleitoral – estará
em eleger os "éticos" do PSDB/PFL em 2006. Para tanto, o
mesmo FHC que mandou esquecerem o que escreveu, agora se recusa a
responder às acusações fundadas de corrupção no seu governo com o
argumento de que o que se passou até três anos atrás foi história
e já está enterrado.
Mesmo a alternativa de um impedimento presidencial
contido pelas regras vigentes – como no caso da substituição de
Collor por Itamar – não parece cativar essa dita "oposição",
pois o vice José Alencar, com suas constantes críticas à política
de juros altos, é visto como uma ameaça ao "mercado" e
como um candidato potencialmente imbatível se resolver alterar, ainda
que superficialmente, a atual rota da ortodoxia de Meirelles e Palloci.
Neste ponto, poderíamos avançar um pouco mais,
tentando localizar eventuais fissuras no bloco no poder, diante de
diferentes posições de representantes das classes dominantes face à
política econômica do governo. Alencar representaria os interesses
do "capital produtivo" insatisfeito com a política
recessiva de juros altos, enquanto Meirelles/Paloci seriam os
prepostos do grande capital financeiro. Há aí alguma dose de verdade,
mas não podemos nos dar ao luxo de análises simplificadoras do
quadro atual da composição de forças dominantes.
Deve–se evitar, de um lado, qualquer tipo de associação
entre "capital produtivo" e interesses nacionais, pois o
grau de internacionalização do setor secundário brasileiro é cada
vez mais elevado e o interesse maior dos empresários industriais
brasileiros nas últimas décadas foi assumidamente o de inserir–se
na nova fase da internacionalização do capital – a era da "globalização"
– de forma subalterna, trabalhando por acordos comerciais que
amplificam a subordinação da economia brasileira aos interesses
imperialistas (como a ALCA ou o acordo Mercosul–União Européia) em
troca de maior espaço para a exportação de mercadorias brasileiras.
Também é indevida a associação entre estes setores
e a idéia de um novo "desenvolvimentismo". Não há espaço
para desenvolvimento econômico acelerado com um mínimo de autonomia
no quadro atual da economia capitalista internacionalizada. As políticas
desenvolvimentistas, particularmente na sua origem no governo JK,
tendiam a basear–se na disposição de sacrificar as receitas
ortodoxas visto serem impeditivas ao crescimento econômico acelerado
(como ficou demonstrado pela recusa em se fechar um acordo com o FMI
nos termos propostos pelo Fundo). Além disso, eram baseadas em algum
tipo de concessão, ainda que superficial e ilusória, aos de baixo.
Assim, justificava–se o desenvolvimentismo junto aos trabalhadores
com a idéia da expansão dos empregos urbanos no setor produtivo e da
ampliação dos direitos sociais (como a extensão das garantias da
CLT aos trabalhadores rurais e o 13o. salário, entre outras
reivindicações atendidas na conjuntura de ampliação das lutas do
pré–1964etc.). Hoje, o setor produtivo é o campeão das demissões,
decorrentes do processo de reestruturação produtiva do capital e sua
posição em relação aos trabalhadores é clara: retirada de
direitos – flexibilização no eufemismo corrente – através de
uma reforma trabalhista que sepulte de vez as parcas garantias que
ainda estão de pé.
Portanto, a oposição de interesses entre
"capital produtivo" e "capital financeiro" é
superficial e superável. Uma pequena redução da taxa de juros e uma
alteração na política cambial que possam gerar um novo e contido
surto de crescimento da produção visando o mercado externo já
bastaria para conter a querela interna à burguesia. Como fazê–lo
sem abalar os fundamentos ortodoxos da política econômica e sem
despertar a "desconfiança do mercado"? Ninguém menos que
Delfin Neto, o velho comandante do naufragado "milagre econômico"
da ditadura militar, apareceu como porta voz da nova "fórmula
milagrosa". Apelidada de déficit nominal zero, consistiria em
quebrar os já burlados (através das contribuições e taxas, como
CPMF e Cofins, e da Desvinculação das Receitas União) mecanismos
constitucionais que atrelam a arrecadação de impostos a gastos
sociais nas áreas de saúde e educação, para cortar ainda mais os
gastos públicos, gerando um superávit primário tão elevado que
tornaria desnecessária a política de juros tão altos.
Se do ponto de vista dos interesses dominantes essa
proposta daria certo é difícil avaliar. Mas é fato que se
implementada agravará em proporções incalculáveis a situação já
caótica de uma população cada vez mais empobrecida, espremida pelo
desemprego, pela queda do poder de compra dos salários, pela insuficiência
das políticas compensatórias e pela falência dos serviços públicos.
Uma fórmula que certamente não ajudará a (re)eleger seu executor.
