Colônia
do sistema financeiro mundial, com ou sem acordo com o FMI
Por
Adriano Benayon (*)
Resistir.info, 13/09/05
Após
o término do acordo com o FMI, os banqueiros mundiais estão tirando
mais ou menos dinheiro do Brasil? A resposta é: muito mais.
Com
gordas verbas e esquecimento de dívidas, o governo federal alimenta fábricas
de ilusões, i.e, emissoras de televisão e demais meios de comunicação
que tentam criar uma "realidade virtual", como se empregos e
produção pudessem ser substituídos por propaganda.
O
marketing oficial caracterizou a não–renovação do acordo com o
FMI como um ato de independência. Passando ao terreno da realidade, o
cenário é tipicamente colonial. O fato de o Tesouro Nacional não
contrair novos empréstimos junto ao FMI em nada modifica a total
subordinação da política econômica às diretivas predatórias do
sistema financeiro mundial. Vejamos se não é assim.
1.
A quem serve que o Brasil pague, nos títulos da dívida pública
federal, as taxas de juros reais mais altas do Mundo, havendo nele
cerca de 200 países? Com o aumento da SELIC [1] , em 20 de abril,
para 19,5% aa. nominais, a taxa real de juros sobre a dívida pública
do Brasil é o dobro da da Turquia, segunda colocada, e quase três
vezes a da África do Sul, terceira.
2.
Depois dos colossais lucros dos bancos em 2003 e 2004, com crescimento
real de 14% por ano, alguém imaginou que esses ganhos seriam
reduzidos? Enganou–se: no 1º trimestre de 2005, os lucros de quatro
grandes (Bradesco, Itaú, Unibanco e Banespa) cresceram 50%. A soma
dos quatro foi R$ 3 mil milhões, em apenas um trimestre, com a
rentabilidade subindo de 21,8% para 27% em comparação com o 1º
trimestre de 2004.
3.
A política econômica é, cada vez mais, servil à oligarquia
financeira mundial, superando na vil submissão as mais
desqualificadas republiquetas do planeta. Não fosse assim, não seria
o país privado de investimentos produtivos e da possibilidade de
desenvolver tecnologias. De fato, a produção e os mercados são
controlados pelas transnacionais, e a política econômica é
determinada por bancos estrangeiros e por entidades teleguiadas, como
a Febraban.
4.
As transferências ao exterior dos ganhos no mercado interno e no comércio
exterior, combinadas com os juros altos e com os impostos extorsivos,
tornam mirrada a demanda interna. Isso, por sua vez, leva as
transnacionais e as empresas nacionais sobreviventes a se voltarem
para as exportações, aproveitando–se da pletora de recursos
naturais do País, transferidos para o exterior, por meio do agronegócio
e da extração de minérios.
5.
Nos últimos tempos, a demanda externa tem crescido, em função de:
a) crescimento apreciável em alguns países de porte, como a China e
outros da Ásia, Argentina, etc.; b) a emissão irresponsável de dólares
por parte dos Estados Unidos, que permite a esse país importar à
vontade, sem qualquer ônus, enquanto o dólar for moeda mundial de
reserva. Resultam expressivos saldos positivos no comércio exterior
brasileiro.
6.
As taxas de juros propiciadas pela deletéria (para o Brasil) política
do Banco Central (BACEN) atraem especuladores mundiais para os títulos
da dívida interna, o que, juntamente com os superávits nas transações
(conta corrente) com o exterior, provoca extraordinária apreciação
do real. Esta, por sua vez, faz com que os especuladores se locupletem,
fruindo, ao mesmo tempo, a maior taxa de juros do mundo e a valorização
do real.
7.
De 10 de agosto de 2004 a 10 de maio de 2005, (nove meses) essa
apreciação foi 23%, ou seja, 2,3% ao mês, ou 31,8% (taxa
anualizada). Quem adquiriu títulos em agosto de 2004 e os liquida
agora, lucra, portanto, 50% aa. , já que à apreciação cambial se
soma a taxa SELIC (mais de 18%). Nada mau: no exterior, com muita
sorte, obter–se–ia 3% aa. aplicando em títulos públicos. 8. Não
admira que afluam "investimentos" estrangeiros ao BACEN e
que as reservas tenham aumentado, a ponto de serem dispensados novos
créditos do FMI. Em outras palavras, o Tesouro Nacional trocou esses
créditos, inúteis e prejudiciais ao país, por capital especulativo
estrangeiro, ainda mais nocivo, com a diferença de que este nos custa
50% aa., e nos empréstimos do FMI os juros eram 6% a 7% aa.
9.
Alguém observará que estes acarretam a imposição de condições
políticas. A isso cabe responder: "a política econômica
colonial cumpre todas essas condições, com ou sem acordo com o
FMI."
