Submissão
e Autonomia
Apontamentos
sobre a gênese, formação e crise do Estado nacional no Brasil
Por
Mário
Maestri (*)
Primeira
parte
I.
GÊNESE, CONSOLIDAÇÃO E CRISE DA FORMAÇÃO SOCIAL ESCRAVISTA
BRASILEIRA
O Escravismo colonial
O poder estatal lusitano implantou-se na América
através de colônias [capitanias, donataria], inicialmente litorâneas,
centradas na produção escravista exportadora de gêneros alimentícios
e minerais que exigiu a apropriação latifundiária e alodial da
terra e a feitorização de mão-de-obra, primeiro americana, a
seguir, africana. A escravização de americanos permitiu a acumulação
inicial necessária à expansão da produção colonial e à importação
de trabalhadores africanos, após a extinção tendencial das
comunidades nativas, sobretudo do litoral. A escravização de
americanos prosseguiu nas regiões ligadas fragilmente à produção
de mercadorias para o mercado internacional.
A
inserção das colônias luso-americanas na divisão mundial do
trabalho, através de modo de produção escravista colonial,
determinou o extermínio, a degradação das condições de vida, a
assimilação subalternizada das comunidades americanas e dos
produtores africanos. O escasso desenvolvimento das forças produtivas
ensejou formas rudimentares de resistência social ao escravismo. O
Estado Lusitano constituiu-se de bloco político-social no qual
dominavam as classes agrárias feudais, associadas, sobretudo, à
burguesia mercantilista e aos plantadores escravistas. As classes
escravistas das colônias americanas dependiam do Estado Lusitano para
manter o fluxo da mão-de-obra escravizada, o controle dos territórios,
a submissão dos produtores diretos.
A produção regional de bens exportados pelos portos regionais,
por onde chegavam os manufaturados e os trabalhadores escravizados, e
o imbricamento ao Estado Lusitano ensejavam colônias social e
economicamente semi-autônomas.
O caráter semi-autônomo das colônias luso-americanas e os
frágeis laços entre elas ensejaram inexistência de mercado interno nacional
propriamente dito e de consciência brasileira por parte
das classes dominantes regionais, que aceitavam - já que
necessitavam para produzir e se auto-reproduzir - a hegemonia
metropolitana. Conseqüentemente, essas classes se auto-concebiam-se
como lusitanas e pernambucanas, paulistas, maranhenses, etc. Duramente
submetidas e mantidas à margem da comunidade civil, as classes
exploradas tinham origens étnicas diversas, praticavam línguas e
costumes variados. No período colonial, a administração
metropolitana das colônias americanas – centralizada ou não
− pactuou sempre com os interesses escravistas regionais. O
aparato administrativo colonial interpretava mais fortemente os
interesses escravistas à medida que se distanciava do poder
central. Durante a Colônia, não podemos falar de Estado colonial-escravista
brasileiro propriamente dito.
Em
inícios do século 19, quando da crise colonial, os fortes impulsos
autonomistas, republicanos e liberais das classes exploradoras
regionais – que se expressaram na Inconfidência Mineira, Revolta
dos Alfaiates, Revolução Pernambucana, etc. – foram sufocados
pelas classes crioulas regionais hegemônicas
em prol de projeto monárquico-centralista nascido sobretudo da
necessidade de manter o tráfico transatlântico e a população
trabalhadora escravizada na submissão. O unitarismo brasileiro foi
exigido pela defesa da ordem escravista. Até a Abolição, o Estado
Monárquico defendeu os interesses dos grandes escravistas, através
de ordem institucional autoritária e centralizadora organizada em
torno do imperador.
Estado
Escravista
A
transferência para o Brasil do aparato administrativo central do
Estado lusitano determinou que ele defendesse crescentemente os
interesses escravistas, então principal base de seu poder,
fato que ensejou o movimento restaurador da burguesia mercantil
lusitana, em 1820. A partir de 1822, o Estado Monárquico-Escravista
prosseguiu a liberdade comercial, instituída por dom João, sob a
exigência do governo inglês. A medida interpretava as exigências
das classes exportadoras regionais e aniquilou a frágil produção
artesanal-manufatureira provincial, consolidando a hegemonia
escravista. De 1822 a
1831, o Estado Monárquico-Escravista interpretou igualmente os
interesses da burguesia comercial lusitana radicada no Brasil e da
Casa dos Braganças. Devido à crise da mineração e à recessão pós-guerras
napoleônicas, a economia escravista-exportadora conhecera importante
recessão. Sediado no Rio de Janeiro, o Estado Monárquico-Escravista,
sob o controle das facções de classes organizadas em torno da Corte,
empreendeu forte exploração semi-colonial das províncias periféricas,
que mantiveram a autonomia sócio-econômica relativa. Durante a Regência
[1831-40], facções liberais, republicanas, federalistas,
separatistas regionais questionaram fortemente o unitarismo e o
centralismo político imperiais – Cabanagem, Balaiada, Farroupilha,
Praieira, etc.
Mesmo
após a deposição de dom Pedro, em abril de 1931, o então domínio
pleno das classes escravistas sobre o Império não determinou a gênese
de Estado-nação, mantendo-se a forte autonomia provincial social e
econômica de fato, por um lado, e a marginalização das classes
trabalhadoras dos direitos civis, por outro, fenômenos nascidos do
prosseguimento da dominância do modo de produção escravista
colonial. A produção latifundiária-escravista ensejou a formação
de classe trabalhadora, sobretudo de origem africana e nativa,
duramente explorada, de limitada esperança média de vida, de baixo nível
cultural, com débeis laços familiares e frágeis vínculos com a
terra e com o território, mantida à margem dos direitos cidadãos mínimos,
o que ocorria, do mesmo modo, em forma apenas menos completa, com os
limitados segmentos trabalhadores livres.
Nas
terras imprestáveis à produção latifundiária, o Estado Monárquico-Escravista
favoreceu o estabelecimento de comunidades de colonos-camponeses de
origem européia, sobretudo para que fossem contraponto aos
trabalhadores escravizados; gerassem braços para os exércitos;
produzissem alimentos para as capitais e latifúndios. A concessão de
terras, primeiro gratuita, a seguir financiada, próximas aos mercados
provinciais, permitiu que as comunidades colonial-camponesas se
desenvolvessem, sob a permanente expropriação da renda familiar
empreendida pelo capital comercial. No contexto da posse da terra e do
acesso ao mercado, a necessidade dessa produção familiar de braços
determinou fortíssima expansão demográfica, absoluta e relativa.
Com a abolição do tráfico transatlântico
de trabalhadores [1850], as classes dominantes escravistas preocuparam-se
com a expansão do raquítico mercado livre de trabalho e com a
reprodução endógena de trabalhadores livres, aprovando a Lei de
Terras [1850-4] que proibiu a distribuição gratuita de propriedades
fundiárias a fim de produzir-reproduzir homens livres pobres,
obrigados a vender a força de trabalho a preço vil, já que
incapazes de produzirem seus meios de subsistência – exército
rural de reserva. A Lei de Terras possibilitava a expansão quase
sem ônus dos latifúndios através do reconhecimento das posses,
em geral compradas-expropriadas a caboclos posseiros, sem representação
política.
II.