Se vista pelo ângulo dos interesses de classe dos
dominantes no Brasil a tese da conspiração das elites não se
sustenta, poderíamos crer que o governo de Lula da Silva e seus
defensores no PT e nos movimentos sociais realmente acreditam nisso?
No que diz respeito ao governo é óbvio que se trata apenas de
argumento de retórica, pois seu caráter de classe – como governo
das classes dominantes – está dado desde a 1a "Carta ao Povo
Brasileiro", um documento de campanha em que a candidatura Lula/Alencar
se propunha a "cumprir todos os compromissos" com o grande
capital, financeiro em especial, assumidos pelo governo FHC.
Seguiram–se, para confirmar tal caráter de classe do
governo: a nomeação do mega–executivo do Banco de Boston, Henrique
Meirelles, para o Banco Central; a presença de Furlan e Rodrigues –
representando o setor exportador de commodities e o agronegócio –
no Ministério; a prioridade conferida em 2003 à (contra)reforma–previdenciária
que retirou direitos dos trabalhadores e abriu novas fatias de mercado
ao setor financeiro; as propostas de (contra)reformas nas áreas
sindical/trabalhista e universitária; a política econômica dos
juros altos, superávit asfixiante e completa subordinação ao FMI,
entre muitos outros indicadores que poderiam ser aqui listados.
Estivesse Lula da Silva de fato enfrentando – ou ao menos
acreditando que está enfrentando – uma conspiração das elites,
seus caminhos no governo poderiam tender a várias direções, mas
dificilmente àquela que efetivamente foi tomada após a crise: uma
reforma ministerial que ampliou as fatias ocupadas pelos partidos
conservadores – das elites – e pelos setores ditos "técnicos"
que representam os interesses do grande capital, sempre dispostos a
avançar mais sobre os direitos dos trabalhadores com novas etapas de
suas (contra)reformas neoliberais.
Este caminho do governo, cada vez mais à direita,
teima em desmentir aqueles que ainda insistem na idéia de que é possível
disputar alguma coisa neste governo, alguns com a sinceridade dos que
ingenuamente sobrevalorizam sua vontade diante dos fatos da realidade,
outros como pretexto para evitar o duro caminho de assumir esta
realidade e coerentemente abdicar dos cargos e aparatos.
Porque então, se são tão insustentáveis as teses da
"conspiração das elites" contra Lula, devemos continuar a
debater com elas? Em especial porque, além do governo há setores
expressivos dos movimentos sociais que estão respaldando essas teses,
como os que assinaram o documento de junho "Carta ao povo
brasileiro" e o reafirmaram em declarações recentes. Em relação
a estes, é necessário estabelecer distinções, em especial entre os
principais signatários, as forças que compõem a CMS – Coordenação
dos Movimentos Sociais – CUT, UNE e MST.
Em relação à CUT, a saída de Luiz Marinho
(Presidente da CUT eleito em 2003 por indicação de Lula) para o
Ministério do Trabalho, afirmando–se desde a nomeação disposto a
executar uma proposta de reforma sindical repudiada por todos os
setores do movimento sindical, à exceção da tendência de Marinho
na CUT (a Articulação Sindical e seus satélites) e da Força
Sindical, é a comprovação derradeira de que o papel deste que foi o
mais importante instrumento intersindical construído pela classe
trabalhadora brasileira em sua história é hoje o de uma correia de
transmissão de políticas de governo contrárias aos interesses dos
trabalhadores. Perdida como instrumento de mobilização – e "indisputável"
dado o elevado grau de degeneração burocrática e corrupção pelo
capital da sua maioria dirigente – a CUT faz hoje o papel de dique
de contenção das lutas.
Embora reconhecendo que a disputa mais importante nas
bases cutistas seja hoje aquela que aponta para as lutas concretas que
a direção da central quer a todo custo evitar, sendo, portanto, um
equívoco transformar em prioridade zero o debate sobre sair ou não
da CUT, é indispensável que todas as lideranças sindicais que ainda
respeitam os princípios da autonomia, da combatividade e do classismo,
disponham–se a publicamente esclarecer suas bases sobre o papel
nefasto da CUT hoje e sobre a necessidade, respeitados os ritmos próprios,
de ruptura com a Central e construção de novas ferramentas de
unificação das lutas.
Não está no mesmo patamar a discussão sobre a UNE, não
por conta de seu papel público, tão deplorável quanto o da CUT, mas
por ser de outra natureza o vínculo do movimento estudantil real –
dos secundaristas, dos DCEs e CAs/DAs combativos das Universidades Públicas
– com a estrutura burocrática da UNE, aparelhada pelo PCdoB há
muitos anos. Lutas efetivas da juventude são há muitos anos construídas
por fora da UNE, que pode tentar capitalizar–se com elas ou contê–las,
mas não as dirige efetivamente.
