Ponencia
presentada al Encuentro de Revistas Marxistas de América Latina,
Montevideo,
septiembre 2000
A
luta pela
terra no Brasil
Rubim
Santos Leão de Aquino
1.A terra ficou nas mãos
de poucos
Desde a
conquista portuguesa no século XVI o modelo econômico imposto foi o
de concentração da terra em benefício de uma minoria e excludente
da maioria.
Com efeito,
a adoção do sistema de sesmaria, embora limitasse a extensão da
terra doada a uma légua de frente por três de fundos, jamais
foi respeitado pelo colonizador.
O sesmeiro
deveria professar a religião católica e dispor de capital suficiente
para colocar a terra para produzir em um prazo de dois a cinco anos.
Findo esse
prazo, a terra seria considerada devoluta e doada a quem a requeresse.
Entretanto,
a grande propriedade rural continuou como uma das características básicas
da economia brasileira, seja durante a fase do escravismo ou nas
etapas capitalistas do Brasil.
A grande
propriedade rural consolidou-se mais ainda com a Lei de Terras, de 18
de setembro de 1850, que inviabilizou o acesso à propriedade da terra
aos que não pertencessem às oligarquias rurais brasileiras.
A legislação
então aprovada estabelecia que a posse de uma terra deixava de
constituir uma base legal para o reconhecimento do direito de
propriedade. Era necessário que somente um documento assinado por um
juiz poderia fundamentar qualquer direito ao reconhecimento do direito
de propriedade.
Desse modo
nem os indígenas localizados em terras, que habitavam antes mesmo da
chegada dos brancos, teriam qualquer direito se não houvessem feito
petição ao juiz reivindicando direitos sobre as terras. Também
afastava-se, do ponto de vista legal, a possibilidade dos imigrantes
se tornarem proprietários. Somente após três anos de permanência
no país e mediante requerimento à autoridade competente, teriam
direitos à pequena propriedade rural em que viviam.
“Seguindo
uma tradição exportadora de produtos primários, a economia
brasileira optou mais uma vez pela monocultura, o que, no entanto, não
pode ser entendido de forma absoluta. Sendo assim, o latifúndio não
só dominou a paisagem rural do país, como teve, por necessidade, a
proteção governamental para a sua expansão. Era de fundamental
importância, portanto, a existência de mecanismos que viabilizassem
a aquisição de empréstimos para o plantio, obtido tanto pela
demarcação da propriedade fundiária pela Lei de Terra, quanto a
partir da lei de hipoteca rural, que deu as devidas garantias para os
financiadores.
Ao mesmo
tempo, o modelo econômico que se estruturava no Brasil constituía um
forte vínculo com o capital internacional. Diante da divisão
internacional do trabalho, os países cuja estrutura interna se
encontrava ainda arraigada às relações de produção de tipo
colonial constituíam-se como fornecedores de matéria-prima, bem como
consumidores de produtos industrializados. Essa última característica
permitiu a penetração do capital estrangeiro no país através,
principalmente, da importação de bens de capital para a lavoura
cafeeira.
(...)A Lei
de Terras foi um fator importante para a transformação da
propriedade da terra segundo critérios capitalistas. Quando por exigência
legal, então a partir de 1850, as terras não mais poderiam ser
ocupadas como ocorria no regime de posse, ou doadas quando no sistema
de sesmarias, mudava a forma de se adquirir uma propriedade no meio
rural, bem como o seu caráter.
Foi
introduzido, então, nas transações de aquisição de uma
propriedade rural o valor monetário, ou seja, a terra passava a ser
uma mercadoria, pois a utilização da moeda circulante para que se
pudesse adquiri-la constituía um pressuposto básico: a terra tornava-se
um meio comerciável, portanto, exigia-se a sua compra e não mais a
doação ou posse.
Com essa
transformação mudava também a mentalidade do proprietário rural.
Quando a sua propriedade passou a representar um valor comerciável,
alterou-se igualmente o símbolo de poder. Não era mais apenas a
extensão da propriedade que representava a riqueza ou seu valor puro
e simples, mas, entre outras coisas, a sua potencialidade comercial e
produtiva.
Com a lei
hipotecária de 24 de setembro de 1864, completava-se a inserção da
terra no cenário comercial, pois dava aos grandes proprietários a
condição necessária para aquisição de empréstimos para a expansão
de suas lavouras e para tornar a sua terra produtiva, além de
garantir os interesses dos seus financiadores.