GÊNESE, CONSOLIDAÇÃO E CRISE DO ESTADO OLIGÁRQUICO BRASILEIRO
A Revolução Abolicionista
A abolição do tráfico transatlântico,
em 1850, pôs fim à
expatriação de capitais necessária à importação de trabalhadores
escravizados, favorecendo maior taxa de acumulação de capitais pela
cafeicultura escravista então hegemônica. A seguir, com o
esgotamento das terras fluminenses, o centro da produção escravista
deslocou-se para São Paulo. A abolição do tráfico internacional e o aumento do preço
do cativo promoveram a concentração da mão de obra escravizada no
Centro-Sul cafeicultor. O surgimento de territórios e de classes
sociais à margem da escravidão favoreceu a formação de movimento
emancipacionista e, a seguir, abolicionista. A luta histórica dos
cativos contra a escravidão – mais comumente individual,
localizada, não-política – conquistou apoios sociais, políticos
e nacionais entre a população livre.
Intérprete dos interesses
escravistas hegemônicos, com destaque para os cafeicultores, o Estado
imperial impediu que as províncias menos dependentes da produção
escravista abolissem a instituição, criando, assim, áreas opostas
política, social e economicamente à instituição, como ocorrera nos
USA. A solidez do escravismo bloqueou por décadas o desenvolvimento
social e produtivo de formação social brasileira profundamente
regionalizada. Nos últimos anos da escravidão, as relações
escravistas emperravam a própria expansão da cafeicultura dominante.
Maturavam, portanto, as condições para a destruição das relações
escravistas dominantes que obstaculizavam o desenvolvimento da produção
livre. Desde fins de 1887, apoiados pelo abolicionismo radical, os
cativos empreenderam o abandono das fazendas cafeicultoras, exigindo
relações de trabalho contratuais, pondo assim derradeiro fim ao
escravismo, em 1888.
A Abolição foi a única revolução
social vitoriosa no Brasil. Ela destruiu o modo de produção
escravista colonial que dominara, por três séculos e meio, a
sociedade no Brasil, unificando social e juridicamente a classe
trabalhadora, dividida até
então em trabalhadores juridicamente escravizados e
trabalhadores juridicamente livres. A falta de tradição ampla
de posse de exploração parcelar − individual ou familiar
− da terra pelo trabalhador escravizado ensejou que ele se
mobilizasse sobretudo pela liberdade e não pela divisão dos latifúndios,
o que facilitou, no momento da transição, a manutenção, por um
lado, do caráter agrário-latifundiário da produção da riqueza e,
por outro, da essência oligárquica do exercício do poder no Brasil
republicano.
A Abolição foi possível devido à
expansão endógena da população livre-pobre, sobretudo mineira e
nordestina, e à importação de milhões de trabalhadores europeus,
sobretudo italianos, no final da escravidão. Esses processos
promoveram a constituição de crescentes multidões de trabalhadores
obrigados a vender a força de trabalho por preço vil − exército
rural e urbano de reserva. O abolicionismo foi a primeira proposta política
a se transformar em movimento político nacional de massas,
formado por trabalhadores escravizados e livres, classes médias e
proprietários não-escravistas dos campos e de cidades. Fenômeno que
sequer a luta pela independência, socialmente excludente,
materializou. O abolicionismo via o fim da escravidão como passo na modernização
do país a ser obtida através de reformas político-sociais entre
as quais destacava-se a distribuição de terras a ex-cativos e livres-pobres.
O Partido Liberal adotou parte desse programa.
A
contra-revolução
republicana
A plena dominância de variadas
formas de produção apoiadas em produtores juridicamente livres
tornava desnecessárias e anacrônicas as instituições
centralizadoras imperiais criadas para defender a escravidão. Novas
classes e novas formas de produção mais complexas exigiam formas de
dominação mais refinadas. O movimento republicano, de 15 de novembro
de 1889, foi promovido sobretudo pelo Partido Conservador, apenas
derrotado no pleito eleitoral, e por ex-conservadores, em geral
grandes proprietários de terras convertidos ao republicanismo. A República
foi golpe federalista e oligárquico, de caráter antidemocrático
preventivo. Ela entregou o poder político às oligarquias agrárias
regionais, já detentoras do poder econômico, e pôs fim ao movimento
nacional-reformista parido pelo abolicionista. A República não foi
uma revolução burguesa, ainda que tenha aplainado o terreno para o
desenvolvimento da produção capitalista, que iniciara seu percurso
no Brasil muito antes de 1888. A República ensejou a conformação de
Estado Republicano, Federal e Oligárquico constituído
sobretudo pela associação de classes agrário-latifundiárias
mercantis regionais que tinham o fundamental de seus ganhos apoiado na
renda da terra [pré-capitalista] e em relações de produção não-capitalistas.
As classes industrialistas regionais integraram em situação
claramente subordinada o bloco político-social oligárquico-republicano.
Na direção de seus estados,
as oligárquicas rurais regionais em crise aprofundaram a opressão
das classes exploradas, motivando movimentos populares insurgentes
– Canudos, Contestado, etc.
– de cunho social e
libertário, apesar da expressão messiânica de alguns deles nascida
dos limites objetivos da consciência popular, sobretudo rural. Na República
Velha, elevados formalmente à cidadania, os trabalhadores foram
mantidos na submissão política e social através de meios
coercitivos [exército, polícia, jagunços, etc.], legais [voto
aberto limitado aos alfabetizados, etc.] e ideológicos [racismo,
monocracia positivista, etc.] As elites republicanas regionais
herdaram dos escravistas a visão consensual da necessidade de manter
as classes populares à margem dos direitos políticos e sociais de
fato.
A entrega pelo Estado Republicano
Oligárquico de grande parte do poder político às classes dominantes
regionais, sobretudo agro-exportadoras, aprofundou a autonomia política,
econômica e identitária dos agora estados. Sem conformar de
fato uma nação, o Estado Republicano, Federal e Oligárquico constituía-se
de superestrutura jurídico-política de classes dominantes regionais,
sobretudo latifundiárias e exportadoras, dominada pelos estados de
maior economia e população – SP, MG, RJ, Ba, RS.
A transição republicana no Rio Grande do Sul foi exceção. A
consolidação de bloco político-social intérprete da economia
colonial-camponesa, da agricultura pequeno-mercantil, da agricultura
capitalista, do artesanato, da manufatura e da indústria regional,
etc., localizadas sobretudo no norte do Estado, deslocou do poder a
oligarquia agrário-pastoril, centrada principalmente no sul, em
estagnação econômica [Guerra Federalista, 1893-95]. Esse processo
foi determinado em boa parte pelo crescimento demográfico, do mercado
interno, da acumulação de capitais,
etc. impulsionado pela economia colonial-camponesa.
O Partido Republicano Rio-Grandense
empreendeu modernização autoritária pró-capitalista e antiliberal,
voltada à autonomia política, econômica e social regional, que se
apoiou na ideologia antidemocrática do positivismo comtiano. O PRR
interveio na economia em apoio do desenvolvimento dos interesses
mercantis e capitalistas dominantes, financiando a educação, os
meios de comunicação, encampando sistemas de transporte em mãos
estrangeiras, etc. Na República Velha, sobretudo no RJ, SP, RS, Ba e
Pe, desenvolveu-se produção e reprodução do capital, em pequenas,
médias e grandes unidades produtoras de mercadorias – tecidos,
alimentos, móveis, etc. –, para os mercados locais e regionais,
sobretudo. Essa produção-reprodução de capitais apoiou-se
exclusivamente em acumulação originária endógena, ensejada pela
economia escravista e colonial-camponesa, sobretudo.
República Federal-Oligárquica
Apesar do capital fabril em
desenvolvimento, as oligarquias agrárias mantinham o domínio político
inconteste em todos os estados, à exceção do Rio Grande do Sul. Em
1910, dos 23 milhões de trabalhadores, apenas 160 mil eram operários
manufatureiros e fabris propriamente ditos, dispersados através e
nos Estados mais industrializados, sobretudo RJ, SP e RS. Ainda
em 1920, setenta por cento da população nacional vivia e trabalhava
no campo, sobretudo em atividades direta ou indiretamente exportadoras
– café, cacau, borracha, algodão, fumo, couro, etc. Era imensa a
dispersão geográfica, étnica e social da classe trabalhadora rural
– imigrados e descendentes de imigrados; ex-cativos e descendentes
de ex-cativos; caboclos; etc.; trabalhadores assalariados; meeiros;
moradores; pequenos proprietários, etc.