Outro deve ser o diapasão para se analisar o papel da
direção do MST e não se pode apresentar análise pela esquerda com
críticas ao MST do mesmo tipo das dirigidas à UNE e à CUT. Em
primeiro lugar porque a direção do MST não é um corpo
burocratizado distante de suas bases. Continuam a ser lutadores e
lutadoras que não se venderam aos interesses de seus inimigos de
classe. A história recente do movimento credenciou este movimento
como força radicalmente contrária à onda política neoliberal e
assim se mantém.
Além disso, a luta pela terra continua mais atual do
que nunca – particularmente porque o governo Lula da Silva não
apenas não fez avançar a reforma agrária, como também abriu maior
espaço para o agronegócio e a sua re–atualização do latifúndio,
ainda mais predatória porque destrói empregos no campo e devasta a
natureza em escala industrial, mantendo e ampliando a concentração
fundiária absurda do país.
No entanto, isto não significa endossar o que até
aqui tem sido publicamente assumido pela direção do movimento. Se o
governo Lula da Silva compromete–se com uma relativa trégua,
evitando a linha da criminalização da luta pela terra e promete
apoio – mas não o efetiva plenamente – aos hoje acampados e
assentados, esta posição política do governo nos parece muito pouco
para que a direção do MST equilibre–se na difícil posição de
criticar a política econômica, sustentando como aliado o governo que
a executa.
Seu argumento de que a fase atual, após tantos anos de
devastação neoliberal e diante da decepção com o governo do PT, não
seria propícia à ofensiva social, mas própria a um movimento mais
lento e sólido de acumulação de forças (formação de novas
lideranças, trabalho de base, mobilização progressiva, etc.)
poderia se sustentar se o que estivéssemos assistindo fosse um
posicionamento claro de construção autônoma das posições ocupadas
pelo movimento na sociedade civil. Entretanto, não é de autonomia e
avanço progressivo o sinal que estamos assistindo. Não é fácil
vislumbrar como o movimento social pode acumular forças em fase de
refluxo. Ou, no caso específico, como o MST pode acumular abrindo mão,
mesmo que conjunturalmente, de priorizar seu objetivo maior – a
reforma agrária, paralisada com Lula e Rosseto. Ou como acumular forças
sem avançar em sua principal tática de luta: as ocupações em larga
escala.
Por isso, embora com diferente inserção social,
leitura distinta da realidade e objetivos diferenciados, a direção
do MST, ao caminhar conjuntamente com os dirigentes da CUT e da UNE
arrisca–se a tornar cada vez mais difícil o objetivo da união das
lutas do campo e da cidade, visto que hoje, concretamente, CUT e UNE,
conduzidas pelas suas direções, são obstáculos efetivos às lutas
sociais.
Trabalhando por uma saída positiva para os
trabalhadores
É a partir deste quadro que teremos que trabalhar para
construir a necessária reação das forças de esquerda socialista,
assim como dos movimentos sociais que preservam como seus os valores
da autonomia, da combatividade e do horizonte de classe. Tal reação
dependerá de uma articulação de forças, de clareza de propostas e
de lutas unitárias.
O processo de reconstrução da esquerda brasileira está
aberto e a crise atual apenas joga mais água num moinho que já gira
há algum tempo. Neste processo, é preciso que todas as forças que
assumem a necessidade da reconstrução e que já afirmaram
publicamente seu reconhecimento da falência do projeto do PT
apresentem a disposição de construir articulações, espaços comuns
de reflexão, pautas e propostas unitárias, pois nenhuma delas
sozinha poderá dar respostas suficientes na conjuntura.
São positivas, neste sentido, propostas como a
apresentada pelo P–SOL, em seu encontro de fevereiro deste ano, de
formação de uma frente social e política capaz de construir um
verdadeiro projeto alternativo, de mudanças, característico de uma
oposição de esquerda ampla, de massas, socialista e democrática.
Na mesma linha, são importantes as propostas surgidas
da Assembléia Popular, reunida em São Paulo, em 9/07, com militantes
de vários partidos socialistas, inclusive do PT, e de diversas
organizações sociais. A assembléia conclamou os petistas que não
desistiram de lutar por um Brasil Socialista a "abandonar o PT e,
junto com todas as forças anti–capitalistas, construir novas
instrumentos para retomar a trajetória de luta por uma sociedade
livre e socialista". O mesmo encontro apontou o caminho da
unidade e apresentou propostas de uma pauta mínima para construí–la.
Chama–se agora, para os dias 24 e 25 de setembro em São Paulo, uma
Assembléia Nacional Popular de Esquerda, que pode ser mais um passo
importante deste processo de reorganização e unificação das forças
de esquerda.