A
propriedade rural passava a ter não somente essa caraterística, mas,
também, a de facilitar a aquisição de mão-de-obra, o que levou
grandes fazendeiros a ficarem em profunda dependência dos traficantes
de escravos. Assim, na segunda metade do século XIX, muitas dessas
propriedades passaram para as mãos desses comerciantes, já que com o
não pagamento das dívidas a hipoteca dava-lhes a aquisição
daqueles bens fundiários.
Dessa
forma, o latifúndio cafeeiro foi se organizando em bases capitalistas
e por isso se fortalecendo dentro da estrutura econômica do país,
pois viu a influência política desses latifundiários aumentar. Era,
então, necessário ampliar essas bases, o que muitas vezes não
ocorria conscientemente. Portanto, a ampliação dessas bases
contribuiu mais adiante para a tentativa de superação de uma
estrutura socioeconômica que tinha os seus dias contados. O desejo
dos cafeicultores em aumentar os seus lucros levou-os a encontrar
alternativas que superaram as que o modo de produção escravista
brasileiro poderia fornecer, contudo, sem condições ainda de
substituí-lo.” (AQUINO, RUBIM SANTOS LEÃO DE et alii, Sociedade
Brasileira: uma História através dos movimentos sociais, Rio de
Janeiro, Record, 1999, págs. 550 a 552).
Ainda que a
Lei de Terras tivesse fixado serem as terras devolutas monopólio do
Estado, a primeira Constituição Republicana, aprovada em 1891,
determinou fossem as mesmas transferidas para o controle dos Estados.
Com efeito, o Artigo 64 preceituava que as terras devolutas situadas
em seus respectivos territórios pertenciam aos Estados. Desse modo,
saíam do controle do Estado Nacional e ficavam nas mãos das
oligarquias estaduais. Como estas dominavam os governos estaduais,
muitas das terras devolutas foram incorporadas aos domínios dessas
oligarquias e de poderosas empresas de colonização.
2.As
fronteiras agrícolas pioneiras na década de 40
A partir de
1940 ocorreu uma visível expansão de fronteiras agrícolas pioneiras
em terras virgens do Paraná, Mato Grosso, Goiás, Pará, onde a
atividade econômica predominante tanto podia estar voltada para o
cultivo da terra em pequena escala ou para a criação do gado em
grande escala.
As novas
diretrizes governamentais estavam ligadas à necessidade de
incrementar processos produtivos necessários às mudanças sócio-econômicas,
sobretudo nas regiões sudestes do país. Nelas, o incentivo à
industrialização, paralelamente ao crescimento demográfico,
particularmente nos centros urbanos, exigia novo padrão de
desenvolvimento econômico. Em conseqüência, terras virgens
precisavam ser ocupadas por fronteiras agrícolas produzindo para o
mercado interno.
Essas
fronteiras agrícolas atraíram forte fluxo migratório que se voltou
para dinâmica produção agrícola. A abertura dessas regiões,
rapidamente valorizadas, despertou a cobiça de grande empresas
colonizadoras e de poderosos empresários rurais.
A violência
rapidamente surgiu como caraterística marcante da luta de classes.
“Os
camponeses reivindicam a terra com base em seu trabalho e na ocupação,
sendo suas reclamações, entretanto, quase sempre contestadas pelos
proprietários locais, pelos chefes políticos regionais, ou por
empresários mais ou menos distantes. Os grandes proprietários e
grandes companhias afirmam seus direitos sobre a terra contra as
reivindicações dos camponeses, e tentam apropriar-se das terras por
estes já ocupadas. É significativo que os direitos dos política e
economicamente poderosos não impedirão, muito provavelmente, os
camponeses de ocuparem a terra, mas irão por fim facilitar o processo
de sua expulsão. Isto quer dizer, por exemplo, que um futuro
pecuarista poderá se aproveitar do trabalho de limpeza do solo feito
pelo camponês, para aí plantar pastos e criar rebanhos onde
trabalhavam pessoas. Em geral, não é somente da terra que se
apropriam, mas também do valor criado pelo trabalho do camponês no
processo de ocupação.” (FOWERAKES, JOE, A luta pela terra,
Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1982, pág. 43).
Esses
camponeses das fronteiras agrícolas, em geral, eram posseiros,
ou seja, indivíduos que trabalhavam e produziam em uma terra que não
lhes pertenciam. Ou eram terras devolutas ou terras arrendadas.