Na República Velha, a renda
exportadora apoiou a formação de mercado interno, de cunho
essencialmente regional, apenas em parte abastecido pela produção
artesanal, manufatureira e fabril regional. A classe trabalhadora
artesanal, manufatureira e fabril conhecia exploração apoiada
sobretudo na produção de mais valia absoluta. Descentralizada pela
produção-realização local e regional das mercadorias, sua
vanguarda buscou coordenação regional e nacional política correspondente
à centralização federal política das classes proprietárias.
Em 1906, no Rio de Janeiro, realizou-se o 1° Congresso Operário
Brasileiro, com a representação de sindicatos e associações de
chapeleiros, marmoristas, carpinteiros, pedreiros, ladrilheiros,
pintores, sapateiros, etc. Nesse momento, diante da quase inexistente
integração nacional da produção e do consumo, podia-se
falar sobretudo de classe operária no Brasil e não de classe operária
brasileira.
Opostos à intervenção na vida política
oligárquica, os setores anarco-sindicalistas dominaram as minúsculas
vanguardas operárias locais e regionais. Ideologicamente, o
anarquismo e, sobretudo, o anarco-sindicalismo expressavam a forma de
produção artesanal e pequeno-manufatureira de grande parte da classe
trabalhadora da época. Com o impacto da revolução de 1917, a
vanguarda política operária foi conquistada para o PCB que, fundado
em 1922, desenvolveu-se sob a hegemonia do autoritarismo e
colaboracionismo stalinista. No contexto de sociedade
agro-exportadora, escassamente industrializada, com classe operária
jovem e heterogênea, a adesão ao comunismo foi essencialmente ideológica,
sendo mínimos o conhecimento do marxismo e seu uso na interpretação
da formação social brasileira. Na República Velha, as frágeis
classes médias regionais – militares, funcionários, professores,
liberais, etc. –, em estagnação econômico-social, iniciaram
ativismo político que se centralizou e se expressou em forma mais
forte no Exército – Tenentismo. Forças Armadas e Igreja eram as
duas únicas grandes instituições nacionais. As classes médias viam
com antipatia-receio a organização-promoção das classes populares
e trabalhadoras, sobretudo afro-descendentes. A seguir, segmentos das
classes médias radicalizadas expressaram-se fortemente através das
organizações operárias.
Durante a I Guerra Mundial, a
militarização das indústrias européia e estadunidense promoveu
fortalecimento da produção manufatureira e industrial regional do
Brasil, através do processo de substituição de importações. Esse
movimento foi apoiado pelo desenvolvimento das exportações do Brasil
no período bélico. A crise dos anos 1920 e as transformações
estruturais da produção capitalista determinaram a queda do preço
do café e dos produtos primários, levando a que sobretudo as classes
cafeicultoras paulistas, nacionalmente dominantes, aplicassem os
recursos e o poder federal na defesa de sua renda, comprometendo a
taxa de lucro das oligarquias regionais periféricas – algodão, açúcar,
arroz, cacau, charque, etc. Ensejando inflação, a política de
defesa do café deprimia consumo popular já baixo, aprofundando a
crise social, muito forte entre os setores médio, populares e
operários.
III.
GÊNESE, CONSOLIDAÇÃO E CRISE DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO BURGUÊS
AUTÔNOMO
Domínio e consolidação
burguesas
Em 1929, as oligarquias agrárias
periféricas apresentaram candidatura contra o prosseguimento do
controle da presidência por representante direto da cafeicultura
paulista. A Aliança Liberal possuía programa liberal, oligárquico e
agro-exportador, sem qualquer sensibilidade industrialista. Getúlio
Vargas, candidato do bloco das oligarquias periféricas, ex-governador
do Rio Grande do Sul, era membro de destaque do Partido Republicano
Rio-Grandense que realizara reunificação momentânea dos
republicanos situacionistas e da oposição liberal-pastoril, que
escovava sua produção em boa parte para os outros estados da federação.
Em 1930, a derrota eleitoral da Aliança Liberal determinou movimento
militar que perseguia essencialmente a restauração do equilíbrio
inter-oligárquico.
A segunda crise mundial do
capitalismo depreciou o valor das exportações primárias,
debilitando, por um lado, as oligarquias agro-exportadoras regionais,
em geral, e cafeicultoras, em especial, e, por outro, deprimindo a
capacidade importadora do Brasil, o que interrompeu relativamente a
importação de manufaturados, fundamental para o abastecimento do
mercado interno. Em 1930,
a produção industrial do Brasil, em expansão, superava a
rural-exportadora, em depressão.
Na direção do governo provisório,
Vargas iniciou intervenção na economia e na sociedade que apontou
para o desmonte da autonomia federalista-oligárquica da República
Velha, motivando a Revolução Constitucionalista, em 1932,
empreendida pela oligarquia paulista e apoiada por Borges de Medeiro,
principal intérprete no PRR do autonomismo rio-grandense. Como chefe
do governo provisório [1930]; como presidente constitucional [1934];
como ditador [1937], Vargas interpretou os interesses das classes
industriais burguesas, sobretudo dos segmentos dominantes paulistas e
cariocas, sendo por eles apoiado, repetindo, em forma potenciada, para
o Brasil, o programa de desenvolvimento mercantil-capitalista autonômico
do PRR, para o Rio Grande do Sul.
A crise capitalista mundial –
1929-1933 – deprimiu o mercado mundial de capitais, o valor dos
produtos primários, o consumo internacional, determinando que o
desenvolvimento da indústria no Brasil devesse necessariamente se dar
com capitais internos e voltado ao mercado interno, de dimensão
relativa e abastecida em grande parte pela produção internacional.
De 1939-45, a militarização da produção industrial estadunidense e
européia favoreceu o prosseguimento do processo de industrialização
por substituição de exportações, já política oficial do
getulismo. O Estado Burguês Nacional-Desenvolvimentista Autônomo se
serviu de medidas fiscais, tributárias, aduaneiras, etc., para apoiar-financiar
a industrialização através da transferência de renda do setor primário
e das classes populares. A industrialização efetuou-se através da
substituição de importações, inicialmente com a plena utilização
da capacidade industrial instalada e, a seguir, com a expansão do
parque produtivo. Esse processo deu-se no contexto de significativa
ampliação do consumo interno, destino quase essencial da produção
industrial do Brasil.
Opressão regional e social
O mercado interno, necessário à
reprodução ampliada do capital industrial, invertia a equação produção
interna e realização externa dominante na Colônia, Império
e República Velha. A destruição do federalismo garantiu mais livre
circulação nacional de capitais, trabalhadores, matérias-primas
e mercadorias, etc., em proveito do capital industrial do Centro-Sul,
sobretudo. Esse padrão de acumulação ensejou que os estados periféricos
conhecessem exploração semi-colonial em proveito dos Estados
centrais. Desde 1930, empreendeu-se a invenção da brasilidade
através da construção
de cultura, gosto, identidade, etc. nacionais necessários à
conformação de mercado interno nacional e do projeto
nacional-desenvolvimentista, burguês, centralizador, autoritário,
autonomista. A produção industrial e o mercado nacional foram os
agentes da construção do Estado-nação brasileiro burguês,
permeado por profundas e crescentes diversidades regionais e sociais.