Quanto às propostas, não se pode arriscar hoje mais
que algumas linhas gerais, até porque propostas mais amplas deverão
surgir justamente da aglutinação das forças políticas socialistas
que aqui é defendida. Neste sentido, é essencial que assumamos a
luta pela punição e afastamento de todos os corruptos e corruptores.
Não apenas os do atual governo, mas também aqueles que imperaram no
processo de privatização das estatais e de aprovação da re–eleição,
durante a gestão de FHC. Mas, para nós, a corrupção não é apenas
um problema ético, ela é parte da lógica do sistema capitalista,
começa na extração do sobre–trabalho do trabalhador pelo patrão,
passa pela lógica do lucro, da acumulação e apropriação privada e
desemboca na perspectiva que toma o Estado como um instrumento dos
interesses privados do capital.
E desde os anos 1990, a corrupção esteve a serviço
de um projeto político neoliberal, das contra–reformas que
retiraram direitos dos trabalhadores, das privatizações em que
praticamente o Estado pagou para entregar patrimônio público a
empresas privadas. Por isso, nossas propostas devem privilegiar o
combate à política econômica do governo Lula, entendendo que este
é o núcleo definidor do caráter de classe – afinado aos
interesses do grande capital – deste governo, que por isso, e não
apenas pela corrupção, deve ser combatido.
Não nos basta denunciar a corrupção nos esquemas
eleitorais, em si espúria, mas mostrar claramente que são ilegítimas
e ilegais todas as votações em que parlamentares receberam
"mensalão" para votar. Por isso, nossa plataforma tem que
incluir a proposta da anulação de todas as votações, deste governo
e do anterior, em que ocorreu a compra de votos de parlamentares.
E não podemos apostar tudo neste Congresso Nacional
para resolver a crise através das CPIs, que podem assumir um papel
cada vez mais importante de informação e denúncia, mas tendem a
trabalhar para restringir as punições a alguns parlamentares que
teriam seus mandatos cassados, dando assim uma "satisfação à
opinião pública". Devemos apostar na construção de saídas
que envolvam a participação direta da maioria dos cidadãos, através
de consultas plebiscitárias, por exemplo.
A associação entre corrupção e política econômica
pode ser concretizada a partir de elementos simples e diretos. Um
exemplo mais que transparente: o governo Lula da Silva mantém e
aprofunda a política de arrocho salarial e retirada de direitos do
funcionalismo público, desrespeitando acordos, embromando em mesas e
reprimindo o exercício do direito de greve. Por outro lado, sua política
econômica, privilegiando o capital financeiro, mantém os juros em
patamares estratosféricos e cria nichos de mercado seguros para os
bancos, justamente sobre os funcionários públicos e aposentados,
como os fundos de pensão, com a previdência complementar regulada
pela contra–reforma de 2003 ou, em escala menor, os empréstimos
para funcionários e aposentados com pagamento descontado em folha. O
grau de envolvimento dos fundos de pensão nos esquemas escusos, desde
pelo menos o momento das privatizações, já vem sendo fartamente
denunciado. Agora sabemos que o BMG, que opera privilegiadamente os
empréstimos para os funcionários públicos, que recorrem à ciranda
dos juros pela compressão dos seus salários, é um canal
privilegiado – junto com o Banco Rural – da operação do mensalão.
Ou seja, saiu também da montanha de dinheiro descontada em folha dos
servidores, às voltas com as dívidas e os juros, a pequena fatia
(pequena para o padrão dos lucros bancários) que alimentou o esquema
de Marcos Valério e dos partidos que ele representava. Por fim,
cabe–nos estar nas ruas, construindo na ação coletiva organizada a
unidade nas lutas. Não será através de negociações isoladas com
os patrões ou com os Ministérios que os sindicatos de trabalhadores,
do setor privado ou do público, conseguirão avançar em conquistas
para suas bases. É preciso elevar o patamar de unificação das
lutas, enfrentando sim a corrupção, mas indicando a centralidade da
luta ampliada contra a política econômica, contra as
contra–reformas – a universitária e a sindical continuam na pauta
– e contra o governo do grande capital que as patrocina. Este deve
ser o sentido dado às manifestações unitárias que estão sendo
montadas. Entre elas destaca–se no horizonte próximo a marcha
convocada para o dia 17 de agosto em Brasília.
Todo apoio às greves em curso e porvir, às necessárias
ocupações de terra no campo, as ocupações dos sem–teto nas
cidades, pois só através da ampliação do patamar de luta poderemos
de fato dar resposta à crise em curso, procurando construir a saída
que interessa aos trabalhadores.
(1)Basta lembrar que em meio à crise política circula
como "boa notícia" a divulgação, pelo BC, do superávit
primário total acumulado no primeiro semestre do ano: R$ 59,95 bilhões
ou 6,43 % do Produto Interno Bruto (PIB).
|
|