Superávit
primário e juros pagos pela União
O
FMI quer que o Tesouro Nacional brasileiro despenda cada vez mais em
juros e cada vez menos em qualquer coisa que possa melhorar o bem–estar
ou a capacidade produtiva do País. Isso é cumprido à risca, com ou
sem acordo formal, com o Banco Central à frente, falando em nome do
Império. A ideologia oficial reza que as decisões são do mercado,
mas este só funciona a favor dos interesses plutocráticos.
Em
2002, ainda sob o príncipe dos entreguistas [2] , a conta oficial dos
juros foi R$ 114 mil milhões [1 euro=2,87 reais], embora a despesa
efetiva tenha sido muito maior, por causa dos títulos públicos
indexados ao dólar, pois houve grande desvalorização cambial. Em
2003, já sob a administração petucana [3] , a conta oficial chegou
a R$ 145,6 mil milhões. Em 2004, essas despesas, camufladas na
contabilidade oficial, caíram para R$ 128,3 mil milhões. Mas o BACEN
já cuidou de assegurar que, em 2005, os juros cheguem, no mínimo, a
R$ 200 mil milhões.
Uma
exigência tradicional do FMI é o superávit primário, um conceito
fraudulento. Em 2002 o FMI queria 3,75% do PIB, e o resultado foi
3,9%. Para 2003 e 2004, já com o acordo "negociado" sob o
atual governo, a meta, aumentada para 4,25%, foi ultrapassada: 4,4% e
4,6% do PIB. Já os investimentos do governo federal, em 2003, caíram
de ridículos 0,8% do PIB, para ainda mais vergonhosos 0,5% do PIB em
2003/2004.
Tal
é a subordinação, que, por mais de ano, na vigência do acordo com
o FMI, Meirelles, Palocci e Lula (nessa ordem, em termos de poder,
como diz Sebastião Nery) ficaram pedindo autorização ao FMI para o
Brasil gastar US$ 2,8 mil milhões em obras de infraestrutura (saneamento,
estradas, portos). Anunciaram como 'grande vitória negociada com o
FMI', que 'afinal consentiu'.[...] Com isso, o Orçamento de 2005 foi
aprovado com R$ 21 mil milhões para investimentos. Relatou Nery, em
fevereiro: " O jornalista Kennedy Alencar, da Folha, acabou com a
mentira: 'O presidente Lula deverá ceder aos argumentos do ministro
Palocci e promover um corte grande, e sem maquiagem, no Orçamento da
União. Valor: cerca de R$ 15 mil milhões (para investimentos e área
social só vão sobrar R$ 6 mil milhões)'."
O
governo opera os instrumentos da colonização
O
estatuto colonial não está somente no torniquete orçamentário, que
comprime toda e qualquer despesa produtiva ou favorável à economia
do País, nem só nos juros absurdos, nem só no furor tributário.
Continuam em franca operação todos os mecanismos instituídos pelos
interesses contrários aos do País de 1995 a 2002. Continuam em
vigor:
1.
a famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal, que pune, até
criminalmente, agentes públicos que ousem aumentar gastos que não se
destinem a juros ou a amortizações de dívida;
2.
a isenção da CPMF [4] em favor das transações financeiras,
inclusive as de natureza especulativa, como as de derivativos, e as
mais propícias à lavagem de dinheiros de tráficos ilícitos;
3.
os contratos dos serviços públicos privatizados, com cláusulas
absurdas, entre as quais o reajuste de preços pelo IGP–DI [5] ,
enquanto os salários, exceto o mínimo, não são reajustados nem
pelo INPC [6] , nem há emprego para mais de 20 milhões de
brasileiros;
4.
a desvinculação das receitas da União, que permite desviar os
recursos das contribuições (COFINS, CPMF, CIDE, etc.) para o serviço
da dívida;
5.
a alienação do grosso das ações da Petrobrás, que agora paga mais
de 2/3 de seus dividendos a acionistas privados, na maioria
estrangeiros;
6.
as licitações das jazidas de petróleo em áreas prospectadas pela
Petrobrás, as quais são adquiridas a preços ridículos nos leilões
da Agência Nacional do Petróleo, ficando as transnacionais com a
propriedade do petróleo e sem a obrigação de pagar qualquer
royallty, taxa ou imposto pela extração; pior: o governo obteve do
STF [7] a legitimação dos despautérios da inconstitucional Lei nº
9.478 de 1997, pondo o Brasil em situação inferior à de países
desprovidos de tecnologia de exploração de petróleo, os quais,
cobram royalties significativos em compensação pelo esgotamento de
seus recursos naturais;
7.
a criação de parques nacionais e de reservas indígenas em extensas
áreas da Amazônia e de outras regiões, nos quais brasileiros são
impedidos não só utilizar terras, mas até mesmo de transitar por
elas;
8.
a presença dominante das ONGs, financiadas do exterior, no Ministério
do Meio Ambiente, na SEMA [8] , na FUNAI [9] e outras entidades;
9.
a presença imperante nos ministérios da área econômica e no BACEN,
de teleguiados do Banco Mundial, do FMI e de outros organismos ditos
internacionais.