Ele materializou, consolidou e ampliou o domínio das classes
burguesas nacionais − sobretudo de SP, RJ, RS
− sobre o
Brasil, em associação com os grandes proprietários rurais
subalternizados, sobretudo dos setores interessados na ampliação do
mercado interno.
Através de controle ditatorial e
populista da nação, o Estado Burguês Nacional-Desenvolvimentista
Autônomo implementou a política industrialista voltada para o
mercado interno que garantiu alta extração de mais-valia ao produtor
direto, através de salário médio próximo ao mínimo necessário à
subsistência, e aprofundou a exploração absoluta e relativa das
demais regiões, sobretudo pela burguesia de SP, RJ, RS. As regiões
periféricas do Brasil − Norte, Nordeste, etc. − foram
reduzidas, por um lado, a situação de produtoras de matérias-primas
e de mão-de-obra, remuneradas – uma e outra – abaixo de seu valor
e, por outro, a consumidoras de manufaturados vendidos a preço
superior aos do mercado mundial.
Em proveito sobretudo do
desenvolvimento das regiões onde se realizava a concentração e
centralização do capital industrial, o Estado Burguês
Nacional-Desenvolvimentista Autônomo assumiu a construção,
propriedade e gestão das empresas que, pela dimensão dos
investimentos requeridos ou pela demora da retribuição dos capitais
empregados, estavam além da possibilidade-interesse do capital
privado nacional – transporte, eletricidade, metalurgia, etc.
A área de propriedade pública
ensejou a expansão de segmento trabalhador industrial de maior poder
aquisitivo e melhor organizado que, sobretudo após o fim do Estado
Novo, transformou-se no eixo dinâmico do movimento sindical. Esse
segmento manteve-se sob a direção populista, do trabalhismo, e
colaboracionista, do PCB. O getulismo reconheceu ao núcleo central da
classe industrial – mantido
na submissão, política, ideológica e policial – os direitos
trabalhistas necessários ao funcionamento harmônico da ordem
industrial; à obtenção de consenso popular mínimo para o projeto
em curso; à expansão de mercado interno, etc. – oito horas, férias,
salário mínimo, etc.
Colaboracionismo e independência
O ingresso da classe operária no cenário
político-social, através de suas vanguardas, não se deu sob o signo
da independência, mas do colaboracionismo. Em momento algum, a
vanguarda do proletariado brasileiro propôs projeto autônomo,
dirigido aos segmentos trabalhadores e médios da cidade e do campo. A
expansão industrial promoveu a incorporação ininterrupta à produção
de trabalhadores, rurais e urbanos, com experiência cidadã
profundamente limitada, chegados de espaços sócio-produtivos pré-capitalistas,
para os quais a exploração capitalista sob relações contratuais
significava avanço econômico, político e social. Esses setores
dificultavam e deprimiam em forma tendencial a maturação-acumulação
de consciência-organização operária.
O PCB apoiou o industrialismo,
impulsionado pelo burocracia soviética – coexistência pacífica
– e pela hegemonia nas suas filas dos interesses favoráveis à burguesia
nacional industrialismo. Mesmo quando se opôs ao getulismo, o PCB
não disputou a hegemonia operária através de programa e de prática
classistas, mantendo a dependência à burguesia nacional-industrialista.
Nos estados periféricos, as
oligarquias agrárias mantiveram-se no poder regional, submetidas ao
poder federal. Sobretudo os proprietários rurais interessados na
expansão do mercado interno participaram em forma subordinada no
Estado Burguês Nacional-Desenvolvimentista Autônomo que garantiu
para todos os terratenentes a propriedade latifundiária e a não
organização dos trabalhadores rurais. As classes dirigentes dos
estados atrasados foram remuneradas política e economicamente
pela gestão autoritária e paternalista das classes trabalhadoras
urbanas e rurais regionais, tanto pelas classes dominantes regionais
como pelo Estado nacional.
A deposição de Vargas [1945]
expressou também a
hegemonia mundial do capital imperialista estadunidense, consolidada
na II Guerra, interessado na liberalização da economia
nacional para a exportação de capitais, insumos, tecnologia, indústrias,
etc. O bloco contrário ao industrialista autônomo foi formado
pelo imperialismo, pelo ainda frágil capital bancário nacional e
pelo latifúndio, sobretudo exportador – [UDN]. Esse bloco político-social
optou pelo golpismo ao compreender que não imporia, através do voto,
sua política de metamorfose do Estado e da nação. O projeto
nacional-desenvolvimentista burguês foi reapresentado em 1950, 1955,
1961, sob contexto democrático, se apoiando, portanto, para tal, em
forma mais substancial nos segmentos sociais operários e médios.
Nesse momento, o processo de acumulação de capitais através do
nacional-desenvolvimentismo burguês autônomo conhecia já
importantes barreiras objetivas, que nasciam da insuficiência de
capitais, dos limites do mercado interno, da dependência tecnológica,
etc.
Crise do desenvolvimentismo
burguês autônomo
Para superar o impasse, impunha-se
rompimento radical com o imperialismo −
controle do envio de lucro, dividendos, royalties;
maior centralização estatal da produção, devido à
crescente composição orgânica internacional do capital − CSN,
Eletrobrás, Petrobrás, sobretudo, FNM;
expansão e generalização dos bancos públicos – BNDE,
Banco da Amazônia, Banco do Nordeste;
expropriação sem pagamento do latifúndio; extensão da renda
e do direito de organização dos trabalhadores da cidade e,
sobretudo, do campo; desenvolvimento de ciência e da tecnologia
nacional estatal.
Imprescindíveis à continuação do
processo de industrialização autônoma do país, essas iniciativas
promoveriam a conseqüente queda da massa de capitais e de lucros do
capital privado nacional, devido ao crescimento das empresas estatais,
da moderna classe trabalhadora, ao aumento dos salários, etc. A
destruição do latifúndio, sem indenização, exigia quebra radical
do pacto existente entre a burguesia industrial e o latifúndio, com o
conseqüente fortalecimento da classe trabalhadora rural.
A burguesia industrial nacional negou-se
terminantemente a implementar medidas que questionavam, já a curto e
médio prazo, sua hegemonia sobre o processo. Dirigentes máximos do
desenvolvimentismo burguês autônomo, Getúlio Vargas e Jango Goulart
preferiram, respectivamente, o suicídio, em 1954, e o exílio, em
1961, a lançar mão à mobilização popular que ameaçasse as
classes que representavam. Diante do impasse, a burguesia industrial
nacional rompeu com o projeto desenvolvimentista autônomo, procurando
saída na associação-submissão ao capital imperialista e na repressão
aos trabalhadores. O rompimento acelerou-se quando os trabalhadores
passaram a reivindicar, com maior ou menor consciência, em forma
parcial, algumas das medidas necessárias à superação classista e
nacional do impasse. Como na Colônia, as classes dominantes
brasileiras vergavam-se às classes dominantes metropolitanas,
esperando, dessas, proteção contra às classes exploradas e
participação, mesmo subordinada, no processo de acumulação.
Apenas programa que propusesse o
prosseguimento do industrialismo, no contexto das necessidades das
diversas regiões e das populações das cidades e dos campos,
apresentado e dirigido pelo proletariado industrial, era capaz de
solucionar o impasse em que se encontrava o processo de produção e
reprodução do capital. Para isso, era necessário que o
proletariado, dirigido sobretudo pelos trabalhadores das grandes
estatais, superasse as propostas colaboracionistas defendidas por
segmentos sociais, interessados
no industrialismo e com divergência com o imperialismo e com o latifúndio,
mas opostos à superação da sociedade de classes, representados
sobretudo pelo PTB e pelo PCB − segmentos médios, aristocracia
operária, etc.