Neste caso,
o proprietário alugava a sua propriedade por um período de tempo
relativamente curto. As condições contratuais variavam. Por vezes,
havia a obrigatoriedade do posseiro entregar parte da produção.
Havia casos de ficar obrigado a intercalar as áreas de cultivo de
algodão ou milho com o plantio de capim para o gado do proprietário
das terras, pois as terras seriam posteriormente utilizadas apenas
pela pecuária.
No caso das
terras devolutas a questão também eram complicadas do ponto de vista
legal: desde a Lei de Terras, ficara estabelecido que a aquisição de
terras somente poderia ser feita mediante compra.
Contra uns
e outros, atuaram proprietários locais e grandes empresas econômicas
que, associados ao capital nacional ou internacional, contando com a
conivência de políticos, juizes, polícia e autoridades estaduais e
federais. Recorrendo a jagunços e até mesmo às polícias militares,
além do apoio de juizes e tabeliães corruptos, praticavam todo tipo
de violência contra os posseiros e arrendatários; assassinatos,
agressões físicas, estupros, destruição de colheitas, prisões,
tornaram-se uma constante na vida desses trabalhadores do campo.
A propósito,
a palavra jagunço embora variando no tempo e no espaço, pode
ser entendida como sinônimo de capanga, valentão, brigão, bandido.
3.
As
lutas dos posseiros e arrendatários entre 1950 e 1964
Entre 1950
e 1964, ocorreu em diversos Estados do Brasil terrível conflito
armado em que se defrontaram posseiros e proprietários de terras em
um fenômeno pouco conhecido da sociedade brasileira.
Nesse
contexto foi destacada a atuação do Partido Comunista do Brasil (PCB),
claramente influenciada pela vitória da Revolução Chinesa, em 1949.
É
importante assinalar que o PCB fora colocado fora da lei desde 1947 e
seus militantes, em geral, levavam uma vida clandestina.
Um pouco
antes da conquista do poder pelo Partido Comunista Chinês, em outubro
de 1949, na revista Problemas, de maio de 1949, Luís Carlos
Prestes, Secretário Geral do PCB, escrevera um estudo sobre o caráter
do caminho revolucionário no Brasil. Defendia a tese de que a luta
deveria ser basicamente contra os Estados Unidos, em uma revolução
democrático-burguesa, antilatifundiária e antiimperialista.
“A luta
de nosso povo contra a exploração e a opressão crescentes, pelo
progresso e a democracia é, antes de tudo, a luta pela independência
nacional, contra o jogo colonizador do imperialismo americano. Mas é
igualmente, a luta contra os restos feudais, contra as formas pré-capitalistas
de exploração em que se baseia o imperialismo, adaptando-se aos seus
interesses para colonizar o país e submeter nosso povo a uma exploração
crescente e a uma opressão política cada dia mais vexatória e
insuportável.”
Embasado
nessas diretrizes revolucionárias, o PCB divulgou o Manifesto de
Agosto de 1950 defendendo a criação da Frente Democrática de
Libertação Nacional e a luta armada contra o Estado Burguês como o
caminho a seguir:
“É o
povo que luta porque não está disposto a ser reduzido à condição
de escravo. Diante da violência dos dominadores, a violência das
massas é inevitável e necessária, é um direito sagrado e o dever
iniludível de todos os patriotas. É o caminho da luta e da ação, o
caminho da revolução.”
“Para
realizar essa tarefa histórica, saibamos organizar e unir nossas forças
em ampla Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN), organização
de luta e de ação em defesa do povo, com raízes nas fábricas e nas
fazendas, nas escolas e repartições públicas, nos quartéis e nos
navios, em todos os locais de trabalho, enfim, nos bairros das grandes
cidades e nas aldeias e povoados para a luta.”
in FALCÃO, JOÃO - O Partido Comunista que eu conheci (20 anos
de clandestinidade), Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,
1980, pág. 388).
Em função
das novas palavras de ordem, militantes foram deslocados para o campo,
em áreas de conflitos já iniciados ou em vias de começar: Paraná,
Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro e
Espírito Santo.
Em alguns
desses Estados, a militância comunista local recebeu orientação
para se engajar em tarefas de organização dos movimentos de rebelião
no campo visando assegurar a posse da terra, direitos sociais e até
mesmo a reforma agrária.
