Entrevista a Mário Maestri
Lula e Alckmin são
"certamente diferentes, mas absolutamente iguais"
Por Valéria Nader e Mateus Alves
Correio de Cidadania Nº 522,
22/10/20
"Eu voto nulo precisamente
porque sei apenas o que é indiscutivelmente certo e que, sendo assim,
deveria ser anunciado, pública e claramente. Ou seja, que FHC, Lula
da Silva e Alckmin são certamente diferentes, mas absolutamente
iguais". Assim expressa sua opinião sobre o segundo turno das
eleições presidenciais o historiador Mário Maestri, em mais um número
em que este semanário procura debater o pleito que se avizinha.
Maestri avalia o significado do voto nulo, as semelhanças e diferenças
entre os candidatos à presidência e pondera que o fortalecimento da
esquerda depende, inexoravelmente, da "dura e complexa luta pela
constituição crescente do mundo do trabalho como sujeito histórico,
processo indiscutivelmente inacabado no Brasil".
Correio da Cidadania: Qual a sua
avaliação sobre a situação política do país?
Mário Maestri: Creio que o mundo
do trabalho não tenha conhecido, na história recente, uma situação
política e ideológica tão dramática como a atual. O recente pleito
registrou indiscutível revigoramento geral das forças conservadoras,
verdadeira ressaca motivada pela gestão neoliberal do país nos últimos
quatro anos, pelo PT, por duas décadas o grande partido da esquerda
no qual a população depositara suas esperanças.
Esse enfraquecimento das já frágeis
forças sociais e populares expressou-se, eleitoralmente, na consolidação
do conservadorismo do PT. Efetivamente, fortaleceram-se poderosamente
no PT os representantes diretos da submissão ao grande capital,
reelegendo-se notórios corruptores e corruptos, enquanto as tendências
social-democratas de esquerda, como a Democracia Socialista, a
Articulação de Esquerda, a Tendência Marxista, o Bloco Socialista
etc., foram duramente penalizadas no pleito.
Esse movimento expressou-se também
no doloroso fracasso eleitoral da Frente de Esquerda, apenas
semi-maquiado pela importante votação da senadora Heloísa Helena,
conquistada sobretudo devido à campanha de cunho essencialmente
moralista que muito pouco contribuiu para a construção do necessário
pólo de resistência classista e socialista ao grande capital.
O PSOL, locomotiva da Frente de
Esquerda, perdeu quatro deputados federais, entre eles Babá, seu mais
combativo parlamentar. O PSOL recuou, igualmente, no que se refere aos
deputados estaduais. As votações de Chico Alencar e Luciana Genro não
responderam ao esperado e não se transferiram ao PSOL. A votação pífia
consolidou o PSTU como núcleo sindicalista radical incapaz de se
transformar em direção política de raízes populares. Relativamente
às suas forças, o pequenino PCB foi também golpeado.
O fracasso da Frente de Esquerda
registra-se igualmente no fato de que a campanha não tenha
impulsionado o necessário movimento de reunificação política e
programática das forças da esquerda socialista e classista no
Brasil.
CC: O que o senhor responderia a
lideranças, muito críticas ao governo, que propõem a opção pelo
candidato que, mesmo portador de sérias ambigüidades, poderia
representar, ainda que minimamente, o campo popular, sobretudo porque
disputa com autêntico representante do neoliberalismo?
MM: Diria a esses companheiros
que, apesar das boas intenções, incorrem em grave incompreensão de
interpretação da realidade, que aprofundará a confusão e
fragilidade do nosso já confuso e frágil movimento social e popular,
ao propor inexistentes diferenças de qualidade entre Lula e Alckmin
e, sobretudo, entre seus eventuais governos.
CC: Então, o senhor concorda com
aqueles que propõem que o projeto de ambos os candidatos é o mesmo,
com pequenas diferenças?
MM: Discordo e concordo. Alckmin
e Lula defendem, ambos, a ditadura do capital financeiro e
imperialista sobre o Brasil. Porém, não são, jamais, a mesma coisa.
Alckmin representa, sem mediações, a direita mais conservadora do
Brasil. Ao contrário, Lula é o representante de partido
social-democrata, com raízes populares e eleitorado plebeu, que
optou, muito antes da vitória de 2002, pelo social-liberalismo.