O caminho do meio
Em 1956-60, Juscelino Kubistchek
tentou superação parcial das contradições objetivas vividas pelo
industrialismo burguês autônomo através de rompimento com o FMI
[1959], abertura controlada do mercado ao capital imperialista
[montadoras]; financiamento da expansão econômica com a renda
popular [política inflacionária]. O caminho intermediário aumentou
o endividamento do país, inicio o processo de internacionalização
da indústria nacional, redistribuiu a renda em favor das classes
proprietárias, aprofundando a crise social e política, o que colocou
com maior premência a necessidade imperiosa da solução da contradição
do processo de produção e reprodução das riquezas pelo mundo do
capital ou pelo mundo do trabalho.
Em 1959, a eleição de Jânio
Quadros, liberal-populista independente, com o apoio da UDN e do
imperialismo, registrou o impasse político do industrialismo burguês
autônomo. Jânio Quadros tentou empreender desmonte liberal do
nacional-desenvolvimentismo autônomo, primeiro nos marcos legais, a
seguir, através de golpe gaullista. O comando das forças
armadas procurou servir-se de sua renúncia para pôr sob controle
direto a presidência da República, sendo impedido pela mobilização
popular dirigida por Leonel Brizola, governador do RS
[Legalidade]. A derrota do imperialismo e da direita civil e
militar não foi aprofundada com a dissolução do Congresso,
envolvido no golpe, proposta por Leonel Brizola e apoiada pela população
mobilizada, por decisão de Goulart, para não pôr sob ameaça o domínio
burguês. Goulart preferiu assumir o governo com poderes presidenciais
restringidos, restabelecidos plenamente em janeiro de 1963 [período
parlamentarista].
Após tentar inutilmente estabilização
econômica de caráter liberal e, a seguir, governo centrista com
apoio militar [4-7 de outubro de 1963], Goulart relançou o
nacional-desenvolvimentismo burguês autônomo, sem propor as medidas
político-econômicas necessárias a sua consecução e, sobretudo,
sem mobilizar-organizar as classes populares contra o golpe e pela
conquista da hegemonia nacional. Para o trabalhismo e para o PCB, o
desarmamento político, ideológico, organizacional e militar da
classe operária era pressuposto necessário à participação da
burguesia nacional-progressista, que já aderira plenamente ao
golpismo, no
projeto desenvolvimentista − [PTB e PSD].
O PCB mantinha hegemonia sobre o
movimento operário e social que pequenas organizações
socialistas-revolucionárias –
Polop, grupos trotskistas, etc. – jamais alcançaram a
questionar, mesmo parcialmente. Em 1964, as duas únicas soluções
para restabelecimento do processo de expansão
econômica eram o aprofundamento social da industrialização
autônoma, sob a
hegemonia das classes trabalhadoras, ou o prosseguimento do processo
de acumulação de capitais, em associação-inserção ao capital
internacional. Revolução e contra-revolução eram os dois únicos
caminhos que se apresentavam objetivamente à sociedade brasileira.
IV.
GÊNESE, CONSOLIDAÇÃO E CRISE DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO BURGUÊS
ASSOCIADO
Primeiro governo liberal
A vitória do golpe de 1964
constituiu dolorosa negação da proposta de entregar a direção do
desenvolvimento autônomo às classes burguesas brasileiras. O golpe
foi apoiado pelo imperialismo; pelo capital financeiro; pelo latifúndio;
por parte das classes médias; pela Igreja; pelo capital bancário
nacional e praticamente por toda a burguesia industrial brasileiro,
com destaque para sua vanguarda paulista. O governo ditatorial
despediu, prendeu, torturou, expatriou, executou políticos,
sindicalistas, militantes, etc.; interveio nos sindicatos, nos
partidos, etc.; fechou jornais, editoras, etc.; expurgou
parlamentares, oficiais, soldados, marinheiros, etc., tudo para criar
as condições para a imposição de novo padrão de acumulação do
capital apoiado na super-exploração dos trabalhadores e confisco de
conquistas sociais históricas – valor do salário mínimo; duração
da jornada real do trabalho; estabilidade do emprego, etc.−
aumentando, assim, a taxa de acumulação de mais valia, sobretudo
absoluta.
Desorganizado por sua vanguarda política,
o movimento operário e social não opôs a necessária resistência
de massa e armada ao golpe de 1964. Tal fato constituiu derrota histórica
que desequilibrou a correlação de forças em favor do capital e em
detrimento do trabalho, determinando profundamente a vida política,
econômica, social, ideológica do Brasil desde então. O golpe de
1964 influenciou significativamente o processo de contra-revolução
latino-americana e mundial, que obteve vitória em fins dos anos 1980
– Queda do Muro de Berlim. Após disputa entre as facções das
classes dominantes nacionais, que se expressaram nas diversas
candidaturas do alto mando militar, o primeiro governo ditatorial
representou sobretudo o imperialismo e o então frágil capital bancário
nacional [UDN], obrigados a concessões ao setores industriais
brasileiros. No contexto da nova ordem ditatorial, retomava-se e
expandia-se o projeto empreendido confusamente por Jânio Quadros.
O governo Castelo Branco implementou,
gradualmente, medidas liberais, recessivas e antiinflacionárias. A
liberação das remeças de capitais; indenização régia do capital
expropriado; corte de despesas e investimentos; diminuição dos subsídios;
restrição do crédito; arrocho salarial; desvalorização cambial,
etc. ensejaram recessão, inflação, desemprego, queda do poder
aquisitivo. Em 1965, o crescimento do PIB foi igual a zero. A política
recessiva fortaleceu oposição social crescente ao regime ditatorial,
primeiro, dos segmentos médios [eleições de 1964; revolta
estudantil, em 1967]
e, finalmente, da classe trabalhadora
[greves operárias de 1968]. A recessão obrigou, em vez das exigidas
privatizações das empresas públicas, investimentos no setor público,
para limitar o processo econômico depressivo.
O prestígio da Revolução Cubana
[1961], da Revolução Cultural Chinesa [1966], da Revolução
Vietnamita e o desprestígio do colaboracionismo nacional-reformista
ensejaram que o PCB perdesse sua hegemonia e enorme parte de seus
quadros, dando lugar a pequenas organizações militaristas formadas
sobretudo por estudantes das classes médias e praças
nacionalista-revolucionários, que empreenderam ataque militar
incondicional ao Estado, a partir de fins de 1967. Em geral, as
organizações que se lançaram à conquista armada do poder
mantiveram os programas nacional-colaboracionistas – Libertação
Nacional. Apoiado no Brasil e na América Latina pelo Secretariado
Unificado da IV Internacional, o militarismo constituía também clara
rejeição do caráter hegemônico das classes operárias industriais
no processo de emancipação social.
Nacional-desenvolvimentismo
burguês associado
A oposição sobretudo da poderosa
burguesia industrial paulista e a crise social determinada pela política
liberal-recessiva determinaram que o segundo governo militar
[15.3.1967] retomasse o nacional-desenvolvimentista burguês, em associação com o capital internacional, através de
medidas autoritárias. Expressão das necessidades da grande burguesia
industrial brasileira, em geral, e paulista, em especial, o novo padrão
de acumulação foi financiado por empréstimos mundiais; pela renda
do trabalho [arrocho salarial]; pela renda nacional [cortes de
investimento sociais]; pela renda regional [expropriação-centralização
federal das rendas dos estados e municípios]. O recurso ao capital
internacional; a crescente liberalização da circulação de
capitais; o pagamento incondicional da dívida; a adesão política ao
anticomunismo, etc. determinaram a consolidação da aliança relativa
do bloco nacional-burguês ao imperialismo, mesmo após a
reorientação em detrimento do projeto castelista, apoiado pelo
capital financeiro internacional.