Nesse
sentido, elementos comunistas procuraram orientar a formação de
sindicatos rurais e/ou associações rurais. No primeiro
caso, os sindicatos rurais tinham sua atuação voltada para a filiação
de trabalhadores rurais. Já as
associações rurais reuniam meeiros, trabalhadores rurais, pequenos
proprietários, posseiros em geral.
A luta
armada processou-se de maneira desigual e quase sempre as autoridades
foram coniventes ou se mostraram omissas diante da violência dos
poderosos, ainda que, na verdade, a maioria lutasse pelo cumprimento
de um direito constitucional. Com efeito, o Artigo 147 da Constituição
de 1946 estabelecia que “O uso da propriedade será condicionado ao
bem-estar social. A lei poderá (...) promover a justa distribuição
da propriedade, com igual oportunidade para todos.”
Entretanto,
o Artigo 145 da mesma Constituição rezava que “A ordem econômica
deve ser organizada conforme os princípios da justiça social,
conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho
humano.
Parágrafo
único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência
digna. O trabalho é obrigação social.”
Entretanto,
a divulgação das decisões do XX Congresso do Partido Comunista da
União das Repúblicas Socialistas da União Soviética, reunido em
fevereiro de 1956, marcou verdadeira reviravolta no comunismo mundial,
abalado por cisões nos partidos comunistas e por dissidências entre
as sociedades comunistas. Além da condenação dos crimes cometidos
sob o governo de Stalin (1928-1953) e de críticas ao culto da
personalidade por constituir um desvio ideológico, proclamou-se a
coexistência pacífica e a renúncia à luta armada como única via
para os comunistas chegarem ao poder.
O PCB
igualmente foi abalado pela invasão da Hungria por tropas soviéticas
em outubro de 1956.
Devido a
esses fatos, houve uma reformulação da linha política do PCB nos
movimentos de luta armada no campo.
A reorientação
das diretrizes pecebistas foram explicitadas na Declaração de Março
de 1958. “Se o documento reconheceu o atraso da organização e
das lutas camponesas naquela conjuntura, acabou propondo reivindicações
‘imediatas e viáveis’, evitando palavras de ordem mais radicais.
Não levou em consideração que a falta de uma pregação de conteúdo
mais avançado era, também, causa do atraso do movimento camponês.
Além disso, a reforma agrária não aparecia nas ‘reivindicações
viáveis’ e, mesmo quando a Declaração falou dela, na plataforma
da frente, foi de forma genérica (‘entrega de títulos de
propriedade’) sem tocar nem nas formas cooperativas e nem nos
financiamentos dessas novas propriedades. E mais: ‘facilitar o
acesso à terra (...) junto aos centros urbanos e vias de comunicação’
era não enfrentar o problema do latifúndio, diluindo o problema
central da questão agrária no Brasil (...)” (FALCÃO, FREDERICO
JOSÉ, Ilusões da Estratégia: o PCB do Apogeu à Crise do Stalinismo
(1942-1961), Rio de Janeiro, IFCS-UFRJ, Dissertação de Mestrado,
1996, mimeografado págs. 119 e 120).
A reformulação
das diretrizes a serem seguidas pelo PCB tiveram profunda influência
sobre a luta que ocorreu no campo. Muitos militantes acataram a nova
postura do Comitê Central e se retiraram dos movimentos onde estavam
inseridos. Alguns romperam com o Partido e continuaram engajados nas
lutas contra os empresários capitalistas. Uns poucos permaneceram na
área, mas, com posições bastante moderadas.
É bem
verdade que o impacto de Revolução Cubana reanimou a luta pela terra,
inclusive com a radicalização defendida pelas Ligas Camponesas,
fundadas em 1955, no Estado de Pernambuco.
Foi no
Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, que se organizou a
Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco.
Contudo, “a imprensa reacionária passou a apelidar a ‘Sociedade
Agrícola e Pecuária dos Plantadores e Pecuarista de Pernambuco de
Liga Camponesa, com o intuito de queimá-la, vinculando-a àquelas
extintas organizações fundadas em 1945. O apelido, no entanto, pegou
como visgo.” (JULIÃO, FRANCISCO, Que São as Ligas Camponesas?,
Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, Coleção Cadernos
do Povo Brasileiro, vol.1, 1962, pág. 29).
A reunião
de congressos e o incentivo à organização de novas ligas em outros
municípios pernambucanos e outros Estados, foram etapas preliminares
da fundação das Ligas Camponesas do Brasil. Adotando como lema Reforma
Agrária na Lei ou na Marra, a entidade sofria nítida influência
da Revolução Cubana.
