Sociólogo
Ricardo Antunes, um dos maiores especialistas em 'mundo do trabalho'
no Brasil, afirma que anulará seu voto
“Entre
Lula e Alckmin, não sei qual a opção menos nefasta
Por
Gilberto Maringoni
Carta
Mayor, 18/10/06
São
Paulo.- O sociólogo Ricardo Antunes é um dos maiores especialistas
brasileiros no estudo das mudanças no mundo do trabalho. Professor
titular de sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Unicamp e autor, entre outros, de 'Uma Esquerda Fora do Lugar: o
goveno Lula e os descaminhos do PT' (Autores Associados, 2006) e 'O
Caracol e sua Concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho'
(Ed. Boitempo, 2005), Antunes analisa o quadro eleitoral e diz que
anulará o voto no segundo turno. "Enquanto Alckmin é o
candidato da direita com face tradicional, o governo Lula é uma
expressão oriunda das lutas sociais que acabou abraçando propostas
de fundo direitista". A seguir, sua entrevista a Carta Maior.
Carta
Maior - Em quem o sr. Votou no primeiro turno?
Ricardo
Antunes - Votei em Heloísa Helena, para tentar tirar a polarização
do debate eleitoral apenas entre forças de centro. Era preciso que um
projeto de esquerda também tivesse voz. O resultado foi positivo. Os
votos da senadora, que liderava uma frente de partidos de esquerda,
chegaram a quase 7% do eleitorado, algo que ninguém apostaria há
dois anos. Com todas as dificuldades, ela conseguiu tangenciar a crítica
a uma política econômica financista, além de tangenciar o que seria
uma alternativa socialista. O PSOL foi pego de surpresa pela urgência
eleitoral. Precisamos realizar um balanço mais consolidado sobre o
quadro que se forma e aprofundar a construção partidária junto aos
movimentos sociais.
CM
- E agora no segundo turno, em quem o sr. vai votar?
Ricardo
Antunes - Vou anular meu voto.
CM
- Por quê?
RA
- É evidente que as candidaturas de Lula e de Geraldo Alckmin não são
idênticas, mas têm as arquiteturas de política econômica muito
semelhantes, de ligação com os bancos, com o capital financeiro e
com o grande capital industrial. Enquanto Alckmin é o candidato da
direita com face tradicional, o governo Lula é uma expressão que vem
das lutas sociais que acabou abraçando as propostas de fundo
direitista. Com isso, Lula age para desarticular as lutas sociais.
Fernando Henrique tentou por anos atacar a previdência pública e
taxar os aposentados, mas não conseguiu, pois enfrentou a oposição
dos movimentos sociais. O governo Lula mostrou-se extremamente
"competente" para desestruturar as esquerdas brasileiras,
que ficaram reduzidas a pedaços. O desafio do PSOL e dos movimentos
sociais é reaglutiná-los. A confusão gerada por Lula é tamanha que
ele é tido, pelos movimentos sociais, ora como inimigo, ora como
aliado ou ainda como parte de um governo em disputa. Assim, entre ele
e Alckmin, não sei aquilatar qual a opção menos nefasta.
CM
- Alega-se que Alckmin poderia privatizar o Banco do Brasil, a Petrobrás
e outras estatais...
RA
- Fala-se que Lula não vai privatizar. Mas o que são as PPPs
(Parcerias Público Privadas)? Esta foi uma criação feita nos anos
1980 pelo governo de Margareth Tatcher, na Inglaterra! O mais puro
neoliberalismo. Lula não privatizou grandes empresas porque estas
foram vendidas no governo FHC. Mas fez todas as reformas que FHC não
conseguiu, tendo a privatização da previdência e taxação dos
aposentados em primeiro lugar.
CM
- O que significa o voto nulo, além da negação aos dois candidatos?
RA
- É a primeira vez que voto nulo. É uma posição difícil. Mas não
se pode esquecer dos enormes prejuízos causados à esquerda e ao
movimento popular. Isso é feito de uma forma diversa do que faz a
direita. Enquanto FHC e Alckmin buscam criminalizar o MST, coisa que
Lula não poderia fazer, ele confunde os movimentos. Não fez nenhuma
reforma que sequer arranhe a estrutura do agronegócio e da concentração
secular de terras, mas deixa os movimentos de luta pela terra
dependentes dos recursos de seu governo. Qual o projeto mais nefasto?
O que o PT fez com a CUT foi converter a entidade em um apêndice do
estado brasileiro, com vários ex-dirigentes ligados a fundos de pensão
e à gestão dos fundos públicos e das estatais. Alckmin, por sua vez
vai avançar em posições anti-populares muito claras. Mas penso que
a mobilização social contra o governo Lula é muito mais difícil,
pois teremos os núcleos dirigentes do PT, da CUT e da UNE contra possíveis
mobilizações.
CM
- Como o sr. vê o PT nesse quadro?
RA
- O projeto político do PT hoje é desagregador. Eu reconheço que em
alguns aspectos, como na política externa, Alckmin é muito pior,
pois representaria o isolamento de Cuba, da Venezuela e da Bolívia.
Em relação à universidade pública, Lula é um pouco menos nefasto
do que foi FHC e do que, possivelmente, seria Alckmin. Mas é necessário
levarmos em conta o conjunto da obra, e não apenas pontos específicos.E
o PT converteu-se, na minha opinião, naquilo que Marx chamava de
partido da ordem.
CM
- Mas, sob este ponto de vista, não seria o caso, então, de se optar
pelo menos ruim?
RA
- Recorro a uma similitude para responder á questão: na Europa, as
reformas desse tipo foram feitas, em grande parte, por governos da
esquerda moderada, semelhantes ao governo Lula. É aquela
"esquerda que a direita gosta". Foi assim na França, na
Alemanha, na Espanha e em Portugal. Essa "esquerda"
mostrou-se mais capaz na destruição dos direitos e conquistas
sociais. O caso de Tony Blair, do New Labor, é exemplar.
CM
- Politicamente, que efeito o voto nulo terá?
RA
- Acho que não será desprezível em 29 de outubro, ainda que
certamente minoritário. Mas reitero que não aceitamos a dualidade
que a ordem quer nos impor, entre escolher alternativas de fundo
assemelhado. Mas, é importante dizer, esta não é uma questão de
princípio, mas uma avaliação política. Eu, por certo, jamais
votaria no PSDB, mas o PT precisa de uma entender que, de agora em
diante, terá sempre uma oposição à esquerda que saiu da condição
de gueto. Quase 7 milhões de votos para a Frente de Esquerda (PSOL,
PSTU e PCB) não são irrelevantes.
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