A retoma econômica deu-se com o
fortalecimento da área pública [PETOBRÁS, Banco do Brasil, etc.];
com a criação de novas estatais [EMBRAER, TELEBRÁS, NUCLEBÁS,
etc.]; com a modernização do parque industrial; com o
desenvolvimento da tecnologia e da ciência nacional [qualificação
da universidade pública]; com a modernização capitalista do campo,
etc. Ela privilegiou as regiões industrializadas – SP sobretudo,
RJ, MG, Rio RS, secundariamente –, aprofundando a exploração das
regiões periféricas, principalmente o Norte e o Nordeste. O novo
padrão de acumulação expressava a dominância da grande burguesia
industrial em parceria com o capital bancário, principalmente
paulistas, sobre o país, em associação com os proprietários rurais
e o imperialismo.
O limite do mercado interno, um dos
motivos do impasse do período anterior, foi superado, sobretudo, com
a expansão das exportações de produtos primários e secundários
– mais de 20% ao ano – e com a expansão do consumo de bens
duráveis e semiduráveis para segmentos médios e altos da população,
grupos sociais fortalecidos pela crescente concentração da renda. A
associação da produção interna – financiada com incentivos e
pelo arrocho salarial –, à realização externa, permitiu
desenvolvimento da taxa de acumulação do capital nacional. Ainda que
em crescimento, o mercado interno decaia relativamente como espaço de
realização da produção interna, retomando tendencialmente a
realidade conhecida na Colônia, no Império e na República Velha.
O novo regime impulsionou a concentração,
a centralização e a liberalização do sistema bancário e
financeiro nacional, para que apoiasse o desenvolvimento industrial e
agrário capitalista do país. O fim do financiamento dos gastos públicos
com a desvalorização da moeda era exigência do capital financeiro
internacional. A intermediação da interiorização de capitais; o
crescimento do volume e das formas de crédito; o lançamento de títulos
da dívida pública como meio de financiamento estatal, etc.,
promoveram forte impulso da acumulação do capital bancário
nacional, que conheceu taxas de crescimento sempre superiores ao do
capital produtivo. A manutenção de reservas de mercado para a indústria
nacional foi estendida ao capital bancário e financeiro nacional,
através da restrição ao estabelecimento de bancos estrangeiros no
país.
Uma nação grande
O projeto nacional-desenvolvimentista
autoritário e associado propunha a promoção do Brasil no contexto
internacional, ensejando alguns fortes atritos com a administração
USA. O governo militar retomou a proposta getulista de controle da
energia atômica e, conseqüentemente, da bomba nuclear, através de
acordo com a Alemanha [1975] e apoiou o desenvolvimento de indústria
nacional de armamentos – ENGESA − e informática. Na política
externa, para construir-se área de influência internacional, apoiou
a independência dos Estados africanos de língua portuguesa, em oposição
ao imperialismo estadunidense e europeu. No estágio virtuoso do
ciclo, o nacional-desenvolvimentismo associado e autoritário ensejou
crescimento da produção, do mercado e da renda interna, que já
sofriam a pressão da crescente exportação de capitais, devido às
trocas desiguais de valores e à expatriação incessante de capitais,
sob a forma de royalties, lucros e dividendos. Como no período
anterior, o Estado Burguês Nacional-Desenvolvimentita Associado
expressou sobretudo a burguesia industrial, com destaque para a
paulista, agora em associação com o capital bancário e financeiro
nacional, crescentemente fortalecido. Com a penetração capitalista
no campo, o latifúndio pré-capitalista perdeu crescentemente força
no Estado. O crescimento da força econômica direta e indireta do
capital imperialista no país expressava-se em forma indireta no
Estado.
Apesar de ser acompanhado de
endividamento financeiro, público e privado, nacional e
internacional, e de internacionalização tendencial da produção, no
que se refere ao controle da produção [controle acionário das
empresas] e a sua realização [orientação exportadora], o novo padrão
de acumulação ensejou um elevado nível de crescimento do PIB –
dez por cento anuais –, determinando o fim da fratura dos
diversos setores das classes proprietárias; o apoio substancial das
classes médias à ditadura; a mais fácil neutralização da classe
operária; o isolamento sobretudo da esquerda militarista, que
prosseguiu o ataque militar incondicional ao Estado, mesmo quando o
ciclo econômico expansivo já se instalara plenamente.
Despreocupados com o estágio de
organização e da consciência dos trabalhadores, que propunham dinamizar
através de atos armados excelentes, os grupos militaristas foram
destruídos política e fisicamente, movimento repressivo que se
expandiu à esquerda reformista e classista. [Nov. 1969, morte de
Marighella; maio 1970, desbundados na TV]. Derrotados
politicamente, desbaratados organicamente, isolados socialmente,
milhares de militantes partiram para o exílio, dispersaram-se,
abandonaram a luta, foram presos ou mortos, dissolvendo-se as
principais organizações – ALN, VAR, VPR, etc. –, para sempre,
sem jamais realizar-se balanço sistemático efetivo sobre as raízes
profundas da aventura militarista empreendida em nome das classes
trabalhadoras.
Em meados dos anos 1970, a terceira
crise cíclica do capitalismo elevou a taxa de juros, retraiu o mercado, deprimiu o consumo mundial, determinando
que explodissem a dívida pública e privada brasileira, enquanto os
preços e o volume das exportações nacionais recuavam. Durante o
ciclo expansivo, o capital bancário e financeiro conheceu taxa de
lucro sempre superior ao do capital produtivo. Durante o ciclo
virtuoso, o capital financeiro abocanhava parte do lucro do
capital produtivo. O capital bancário e financeiro manteve a expansão
no ciclo depressivo, apropriando-se de parte crescente da taxa
de lucro decrescente do capital produtivo nacional e, muito logo, de
parte do próprio capital industrial nacional.
O renascimento do movimento
sindical
O governo Geisel retardou a crise de
acumulação através de promoção de ambicioso plano de
desenvolvimento de indústrias de base, Porém, rendendo-se ao
ultimato do capital financeiro, já no fim do governo Geisel e durante
o governo Figueiredo [1979-85], para garantir o pagamento
incondicional da dívida, a administração federal promoveu as
medidas liberais exigidas pelo capital internacional para promover as
exportações, produzir excedentes comerciais, obter superávits orçamentários,
etc. Os cortes de investimentos, as restrições dos gastos sociais, a
apropriação inflacionária da renda do trabalho, etc. determinaram
recessão, retração do consumo, crise do mercado de trabalho.
No final da ditadura, ainda sob a
hegemonia de Estado que representava os interesses industrialistas
nacionais, sobretudo paulistas, instaurou-se a exploração plena pelo
capital financeiro e bancário nacional e internacional da produção
e da sociedade brasileira. Em 1980-86, o Brasil transferiu aos USA,
como renda líquida, mais de 64 bilhões de dólares, 56 bilhões dos
quais apenas como juros. Os grandes grupos produtivos nacionais
procuraram contornar essa realidade participando da expropriação
financeira, ao fundarem bancos e entes financeiros próprios.