Seu rápido
crescimento atemorizou as classes dominantes, inclusive quando ouviam
o Hino do Camponês, composto por Francisco Julião, importante
líder das Ligas.
“Companheiros,
irmãos de sofrimentos,
Nosso canto
de dor sobre a terra
É a
semente fecunda que o vento
Espalha
pelo campo e pela serra.
Coro
A bandeira
que adoramos
Não pode
ser manchada
Com o
sangue de uma raça
Presa ao
cabo da enxada.
Não
queremos viver na escravidão
Nem deixar
o campo onde nascemos
Pela
terra,
pela paz e pelo pão:
Companheiros,
unidos venceremos.
Hoje somos
milhões de oprimidos
Sob o peso
terrível do cambão
Lutando
seremos redimidos
A Reforma
Agrária é a solução.”
Além do
mais, a dinamização da Igreja Católica, após o Concílio Vaticano
II (1962-1965), estimulou movimentos sociais e a ida de militantes católicos
do Movimento de Educação de Base (MEB) para o campo.
A divisão
do movimento de luta pela terra e a violenta repressão desencadeada
com o golpe de 1964, contribuíram para o refluxo do movimento dos
posseiros.
4.
Movimentos milenaristas e messiânicos também ocorreram no campo
Nos séculos
XIX e XX, seja quando o Brasil ainda vivia sob domínio português,
seja no Império e mesmo na República, a sociedade brasileira
conheceu movimentos rurais milenaristas e messiânicos.
Por
movimento milenarista entendemos ser aquele de cunho social e
religioso integrado por pessoas que acreditam no retorno de Cristo à
Terra para garantir a todos um reino de prosperidade e paz.
Influenciados pelo Apocalípse bíblico. O Milenarismo esteve presente
no imaginário dos sertanejos, e, com ele, a concepção de que os
bens individuais deveriam pertencer a todos os membros da comunidade.
Além do mais, a rigidez das estruturas sociais, a marginalização
econômica dominante, a insensibilidade ou repressão das autoridades,
despertavam em muitos a esperança de construir no presente uma
comunidade baseada na igualdade, na paz e na felicidade antecedendo o
futuro reino celestial junto a Deus.
Messianismo
é o movimento social e religioso fundamentado na crença da chegada
de um enviado de Deus - o Messias - cuja orientação assegura a justiça
e a paz entre os homens, bem como a salvação de todos após a morte.
Em geral, o Messianismo ocorre em sociedades em que o nível de vida
é bastante precário e o descontentamento apresenta-se com muita força
ante as péssimas condições. Em conseqüência, os indivíduos
tornam-se receptivos a projetos de construção de uma comunidade
diferente da predominante, o que provoca a violenta reação das
classes dominantes temerosas de que o projeto se alastre e se
consolide. No Messianismo, aquele que é considerado o enviado de Deus,
apresenta-se como guia, ou conselheiro, por vezes sendo considerado
santo.
Dentre os
numerosos movimentos milenaristas e messiânicos, podemos destacar:
a Cidade
do Paraiso Terrestre, em Pernambuco (1817-1820);
o Reino
Encantado, também em Pernambuco (1836-1838);
os Mucker,
ou Santarrões, no Rio Grande do Sul (1872-1898);
Canudos,
nome pelo qual se tornou conhecida a comunidade de Belo Monte,
na Bahia; fundada por Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio
Conselheiro, em 1893; chegou a reunir cerca de 30 mil excluídos;
na localidade havia duas escolas, todos trabalhavam para todos, não
havia prostíbulos, nem tavernas, nem bebidas alcóolicas; em meio a
mais de cinco mil casas, construiu-se a Igreja Velha e a Igreja Nova;
destruído o núcleo após quatro expedições militares, com massacre
de população, degola de prisioneiros e envio de mulheres para prostíbulos
de Recife; o cadáver do Conselheiro foi desenterrado, sua cabeça
cortada e enviada a Salvador;
Guerra
do Contestado, assim chamada porque
ocorreu em território disputado pelos Estados do Paraná e Santa
Catarina, entre 1912 e 1916; sob a liderança dos chamdos monges,
criaram-se a Irmandade do Quadro Santo e as cidades santas,
formadas por sertanejos obrigados a cortar curto o cabelo e proibidos
de ter barba, daí o nome de Pelados; nessas cidades-santas
havia o igualitarismo e os velhos se tornariam moços; massacre,
incluindo fuzilamentos, prisioneiros queimados vivos, degola e
bombardeio de cidades-santas por aviões e canhões;
Revolta
dos Anjos que se deu em Goiás entre
1923 e 1925; também conhecida como Movimento de
Santa
Dica, pois era o apelido de Benedita
Cipriano Gomes que afirmava conversar com os anjos;
Caldeirão,
ou Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, organizado no Ceará,
entre 1926 e 1937 sob a liderança de José Lourenço Gomes; destruído
duas vezes;
Pau-de-Colher,
assim chamado porque se localizou em uma fazenda com tal nome na Bahia
(1937-1938);
Massacre
do Fundão, pondo fim à Comunidade
dos Barbudos, em 1938, no Rio Grande do Sul.