Entretanto, essa diversidade não significa que um ou outro governo
será mais ou menos nefasto ao país. Significa, sobretudo, que a
forma de implementar o projeto neoliberal será distinta. A identidade
entre os dois projetos determina que a disputa eleitoral seja,
sobretudo, não entre programas, mas entre simples aparatos partidários,
pelas benesses da representação política do grande capital.
Disputa, diga-se de passagem, que tem seu caráter cada vez mais
mafioso expresso nos golpes de dossiês, de escutas, de denúncias, de
ofensas etc.
CC: O que pensa da proposta de
apoio crítico e condicionado a Lula, defendida por setores à
esquerda, que se afastaram há tempos do PT e do governo? Pode ter
efetividade? Qual o seu posicionamento para o segundo turno?
MM: Apoiar Lula criticamente
significa crer que, no governo, ele será menos ruim do que Alckmin.
Minha posição no segundo turno deve-se à consciência de que ninguém
pode, em nenhum caso, dizer que a eleição de Lula vai fazer menos
mal do que a vitória do Alckmin.
Se Lula vencer, ele atacará as
conquistas sociais e a economia popular em forma ainda mais forte do
que fez no primeiro governo. E seu ataque será facilitado pela
desorganização da resistência dos trabalhadores, devido à cooptação
e corrupção das direções e organismos populares. É precisamente
devido aos bons serviços prestados na desorganização da resistência
dos trabalhadores que o grande capital tem entregado o governo para
partidos social-liberais na França, Itália, Inglaterra, Israel etc.
Se vencer Alckmin, haverá ataque
frontal ao mundo do trabalho, sem mediações. Teremos, porém, frente
popular e social mais ampla opondo-se à ofensiva, como ocorreu
durante o governo FHC, no qual o grande capital não pôde empreender
reformas neoliberais como a da Previdência. Até mesmo parte do PT
lutará contra as medidas antipopulares, pois não pode se confundir,
na oposição, com o governo, sob pena de perder parte de seu
eleitorado.
Se vencer Lula, as violências do
capital continuarão a ser vistas, mais e mais, num reflexo incorreto
por grande parte da população, como políticas de esquerda aplicadas
por líderes populares corrompidos, com as graves conseqüências que
conhecemos. Se vencer Alckmin, as ruindades do neoliberalismo terão,
para a população, a cara da direita.
Portanto, eu voto nulo
precisamente porque sei apenas o que é indiscutivelmente certo e que,
sendo assim, deveria ser anunciado, pública e claramente. Ou seja,
que FHC, Lula da Silva e Alckmin são certamente diferentes, mas
absolutamente iguais. E, assim sendo, a população e os trabalhadores
devem sobretudo preparar-se para resistir, seja quem for o presidente,
porque os sacos de maldades que Lula traz no ombro esquerdo e Alckmin,
no direito, são absolutamente iguais.
Entretanto, a proposta de exigir
que as candidaturas se pronunciem em tempo hábil, para uma decisão
eleitoral definitiva da esquerda classista e socialista, sobre questões
concretas fundamentais - como o respeito pleno à Previdência, à
legislação trabalhista e aos privilégios nacionais da Petrobras; a
aplicação efetiva de reforma agrária, através da ampliação da
legislação sobre os latifúndios improdutivos expropriáveis; o
aumento substancial e imediato do salário mínimo; a manutenção da
submissão do Banco Central ao governo nacional; a retirada das tropas
brasileiras do Haiti etc. - é uma medida tática a ser discutida, já
que permitiria que a população visualizasse melhor o caráter
anti-social das duas candidaturas.
CC: Como está e quais são as
perspectivas da esquerda em sua opinião? Como deveria caminhar um
processo rumo ao seu fortalecimento ou à sua reagregação, assim
como dos movimentos sociais?
MM: Acredito que, no Brasil, a debilidade eleitoral, política,
ideológica e organizacional da esquerda classista e socialista seja
expressão da profunda fragilidade do mundo do trabalho. Entre nós, a
chamada crise de direção é, sobretudo, produto da profunda crise de
constituição do mundo do trabalho, no que se refere a sua experiência,
consciência e organização. A traição das direções sindicais e
políticas é também expressão objetiva da fragilidade do movimento
social. Portanto, a superação da dura situação social e política
que vivemos não exige apenas a reunião das forças da esquerda
socialista e classista em torno de programa e de prática comuns.
Exige, igualmente, a dura e complexa luta pela constituição
crescente do mundo do trabalho como sujeito histórico, processo
indiscutivelmente inacabado no Brasil.
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