A recessão, inflação e arrocho
salarial promoveram o renascimento da luta sindical, a partir de 1977,
liderada pelo setor metal-mecânico paulista e bancário nacional,
fortalecidos durante o Milagre Econômico. Em 1979, o Brasil
conheceu verdadeiro Ano Vermelho, através de poderoso ciclo grevista
sobretudo por reposição salarial – metalúrgicos, bancários,
professores, construção, motoristas, etc. Apesar da derrota parcial das reivindicações econômicas, a
força do movimento social permitiu vitória política materializada
na fundação do PT, em 1980, e da CUT, em 1984. Em 1979, no norte do
RS, com o apoio da Igreja progressista, colonos de origem alemã,
italiana, polonesa, etc., expulsos de reservas indígenas, ocuparam a
Fazenda Anoni, antes de 1964, centro da luta no RS contra o latifúndio,
dando origem, mais tarde, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra.
O PT e a CUT foram fundados por
sindicalistas classistas, católicos progressistas, marxistas
organizados, ex-militaristas dispersos, intelectuais de esquerda, etc.
O PT e a CUT nasceram classistas e tendencialmente anti-capitalistas,
ainda que tal orientação geral não se expressasse em forma clara no
programa partidário. Lula da Silva, que se encontrava à
frente do poderoso sindicato metal-mecânico paulista quando do ciclo
grevista, assumiu a direção do processo de fundação do PT e da
CUT.
Diretas, Já!
Em 1984, o movimento social conheceu
importante derrota. A luta pelas Diretas já! efetuou-se sob a
direção das facções das classes proprietárias e médias, com
contradição com a ditadura, mas interessadas em manter a sociedade
de classe. A derrota popular materializou-se nas eleições indiretas
do presidente e do vice-presidente por Colégio Eleitoral que, em
janeiro de 1985, elegeu dois políticos burgueses recém-chegados das
filas da Ditadura. Em nenhum momento exigiu-se o esclarecimento dos
atos de corrupção e dos crimes cometidos durante o período militar,
permitindo que o aparado político-militar ditatorial se
metamorfoseasse, adaptando-se aos novos tempos.
Apesar dos mais de dois milhões e
meio de populares mobilizados em São Paulo e no Rio de Janeiro [abril
de 1984], o movimento operário e popular foi derrotado, mais uma vez
sem lutar, já que sua direção foi incapaz de decretar a greve
geral, discutida pela direção do PT e da CUT, e balbuciada por Lula
da Silva. Novamente, a
classe operária manteve-se atrelada à direção burguesa e
pequeno-burguesa democráticas.
Sobretudo após o Plano Cruzado, o
governo Sarney [1985-1990] prosseguiu a subjunção da sociedade
nacional ao pagamento do grande capital financeiro, através do corte
de investimentos e de gastos sociais e, sobretudo, do confisco
inflacionário da renda popular. No final do governo, a inflação
alcançava os 80% ao mês. Em 1971-80, o PIB conhecera média anual de
crescimento de 8,6%; em 1981-1990, pouco inferior aos 1,6 %. A estagnação
econômica iniciou processo de fragilização objetiva das classes
trabalhadoras, sobretudo industriais.
Em fins de 1989, após mais de uma década
de estagnação econômica, o PT concorreu, em segundo turno, contra o
candidato da totalidade das classes proprietárias, apoiado, este último,
por toda a grande mídia. O programa democrático radical petista
defendia a rejeição da dívida internacional; o apoio e a expansão
à propriedade pública; a recuperação do salário mínimo; o
crescimento dos gastos sociais; a reforma agrária. Propunha,
portanto, apenas parcialmente as medidas necessárias à retomada do
nacional-desenvolvimentismo autônomo. É crível que Lula da Silva
tenha sido derrotado devido à desestabilização emocional motivada
pela denúncia caluniosa e ao favorecimento de Collor de Mello, pela
Globo, durante o último debate. Leonel Brizola morreu externando a
opinião de que houve trapaça na totalização dos votos, cabendo a
vitória a Lula da Silva.
V. A CONTRA-REVOLUÇÃO NEO-LIBERAL – ESTADO, NAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Não
temos ainda estudos sobre o processo de flexão da revolução mundial
diante da contra-revolução, empreendida, em sua última fase, através
da cruzada neoliberal de Thatcher, Reagan e Wojtyla. Certamente
desempenharam papel essencial nesse processo as derrotas da Revolução
Chilena, em setembro de 1973, da Revolução Portuguesa, em 1976, e o
impasse da Revolução Afegã, em 1979. Em fins de 1980, isoladas, as
revoluções nicaragüense e salvadorenha depuseram as armas, apesar
de política e militarmente vitoriosas.
O
esgotamento do dinamismo das tendências progressistas ensejadas pela
expropriação da propriedade nas nações de economia planificada; o
confronto sino-soviético; o esforço militar exigido pela corrida
armamentista imposta pelo imperialismo foram alguns fatores
determinantes na restauração capitalista. Esses fenômenos
materializaram-se devido à incapacidade das classes trabalhadoras nos
países de economia nacionalizada de sobreporem-se à ordem política
burocrática. A maior expansão da acumulação capitalista, devido ao
desenvolvimento tecnológico e à super-exploração do mundo do
trabalho, permitiu que a maré conservadora se sobrepusesse ao avanço
revolucionário e os países operários.
Em
dezembro de 1989, o Muro de Berlim caiu sob a pressão e a atração
do capitalismo triunfante e não sob a mobilização anti-capitalista,
dos trabalhadores do Oeste, e anti-burocrática, das populações do
Leste europeu. Soldava-se, assim, a fratura aberta, em 1917, e
ampliada, após a Segunda
Guerra, pelo trabalho, no mundo do capital, com a construção dos
primeiros espaços geográficos tendencialmente livres da acumulação
capitalista.
Com
a vitória da contra-revolução, a irracionalidade sobrepôs-se
crescentemente à proposta de reorganização social baseada na
solidariedade e na racionalidade. Deprimiu-se o prestígio do marxismo
e do racionalismo como meios de explicação do mundo. O lucro
tornou-se a pedra de toque social. Multidões de intelectuais de
esquerda desenvolveram operações revisionistas, acomodando-se à
nova ordem, saltaram para o outro lado da trincheira. As propostas de
reforma social foram apontadas como macabros mitos ideológicos. Os
sindicatos enfraqueceram-se. Partidos operários e socialistas
dissolveram-se ou assumiram orientação social-liberal.
Maré
conservadora
Através
do mundo, o desaparecimento dos Estados operários e a maré
conservadora corroeram conquistas sociais históricas e ensejaram
privatizações dos bens estatais e cortes dos investimentos públicos
e sociais. Sob a égide de organismos internacionais – FMI, Banco
Mundial, OMC, OCDE, etc. – impuseram-se medidas fiscais e monetárias
para a transferência de riquezas através do pagamento do capital
financeiro.
Tendo
como prova suas derrotas, decretou-se o caráter
ontologicamente reformista da classe trabalhadora, a morte do
socialismo, a impertinência do marxismo. Propôs-se nova fase da História
onde o progresso e a felicidade seriam garantidos pelo desenvolvimento
incessante da economia de mercado, livre de qualquer estatismo [Fim
da História]. Doravante, o mundo seria mero desenvolvimento
ininterrupto e pacífico da organização social capitalista e de
mercado.
A
dissolução do chamado Bloco Socialista promoveu forte aceleração e
reorientação do
processo de globalização e internacionalização da produção
capitalista. A bipolarização e o equilíbrio relativo entre os dois
blocos e as duas potências hegemônicas, que refletia, ainda que em
forma distorcida, o confronto entre o mundo do trabalho e do capital,
foram substituídos.
pela
dominância do grande
capital e
do bloco capitalista, sob a hegemonia político-militar
estadunidense.
No
novo contexto, o grande capital aprofundou o processo de reorganização
tendencial do mundo segundo suas necessidades. Movimento que se
concretizou, se reorientou, se adaptou, etc. segundo a maior ou menor
resistência do mundo do trabalho e das nações envolvidas. Os
principais axiomas dessa reorganização mundial foram a
desregulamentação das relações sócio-econômicas; a mundialização
do mercado de trabalho, produção
e consumo; a mercantilização
das práticas sociais; o capital, a concorrência e o mercado como
formas de harmonização social; a retração do papel do Estado.