Aliás,
todas essas comunidades, fundamentadas em princípios contrários à
ordem estabelecida, foram destruídas mediante verdadeiros banhos de
sangue!
Afinal, em
uma sociedade concentradora de riquezas nas mãos de poucos, é
inadmissível a existência de comunidades baseadas em princípios
coletivistas, inclusive com práticas de democratização da terra.
5. Novas
lutas no campo
Desde a década
de 1980, em plena crise da ditadura militar, organizou-se um movimento
de luta pela terra cuja orientação e ação provocam crescente temor
às classes dirigentes.
Em 21 de
janeiro de 1984, em Cascavel, no Estado do Paraná, fundou-se o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na reunião estavam
presentes representantes de onze Estados do Brasil.
A nova
entidade de luta tem se fortalecido, em parte, devido aos problemas
criados pelo aceleramento do capitalismo no campo, onde se procura
estimular e ampliar grandes propriedades rurais, segundo o chamado
modelo norte-americano. Neste, adotam-se modernas técnicas, de produção,
incentiva-se o aumento da produtividade, emprega-se maquinaria agrícola
ultra-moderna. Propriedades seguidoras desse modelo receberam do
governo FHC cerca de 20 bilhões de reais para a produção,
especialmente de grãos para exportação. Esse programa envolve ainda
a melhoria dos portos de São Luís e Itacoatira, no norte do país, e
duas ferrovias: a Norte e a Centro-Norte.
Os
governantes “partem da tese de que, no mundo moderno capitalista, só
as grandes empresas são capazes de abastecer o mercado. Então tem de
ter uma empresa com capacidade de abastecer o supermercado de Chapecó,
de Porto Velho e de Fortaleza ao mesmo tempo. Com a agravante de que
esses complexos agro-industriais são todos multinacionais, então
houve também um estímulo à desnacionalização. Abro, como exemplo,
o último segmento, o de temperos, até esse já foi desnacionalizado
com a compra agora, por uma fast-food americana, da Arisco. Nem
o tempero os brasileiros estão controlando. São três multinacionais:
a Maggi, a Knorr e essa fast não sei do quê (RMB Ltda.)
O terceiro pilar da política deles é não acreditar na agricultura
familiar. Eles dizem em off, para nós, que é mais barato para
o governo aposentar o pequeno agricultor do que criar um programa de
subsídio, sabendo que no mundo inteiro a agricultura é subsidiada,
inclusive nos Estados Unidos, na Europa, no Japão.” (Entrevista de
João Pedro Stedile, in Caros Amigos, São Paulo,
Editora Casa Amarela, nº 39, ano IV, junho 2000, pág. 31).
Na
entrevista, Stedile denuncia ainda que atualmente a tecnologia agrícola
passou do controle da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) para as mãos das multinacionais que, em conseqüência,
dominam a biotecnologia. Stedile alerta, também, para o crescente
empobrecimento da agricultura no país. Segundo Stedile, estudos do próprio
governo apontam que “nenhuma propriedade no Brasil com menos de 50
hectares está conseguindo renda equivalente a um salário mínimo. E
nesse mesmo estudo eles alertam: se não mudar a política agrícola,
há uma bomba migratória instalada; nos próximos anos, de 8 a 13
milhões de pessoas que vivem no meio rural, sobretudo no Nordeste, irão
para as cidades. Podem não ir para o Rio, para São Paulo, que é
longe, mas irão para Salvador, Recife, Fortaleza. Que solução para
uma pessoa semi-analfabeta, com 3º ano primário!”