Novos
atos de submissão
Além
de executar todos os itens do programa de colonização acima
resumidos, o governo adiciona novas medidas na mesma direção.
1.
Obteve a aprovação de mais uma reforma da previdência na qual,
entre outras façanhas:
a)
abriu espaço para que a previdência privada obtenha lucros com as
economias dos segurados, sem lhes dar garantia alguma quanto ao valor
da aposentadoria;
b)
estabeleceu a bitributação sobre os aposentados, os quais ficam
pagando, além do Imposto de Renda de pessoa física, uma absurda
"contribuição previdenciária" sem contrapartida, na
realidade, um confisco — também inconstitucional — a título de
reduzir um suposto déficit da previdência proveniente do desvio das
contribuições sociais para o pagamento de juros da dívida pública.
2.
Além de preservar os efeitos das viciadas privatizações feitas por
FHC–I e FHC–II, fez o Congresso aprovar a Lei das PPPs —
parcerias público–privadas —, determinada pelo FMI: mais um modo
de arranjar lucros sem risco para empresas favorecidas pelo Estado, o
qual entra com o capital, arrancado dos contribuintes, e o põe nas mãos
dos "parceiros" privados.
3.
Fez aprovar a Lei de Falências, tal como o FMI, de há muito,
desejava, i.e., fazendo os bancos ter preferência nos créditos
devidos pela empresa falida ou concordatária, preterindo o Estado e
os trabalhadores, cuja preferência fica reduzida a um teto que a
torna irrisória.
4.
Fez aprovar a Lei dos transgênicos, danosa à agricultura, à
economia e à saúde dos brasileiros, mas proveitosa para a Monsanto e
para outras transnacionais que estendem seu controle totalitário
sobre os produtores e os consumidores.
5.
Acaba de propor ao Congresso projeto de lei, que permite à União
alienar terras, em concessões por 60 anos, nas áreas de florestas, o
qual, se aprovado, concluirá a entrega da Amazônia e de outras regiões
à sanha extrativa de transnacionais estrangeiras.
6.
Determinou a demarcação, como terra indígena, de enorme região
contínua no Estado de Roraima (Raposa do Sol), constituindo assim
mais um enclave escassamente povoado, para ser controlado por ONGs e
entidades estrangeiras, inviabilizando a economia daquele Estado, onde
restam muito poucas áreas em que não se veda a ocupação pelos
brasileiros.
Profissões
de fé infracoloniais
O
presidente da República, em falação recente, deitada na Volkswagen
do Brasil (ele sempre gostou de empresas multinacionais), não
contente em defender as "reformas" já feitas e as que estão
em andamento, prometeu derrubar a legislação trabalhista e sindical,
qualificada por ele como cópia fiel da Carta del Lavoro, do regime de
Mussolini. Ou seja, se for para prejudicar os assalariados, vale
condenar o fascismo em discurso. Na prática, entretanto, imitar o
fascismo, ou até superá–lo, faz–se como? Favorecendo a concentração
e executando a política dos banqueiros. De quebra, eliminando os últimos
resquícios das políticas de bem–estar social.
Para
completar, o ministro da Fazenda declara que o Brasil precisa de mais
10 anos de políticas de aperto monetário e fiscal. Como, afora episódios
anteriores, como em 1964–66, estamos sob arrocho desde 1980, ou seja,
há 25 anos, o Sr. Palocci, quer assegurar que o subdesenvolvimento se
torne irreversível. Nessa marcha, as pretensões do ministro se
ombreiam com os 1.000 anos sonhados por Hitler para o Terceiro Reich.
Notas:
(*)
Doutorado em Economia pela Universidade de Hamburgo. Autor de
“Globalização versus Desenvolvimento”.
[1]
Serviço de licitações que define a taxa de juros.
[2]
O autor refere–se ao ex–presidente Fernando Henrique Cardoso.
[3]
Neologismo formado com a união de "PT" e "tucanos"
(como são chamados os adeptos do PSDB, o partido de F.H. Cardoso).
[4]
Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de
Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira
[5]
Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna
[6]
Índice Nacional de Preços no Consumidor
[7]
Supremo Tribunal Federal
[8]
Secretaria de Estado do Meio Ambiente
[9]
Fundação Nacional do Índio
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