Estágio
senil
A
solução mesmo transitória das contradições estruturais do
processo de acumulação de capitais em seu estágio senil pressupõe
novas formas de organização e de dominação, sociais e nacionais. A
antiga organização do mundo em Estados nacionais tende a ser
superada, reapresentando-se, sob conteúdo patológico, a proposta dos
trabalhadores de um mundo sem fronteiras. Esse projeto tem primeira
concretização tendencial nos grandes blocos supranacionais – União
Européia, Nafta, Mercosul
– que tendem a determinar crescentemente as decisões sociais e econômicas
essenciais, subalternizando as instâncias de decisão nacionais.
As
vantagens para o grande capital da formação da União Européia é
bom exemplo desse processo. Com a unificação monetário-financeira,
desaparece a pluricentenária conversão e especulação monetária;
se estabelece a transparência de preços, salários, taxas e
impostos, etc. São também claros os sentidos políticos da
iniciativa. O processo de unificação iniciou-se em 1948, quando da
Guerra Fria, para criar aliança supranacional que se opusesse, no
Continente, à URSS, como segunda potência mundial, após a derrota e divisão da Alemanha. A unificação monetário-financeira
européia conheceu salto de qualidade em cenário distinto, sob a
crescente hegemonia alemã e com a nova Rússia capitalista mergulhada
em crise sistêmica, tornando-se o euro moeda internacional
de refúgio, sobretudo em relação ao dólar imperial.
A
unificação européia tem-se efetuado na esfera da circulação das
mercadorias, da mão-de-obra, dos capitais, da desregulamentação das
relações de trabalho, etc. e muito pouco no que se refere à unificação,
uniformização e generalização da legislação social e
trabalhista. Nesse sentido, a União Européia e a moeda única
facilitaram a migração das indústrias para as regiões de legislação
mais atrasada, agravando a degradação social e ambiental e ensejando
super-lucros para os capitais atuantes nesse novo espaço de 25
nações.
Com
sede em Strasbourg, na França, e em Bruxelas, na Bélgica, o
Parlamento Europeu cumpre função sobretudo simbólica, já que detém
escassos poderes reais. O poder real concentra-se no novo Banco
Central Europeu, com sede em Frankfurt, na Alemanha, responsável pela
política monetária geral, e em outros organismos burocrático-administrativos
comunitários, o que permite que o grande capital dialogue através
dos euroburocratas, dispensando as mediações dos políticos
nacionais.
A
gestão das decisões estratégicas pelos órgãos supranacionais e a naturalização
das alternativas sociais e econômicas tornam a democracia
representativa encenação crescentemente formal. Nesse sentido, a
rejeição da população francesa e holandesa, quando do plebiscito
para a ratificação da Constituição européia, expressou a
crescente resistência da população do Velho Mundo à constituição
do espaço europeu como pátria do grande capital, em geral, e
europeu, em especial, através da destruição da autonomia e das
conquistas sociais nacionais.
Formações
supranacionais
A
internacionalização e a globalização em curso sugeririam a superação
dos Estados nacionais, por formações supranacionais, e, a seguir, um
processo de mundialização das relações humanas. O domínio dos
grandes blocos internacionais por potências nacionais, expressões do
grande capital imperialista, assinala o caráter fantasmagórico da
dissolução dos Estados nacionais, no que se refere às nações
hegemônicas que, ao contrário de flexibilizarem suas fronteiras,
reforçaram sua unidade nacional – USA, Alemanha, Inglaterra, França,
etc.
Sob
essas novas determinações, expressam-se fortes tendências
neo-separatistas de regiões enriquecidas que almejam romper laços
com territórios nacionais marginais ou periféricos. No passado
recente, as regiões hegemônicas e ricas dos Estados nacionais
defenderam ferreamente a unidade territorial, questionada pelas regiões
periféricas, objeto de semi-colonialismo interno –
Inglaterra-Irlanda-Escócia; Norte-Sul dos USA; Castela-Catalunha-País-Basco;
Norte-Sul da Itália; Sudeste-Sul e Nordeste do Brasil; Buenos Aires-
provinciais.
No
século 17 e 18, a unidade nacional surgiu da necessidade da produção
industrial nascente de mercados cativos. Em forma geral, interesses
econômicos regionais promoveram, por diversos caminhos e com diversas
justificativas, a gênese de Estados nacionais que originaram
Estados-nações. Em
meados do século 19, extravasando a capacidade de consumo nacional, a
produção capitalista européia ensejou a partição imperialista do
mundo. No século 20, a doutrina da autodeterminação nacional foi
apoiada pelo capitalismo estadunidense interessado no fim dos
exclusivismos e na internacionalização da circulação das matérias-primas,
mercadorias e capitais. Hoje,
vive-se inversão da orientação de incorporação dos territórios
pobres pelos ricos, com os territórios nacionais desenvolvidos
procurando separar-se dos atrasados.
Novas
realidades econômicas hegemônicas exigem novas formas de organização
sócio-espacial. A globalização do capital exige novas formas de
reorganização nacional. A grande produção industrial necessita que
regiões do mundo conheçam formas reduzidas-inexistentes de independência
nacional, para que a circulação livre de capitais, força de
trabalho, mercadorias, matérias-primas e tecnologias desenvolva-se
segundo as suas necessidades. O grande capital almeja reorganização
territorial das riquezas e das populações.
Estado
neoliberal
Territórios
de Estados-nações, que funcionaram no passado como reserva de
mercado e fornecedores de matérias-primas e de mão-de-obra, tendem a
ser crescentemente descartados por regiões industrializadas ou
ricas em recursos, que realizam suas produções, mais e mais
internacionalizadas, no mercado mundial. A formação de micro-nações,
providas de Estados formais, separadas de territórios densamente
povoados, enseja a exploração intensiva das matérias-primas,
segundo as necessidades do capital, em contexto de autonomia apenas
formal. Há décadas, tal receita é utilizada nos ‘protetorados’
petrolíferos do Oriente Médio.
Na
Europa, essas orientações já se materializam, como realidade ou
tendência. Na Itália, as ligas nortistas tentam dominar
politicamente o norte da península e propõem o rompimento dos laços
nacionais com o Sul atrasado, monopolizando as riquezas regionais
drenadas, em boa parte, dessa região, durante décadas de verdadeira
ditadura unitarista. A unificação européia facilita enormemente
esse processo de autonomia regional.
A
violenta balcanização da Iugoslávia, sob
a ação política e militar da OTAN, querida e incentivada
sobretudo pelos Estados alemão, italiano e pontifical, concretizou e
sintetizou essas tendências. A independência da Eslovênia, que
iniciou a guerra fratricida, pariu micro-Estado de dois milhões de
habitantes que se incorporou à Europa, como semi-protetorado
da Alemanha. O Kosovo tem pouco mais de um milhão e duzentos mil
habitantes.
A própria dissolução da
ex-URSS, apoiada pelos USA e pela OTAN, foi animada, internamente,
pela miragem de crescimento nacional russo baseado no fim da anterior
solidariedade entre as regiões européias e asiáticas, menos
desenvolvidas, nascida da revolução de 1917. No Iraque, a política
de separação das regiões ricas das amplas populações nacionais não
foi implementada plenamente pelos anglo-estadunidenses apenas devido
ao veto turco a Estado curdo e ao perigo da unificação do sul
xiita ao Irã.
>>>>
Segunda Parte>>>>
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