Apesar dos
efeitos nefastos da política neoliberal, que vem empobrecendo a
sociedade brasileira e contribuindo para aumentar os índices de
miserabilidade de amplos segmentos da população, o MST continua a
lutar para assegurar a propriedade da terra para quem nela trabalha,
pela democratização da terra mediante a reforma agrária, pela
montagem de acampamentos para a ocupação de terras vizinhas a
fazendas e pela organização de assentamentos para centenas de
posseiros, de rendeiros, de meeiros, de arrendatários, de
trabalhadores rurais diaristas e mensalistas, de pequenos proprietários,
não importa como classificá-los.
Nos
assentamentos existem poços d’água, postos de saúde, escolas.
O MST
dedica especial cuidado à educação dos assentados, mesmo porque
através dela pode se fortalecer a consciência de classe e da
cidadania. Além da escolaridade de crianças e adultos, a educação
também é voltada para a formação técnica de homens e mulheres
assentados. Por suas escolas passaram centenas de estudantes, não
poucos chegando a completar cursos universitários. Existem cerca de
1500 professores empenhados em educar segundo o método Paulo Freire e
a Teologia da Libertação.
“Agora
vamos ouvir
É a voz da
maioria
É o povo
explorado
Pela tal da
burguesia
São donos
do capital
Que juntou
com a mais-valia
Às custas
do sofrimento
De várias
categorias
Tem gente
passando fome
Tem gente
que nem tem nome
Outros
comem bóia-fria
Perguntaram
quanto somos, ei
Gritamos
somos milhões, ei, ei” (Canção da Luta, de Zoel Bonomo, do
MST-Espírito Santo).
O MST tem
uma direção coletiva, o que se explica pelo fato de que um dirigente
único tem representado uma experiência negativa pelo ocorrido em
anteriores movimentos camponeses: um único presidente pode ser
assassinado e até corrompido pelas classes dirigentes. Mediante eleições,
são escolhidos 21 dirigentes, sendo que, para ser aprovado, o futuro
dirigente, deve obrigatoriamente receber 50% mais um do total de votos
por Estado.
O MST mantém
ligações com a Pastoral da Terra, o Partido dos Trabalhadores, a
Conferência Nacional dos Bispos (CNBB) e entidades internacionais,
como o Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Essas
entidades são importantes para respaldar a atuação do MST,
inclusive através dos meios de comunicação. É constante a luta
contra as classes dominantes que a tudo recorrem para paralizar e
mesmo destruir o MST.
“As
classes dominantes criam as condições que forçam nas subalternas
determinados comportamentos que, uma vez adquiridos, são considerados
como manifestações de inferioridade, incapacidade ou desinteresse.
Tira-se o índio da mata e nada se lhe oferece a não ser escravidão
e miséria. Libertam-se os negros, quando não há outro lugar para
eles sem ser sob o jugo do senhor. Coloniza-se sobre as terras dos
caboclos e depois se pergunta por que não a conservaram. Dá-se terra
pouca e ruim aos assentados para, depois, criticá-los por não
conseguirem se manter através dela. Em tudo isso, a visão negativa
do povo brasileiro. A Reforma Agrária não pode ser tomada como sinônimo
de distribuição de lotes. É preciso avaliar o modelo de
desenvolvimento agrícola brasileiro que privilegia a grande
propriedade não só não impondo restrições legais à excessiva
concentração de terras, como incentivando-a com financiamentos, subsídios
e incentivos fiscais. Dos assentados se exige que contribuam para a
população brasileira como um todo. O que se exige das grandes
empresas agrícolas com relação à população pobre? Todos sabemos
o quanto são desrespeitados os direitos trabalhistas no campo, haja
vista as constantes denúncias de escravidão. Vastas extensões de
terra são mantidas unicamente para especulação. Os incentivos
oficiais com que são agraciados os grandes produtores são de domínio
público. Porém, qualquer incentivo dado à pequena produção é
visto como assistencialismo. Agora que boa parte das agroindústrias
(...) se consolidaram com o apoio do Estado, prega-se a livre concorrência
através do mercado para os que ficaram fora do processo seletivo de
modernização no campo.” (PAULILO, MARIA IGNEZ SILVEIRA, Terra
à vista... e ao longe, Florianópolis, Editora da UFSC, 1998, págs.
156 e 157).
Calcula-se
que existam por volta de 20 milhões de sem terra neste país, que tem
180 milhões de hectares de terras boas sem serem cultivadas, nem
usadas como pastagem.
E o
problema tende a se agravar na medida que tem aumentado o número de
sem terra, inclusive porque a construção de barragens e usinas
hidrelétricas já afetou a vida de mais de um milhão de brasileiros,
segundo noticiou o Jornal do Brasil, de 15 de agosto de 1999.
De acordo
com a mesma fonte, com a materialização do Plano Decenal de Expansão
da ELETROBRAS (1999-2008) milhares de famílias serão expulsas das
terras onde vivem.
O problema
é tão grave que já resultou na criação do Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB)!
Quanto ao
MST, uma das atividades que vem empregando - a ocupação de prédios
públicos, como agências do Banco do Brasil - tem sido explorada pelo
governo como sendo ilegal. Na realidade, constitue uma forma de
pressionar, de chamar a atenção da sociedade para a questão dos sem
terra.
É bem
verdade que o governo tem contado com a conivente cobertura da
imprensa burguesa para desenvolver sistemática campanha contra o MST.
A revista Veja tem sobressaído por seus artigos tão facciosos
que até parecem ter sido escritos secretários da Presidência. Mas a
Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo,
o Jornal do Brasil, além de emissoras de rádio, como a CBN
e a Eldorado, vivem martelando comentários sobre a necessidade
de enquadrar o MST e restabelecer a ordem pública contra os que
classifica como baderneiros e inimigos do progresso.
Ao mesmo
tempo, constrói-se uma paz de cemitério face à impunidade
dos responsáveis por massacres cometidos por jagunços e policiais
militares contra sem terra e todos aqueles que se engajaram na luta
pela democratização da terra.
Aos sem
terra atribuiu-se a responsabilidade pelo massacre ocorrido em 8 de
agosto de 1995, em Corumbiara, no Estado de Rondônia. Na
oportunidade, a Polícia Militar atacou um acampamento dos sem terra
e, durante duas horas, a partir de 4,30 da madrugada, disparou suas
armas contra homens, mulheres e crianças desarmados. Morreram cerca
de 30 sem terra, inclusive uma menina de sete anos, além de 143
feridos. Dentre os atacantes, houve duas mortes.
Outro
massacre trágico teve como palco Eldorado dos Carajás, no Estado do
Pará, quando dezenove trabalhadores rurais foram assassinados e quase
oitenta ficaram feridos. Esse homicídio deu-se em 17 de abril de 1996
e, como no anterior e outros mais, ninguém foi punido.
Evidenciando
seu caráter repressor e a serviço das classes dominantes, o governo
Fernando Henrique Cardoso divulgou várias medidas legislativas contra
os sem terra. Uma dessas medidas estabelecia que terra ocupada não
mais seria vitoriada pelo governo para efeito de desapropriação.
Declarava-se que todo aquele participante da ocupação de prédio público
ficava excluído do processo de distribuição de terras pelo governo.
Tem se
estimulado a Polícia Federal a utilizar-se da Lei 7170, de 1983, mais
conhecida como Lei de Segurança Nacional (LSN), contra sem terra que
ocupe prédio público.
Há denúncias
de que telefones de dirigentes do MST estão colocados sob o controle
dos chamados arapongas.
Entretanto,
é preciso ousar lutar, para ousar vencer porque, ante a violência
dos poderosos, é necessária a violência revolucionária dos
oprimidos.
Como afirma
João Pedro Stedile, a força do latifundiário vem do dinheiro que
ele tem; a força do governo, vem da polícia e das Forças Armadas.
Os sem terras não têm dinheiro, nem armas, por isso a sua força está
na capacidade de juntar gente, do número de companheiros reunidos
rumo a único objetivo.
Autor:Rubim
Santos Leão de Aquino
Professor
de História do Liceu Franco-Brasileiro
Av.
N.S. de
Copacabana, 656 apto. 304
Copacabana
– Cep: 22050-000 – Rio de Janeiro
Coordenador
e co-autor de diversos estudos de História, destacando-se:
História
das Sociedades Americanas, 7ª edição,
Editora Record, 2000;
História
das Sociedades: das Sociedades Modernas às Sociedades Atuais,
38ª edição, Editora Record, 2000;
Sociedade
Brasileira: uma História através dos Movimentos Sociais,
2ª edição, Editora Record, 2000;
Sociedade
Brasileira: uma História através dos Movimentos Sociais - da crise
do escravismo ao apogeu do Neoliberalismo,
Editora Record, no prelo;
O
Brasil: uma História Popular, em
preparo;
Um
sonho de liberdade, a Conjuração de Minas,
Editora Moderna, 1998.
|